Bretanha - Terra de lendas e druidas


Panorama de Saint-Malo, antigo reduto de piratas
      Um imenso rochedo que se projeta mar adentro numa extensão de mais de trezentos quilômetros fazendo frente ao Atlântico Norte, a Bretanha é uma das regiões mais procuradas pelos turistas de toda a Europa. Isso se deve à sua belíssima paisagem, às vezes bucólicas, às suas imensas pradarias, às costas distantes da Finisterra, à amenidade de suas praias do litoral sul, com o sol brilhando durante quase todo o ano e com os seus sofisticados balneários.

Outro motivo de atração das terras da Bretanha é o seu povo. Os bretões estão entre os últimos sete povos descendentes dos celtas. Expulsos das Ilhas Britânicas por ocasião das invasões saxônicas, eles vieram para este lado do continente trazendo consigo sua língua, suas lendas, seus heróis, suas canções. E até hoje procuram manter suas tradições e até há poucos anos, sua firme atitude de não abrir mão da língua e dos costumes trazia-lhes problemas com o governo francês. Mas atualmente tudo isso ficou para trás e toda a nação francesa se orgulha de possuir em suas terras um povo com tão grande passado histórico.
Antes de se chamar Bretanha, essa região fazia parte da Armórica, nome dado na Antiguidade à região da Gália que incluía a península da Bretanha e o território entre os rios Sena e Loire, até um ponto indeterminado no interior. Este topônimo baseia-se na expressão gaulesa are mori (à beira-mar). Plínio o Velho, na sua História Natural, indica que Armórica era o nome antigo para a Aquitânia, dizendo que a fronteira sul da Armórica chegava até aos Pirineus. Tomando em conta a origem gaulesa do nome, esta asserção é perfeitamente lógica e correta, uma vez que Armórica não denomina um país, mas antes é uma palavra que identifica um tipo de região geográfica - uma região à beira-mar. Esta utilização permite deduzir que os Romanos contataram inicialmente populações costeiras e partiram do princípio que o nome Armórica dizia respeito a toda a região, tanto litoral quanto interior. A região passou a se designar Bretanha com a chegada dos bretões e muitos designam-na, também, de Pequena Bretanha, por oposição à ilha de onde vieram.
Vista de Locronan, na Finisterra
Na verdade, a união da Bretanha com a França deveu-se apenas a uma série de acontecimentos fortuitos dos quais nada participou o povo bretão. Tudo começou quando Ana, filha do Duque Francisco II da Bretanha, casou-se com Luís XII, rei de França. Muito embora o contrato de casamento assegurasse a independência do ducado, quando o duque de Angoulême subiu ao trono da França em 1515, sob o nome de Francisco I, decidiu incorporar a Bretanha definitivamente à Coroa francesa, obtendo o apoio de um magistrado bretão chamado Louis de Déserts, que em 1532 convocou os Estados bretões para um Conselho em Vannes a fim de votar pela união definitiva. Os delegados, alguns comprados, outros enganados, acabaram por admitir que seria melhor aceitar, em bons termos, o que mais tarde poderia ser imposto sem maiores delongas. Dessa maneira, no dia 13 de agosto de 1532, o rei fazia publicar em Nantes o Edito da União, concordando com a exigência dos Estados em conservar um Parlamento próprio e manter invioláveis os direitos e privilégios da Bretanha.
Parlamento da Bretanha em Rennes
Descendentes dos celtas, os bretões chegaram à península por volta do século V a.C. Quinhentos anos mais tarde, César invadiu a Gália com suas legiões e os derrotou. Durante quatrocentos anos eles viveram sob o domínio dos romanos. No século V da nossa era, chegou uma nova leva de celtas fugidos da Grã-Bretanha, que havia sido invadida pelos saxões. Trouxeram com eles seus trovadores, sacerdotes, bardos e druidas. E mais suas canções, que falam do Rei Artur e de seus cavaleiros, que na floresta de Huelgoat se sentavam em torno da Távola Redonda, enquanto em Paimpont, na antiga Broceliândia, o Mago Merlim e a Feiticeira Morgana se deleitavam com as canções dos trovadores. E trouxeram Parsifal, e mais Tristão, que viveu aquele amor tão trágico com Isolda em terras da Cornualha.
La Molène, pequena ilha no litoral sul da Bretanha, próximo de Brest
