Dia do Barroco - Bicentenário de Aleijadinho



Homenagem ao bicentenário de Aleijadinho

Dia do Barroco resgata a memória do patrimônio histórico de Minas Gerais, e 2014 será marcado pelo bicentenário de Aleijadinho. 


O Cristo no Carregamento da Cruz, cena dos Passos
O dia 18 de novembro, data do falecimento do nosso artista maior, Antônio Francisco Lisboa, o "Aleijadinho", foi escolhido para reverenciar a maior expressão artística-cultural dos séculos XVIII e XIX em Minas Gerais: o Barroco. Assim, decreto do governador mineiro Antonio Anastasia institui a data comemorativa e ainda declara 2014 como o Ano de Comemoração do Bicentenário de Aleijadinho. A intenção é preservar a memória e a riqueza do patrimônio cultural do Estado e, também, assegurar o acesso a elas pelas futuras gerações, além de homenagear o inigualável gênio do barroco mineiro.

Embora o ano do bicentenário de Aleijadinho seja 2014, as celebrações da obra do grande mestre da arte barroca já começaram no interior de Minas Gerais. E o palco não poderia ser mais apropriado: a Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, onde está sua obra-prima, o grupo escultórico de Congonhas, ou seja, os Profetas do “Sacro Monte do Barroco”, conforme escreveu Germain Bazin (1901-1990). Além disso, no dia 9 de novembro estreou a série Concertos Coloniais, em homenagem a Aleijadinho. Regido pelo maestro Herculano Amâncio, o coral “Cidade dos Profetas” preparou um repertório com músicas dos séculos XVII e XVIII, que inclui as peças Stabat Mater (Padre.João de Deus Castro Lobo), Credo e Salve Regina (Lobo de Mesquita), Missa oitavo tom e Magnificat (Manoel Dias de Oliveira) e Maria mater gratie (Marcos Coelho Neto). O grupo agendou apresentações para o segundo sábado de cada mês na Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. A 36ª Semana de Aleijadinho foi aberta no dia 11 de novembro, com atividades que mobilizarão Belo Horizonte e as cidades históricas mineiras.
Dia do Barroco resgata a memória do patrimônio histórico de Minas

O decreto do governador prevê a realização de debates, palestras, seminários, oficinas, premiações e concursos nas áreas da Literatura, Música, Educação e Arquitetura, com o objetivo de difundir o Barroco Mineiro. Roteiros turístico-culturais também vão receber apoio do Governo de Minas, sobretudo em 2014, ano em que o Brasil vai sediar a Copa do Mundo e receber milhares de visitantes.
“A iniciativa da criação da data vai ao encontro de nossas ações e objetivos para o reconhecimento e valorização das expressões do Barroco Mineiro, expressões essas que enriquecem a oferta turística do Estado, fortalecem o turismo cultural e atraem visitantes”, enfatizou o secretário de Estado de Turismo, Agostinho Patrus. E completa: “Portanto, o Barroco Mineiro é um importante produto de Minas e tem potencial para ter mais destaque. É importante que os turistas visitem mais o Estado e conheçam mais as belezas do Barroco, que extrapolam o território mineiro, pois são obras exuberantes e universais.”
Segundo o professor de História da Arte da Universidade Federal de Minas (UFMG), Magno Mello, a percepção do secretário está correta. “Nosso Barroco deve ser visto em sua totalidade, com a ideia de unidade entre a pintura, a escultura e a arquitetura, que agrega espetacularidade ao olhar do espectador que adentra a igreja e cria um cenário cinematográfico  extraordinário”, comenta o historiador. Para Magno Mello, a data é um conceito simbólico positivo que vai valorizar a cultura mineira colonial, o que também inclui o Rococó – e seus grandes expoentes, como Manuel da Costa Athaíde, ou Mestre Ataíde, que trabalhou ao lado de Aleijadinho. “O trabalho de Aleijadinho, considerado um mito, uma lenda, comparado a Michelangelo, despertou ensaios, poesias e textos”, pontua Magno Mello.
São atribuídas ao artista mineiro obras de grande relevância histórica, seja como entalhador, escultor ou arquiteto. Os retábulos das Igrejas de São Francisco de Assis, em Ouro Preto e São João del-Rei, entalhados em madeira, o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, com os Doze Profetas esculpidos em pedra-sabão, os passos da Paixão de Cristo, em Congonhas, são apontadas como algumas das suas principais obras.

Mestre Aleijadinho

"A última vez que Deus esteve na arte do Ocidente foi por meio da obra de Aleijadinho" (Germain Bazin).