Com relação aos druidas, embora a visão cristã os mostre como sacerdotes, os textos clássicos os apresentam na qualidade de filósofos, embora eles presidissem rituais, o que pode soar conflitante. Druidas eram pessoas encarregadas das tarefas de aconselhamento, ensino, jurídicas e filosóficas dentro da sociedade celta. O druidismo procurava buscar o equilíbrio, ligando a vida pessoal à fonte espiritual presente na Natureza, e dessa forma reconhecia oito períodos ao longo do ano sendo quatro solares (masculinos) e quatro lunares (femininos), marcados por rituais especiais. A sabedoria druídica era composta de um vasto número de versos aprendidos de cor e conta-se que eram necessários cerca de 20 anos para que se completasse o ciclo de estudos dos aspirantes a druidas. De sua literatura oral (cânticos filosóficos, fórmulas mágicas e encantamentos) nada restou, sequer em tradução. O que ainda existe, está nas lendas e nas tradições dos descendestes do povo celta. O que sobrou do que seriam seus rituais, foram conservadas no meio rural e incluem a observância do Halloween, rituais de colheita, plantas e animais, baseados nos ciclos solar, lunar e outros. Tradições que seriam partilhadas pela cultura do povo.
Os monólitos de Carnac
As lendas populares vivem em todas as casas da Bretanha. E uma das mais interessantes é a que explica a origem dos monólitos de Carnac. Segundo ela, em meados do século III d.C., Cornélio, um santo bispo que estava sendo perseguido por soldados romanos, passou pelos campos de Carnac, onde os camponeses estavam semeando o trigo. Ele parou por um instante e lhes disse: "Preparem a foice que amanhã será o dia da colheita." Incrédulos, os camponeses pararam seu trabalho para interpelar o santo homem. Mas Cornélio já ia longe. No dia seguinte, o trigo havia crescido e estava maduro. No momento em que os camponeses iniciavam a colheita, chegaram ao local os soldados de Roma e perguntaram se haviam visto passar por ali um velho. Eles responderam que sim, mas que fora por ocasião da semeadura. Desanimado, os soldados ficaram ali parados e, lentamente, foram se transformando em blocos de pedra. E até hoje se encontram espalhados pelos campos de Méne, Kermario e Kerlescan, que circundam Carnac.
O Castelo de Fougeres com suas doze torres
Pode ser que os arqueólogos que têm tentado descobrir a razão daquela multidão de menires e dolmens que se encontram na região da Bretanha os vejam ligados a um povo misterioso e místico que ali viveu há cerca de cinco mil anos. Os bretões, porém, preferem a lenda, pois ela explica com bem mais poesia a existência desses estranhos monumentos. Menires e dolmens são monumentos megalíticos, que em arqueologia designa o conjunto de construções de grandes blocos de pedras, típicas das sociedades pré-históricas, edificadas essencialmente no período neolítico (por vezes também idade do Cobre e Bronze) com objetivos simbólicos e religiosos e principalmente funerários.
Os monólitos de Carnac
A Bretanha é uma das mais belas regiões da França e, devido a isso, tornou-se um dos seus mais importantes centros turísticos. No verão, vindos de todas as partes da Europa e de outros continentes os visitantes chegam aos milhões, invadindo seus balneários, bisbilhotando suas relíquias centenárias, vasculhando. Para cada um deles há sempre um abrigo, uma nova história, uma canção antiga. Muitas das velhas camponesas são capazes de lembrar dezenas de canções da Idade Média, que permanecem vivas dentro das casas da Bretanha. Se alguém, em qualquer porto ou cidade, perguntar a um bretão êtes-vous français, monsieur?, ele certamente responderá: Non, monsieur, je suis breton.
Vista de Morlaix
Existem duas maneiras de iniciar um roteiro turístico pela Bretanha. Uma é partir de Nantes, a antiga capital, ultrapassar o charco da Grande Brière e seguir os caprichos da costa até Finisterra, a mais bela paisagem da Bretanha. A outra é penetrar terra adentro, passando por Rennes, até chegar à costa norte, ao Monte St. Michel.
Fazenda com a característica casa medieval
Depois da região do charco de La Grande Brière, o lugar mais atrativo que se segue é Carnac, com seus dolmens e menires, e também, com suas praias, entre as melhores da Bretanha. Próximo a Carnac fica Saint-Anne d'Auray, onde se encontra a imagem milagrosa de Santa Ana da Bretanha, a padroeira dos bretões. Esta imagem foi descoberta no século XII, mas durante a Revolução Francesa foi quase que totalmente queimada. O que restou dela foi envolvido com uma capa de ouro. Ela leva verdadeiras romarias a Auray todos os anos. Durante a Revolução de 1789, a Bretanha foi um dos mais ferrenhos redutos da realeza.
Concarneau e Pont-Aven são as atrações seguintes. Esta última é uma vila de pescadores que ficou famosa pela escola de pintura que Gauguin ali criou em 1888. Naquela época existiam na aldeia quatorze moinhos e quinze casas. Hoje existe somente um moinho, que foi transformado num restaurante.

Lavadeiras em Port Aven, de Gauguin
Em direção à costa norte, encontra-se Quimper, antiga capital da Cornualha e uma das cidades mais ricas de história na Bretanha. Na estrada que leva de Quimper a Locronan, ainda se pode ver velhas casas de madeira do século XVI. Mas a maior atração de Quimper ainda é a sua catedral, erguida no século XIII no mais puro estilo gótico. Locronan é considerada a joia da Finisterra, com sua praça inteiramente cercada por casas de pedra em estilo renascentista, uma fonte medieval, uma velha igreja, que com o passar dos séculos ficou quase que totalmente coberta pelo musgo e onde repousam os restos de São Ronan, um eremita irlandês que viveu no século V e ao qual a cidade deve o seu nome. Em seguida vem a cidade de Brest, a segunda maior cidade da Bretanha. Brest já existia no século IV e seu principal monumento é um castelo construído pelos condes de Leon.
A religiosidade do povo bretão na comemoração 
do dia de Santo Ivo, o padroeiro da Bretanha
A costa norte da península possui algumas cidades bastante interessantes, como Trégastel, onde se pode ver a rocha do Rei Gradlon, que tem o mesmo nome do soberano que, segundo a lenda, atirou do alto dela a filha que se encontrava possuída pelo demônio. E ainda Dinard, Cancale e St. Malo, antigo reduto de piratas. Com seu passado glorioso, Saint-Malo conserva numerosos monumentos históricos e construções inventariadas. Dentre os mais visitados, a catedral Saint-Vincent, o Castelo Ducal, as Muralhas da cidade encerrada, o forte Nacional, o forte do Petit Bê, o túmulo de Chateaubriand, a torre Solidor, os muros galo-romanos de Aleth, os penhascos de Rothéneuf.
Algumas das figuras de trinta santos bretões 
do antigo Calvário de Pleyben,
próximo à igreja do povoado de Guimiliau, na Finisterra
Algumas das figuras de trinta santos bretões 
do antigo Calvário de Pleyben,
próximo à igreja do povoado de Guimiliau, na Finisterra
Algumas das figuras de trinta santos bretões 
do antigo Calvário de Pleyben,
próximo à igreja do povoado de Guimiliau, na Finisterra


Muitas outras atrações esperam o visitante na Bretanha. Com a sua estrutura granítica, a Bretanha enfrenta o mar que investe sobre suas costas selvagens, enquanto o seu povo conta sua história através de lendas e canções medievais. Nas pradarias e nos campos cultivados do interior as cercas e as camélias florescem enquanto em algumas terras do litoral agredidas pelo sal e pelo vento não desponta um fio de erva. E nas praias quentes do sul, em julho e agosto, como um prêmio para os visitantes que chegam aos milhares, o perfume das camélias e das mimosas                                adoça o forte cheiro do mar.

Barcos de pescadores ancorados ao lado de um farol

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