A arte barroca encontrou no Brasil do século XVIII sua expressão mais profunda e sua identidade mais íntima. Em nenhum outro lugar no mundo o Barroco foi tão bem assimilado, não só como movimento artístico, mas como uma vocação social. No Brasil, se viveu intensamente o Barroco, Mestre Aleijadinho é seu representante mais ilustre, e sua obra resume toda cultura plástica e religiosa do Brasil colonial.
Nascido em Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, filho natural do arquiteto e carpinteiro português Manoel Francisco Lisboa com uma de suas escravas, Isabel, Antônio Francisco Lisboa começou a trabalhar desde cedo com o pai, tendo aprendido com ele somente as primeiras letras. Não se sabe exatamente a data de seu nascimento, já que na certidão de batismo consta o ano de 1730 e a de óbito registra ter ele nascido em 1738. Esta última data é a mais aceita.
Em 1750, ingressou no internato do Seminário de Donatos do Hospício de Terra Santa e durante nove anos estudou com os padres, recebendo lições de gramática, latim, matemática e religião. O aprendizado prático foi feito, essencialmente, nas oficinas do pai, com o tio e artistas portugueses emigrados para Minas Gerais, entre eles o desenhista e gravador João Gomes Batista, os escultores e entalhadores Francisco Xavier de Brito e José Coelho de Noronha. Não se pode deixar de mencionar também o mestre Francisco Vieira Servas.
Bem jovem já era "Mestre de arquitetura e escultura" na rica capital das Minas Gerais, hoje Ouro Preto. Em 1758, então com 20 anos, é encarregado do projeto e execução do chafariz de pedra-sabão do monastério do Hospício de Terra Santa, em Ouro Preto, o que seria a sua primeira obra, mas ainda inspirada nos moldes do barroco luso. Em 1760 executa a talha dos altares laterais de Santo Antônio e de São Francisco de Paula, além de uma imagem de Nossa Senhora do Carmo para a Matriz de Nossa Senhora de Bom Sucesso, na cidade de Caeté (MG), onde também se encontra uma imagem de Santa Luzia a ele atribuída, em 1963, pelo crítico de arte francês Germain Bazin, que foi conservador do Museu do Louvre e autor de um importante estudo sobre a arte barroca brasileira.
Aleijadinho trabalhou em diversas cidades até 1766, quando projetou a planta geral da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Em 1768, um ano depois da morte de seu pai, foi incorporado às fileiras do Regimento de Infantaria dos Homens Pardos, em Vila Rica, cumprindo determinação do marquês de Pombal. Cumpriu o serviço militar por três anos, mas continuou trabalhando no seu ofício, porque não era exigida a permanência integral nos quartéis.
Coral "Cidade dos Profetas"  na Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos,
 em Congonhas
Em 1770, Antônio Francisco Lisboa fez modificações no projeto original da Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Ouro Preto, inclusive no frontispício. Em 1771, recebeu encomenda da Igreja de Nossa Senhora do Carmo de Sabará. Ingressou na Irmandade de São José dos Pardos em 1772 e fez modificações na igreja. Sua atividade foi intensa. Até ser acometido por uma doença degenerativa, que começou a dar sinais em 1777, popularmente chamada zamparina (podia ser sífilis, lepra nervosa ou reumatismo deformante), contraída por "excessos venéreos", Antônio Francisco Lisboa levou uma vida normal, exercendo plenamente sua arte, que refletia jovialidade e alegria.
O apelido de Aleijadinho veio quando os sintomas ficaram evidentes: perda de todos os dedos dos pés, alguns das mãos, que também ficaram curvadas e atrofiadas, e o desfiguramento da face. O diagnóstico da doença é o menos importante se comparado à influência que ela exerceu em sua produção artística. Além desse grave problema, o artista teve que superar outro obstáculo, que inclusive nos privou de uma série de informações importantes, não só para a história das artes, como do barroco: ele era mestiço, e como tal, segundo Benjamin de A. Carvalho, "sentiu na alma a indiferença, o desprezo e as agressões das lutas discriminadoras responsáveis pela criação das ‘ordens dos pretos’ e das ‘igrejas dos pretos’, que se espalharam em toda aquela região."
Capela-Mor da Igreja de São Francisco de Assis

A primeira década na companhia da enfermidade foi a mais produtiva de sua carreira. Entre 1776 e 1778 trabalhou a serviço das Ordens Terceiras do Carmo e São Francisco de Assis em três cidades diferentes, separadas por grandes distâncias percorridas a lombo de burro. Recibos encontrados em Congonhas provam que escravos eram contratados para carregá-lo, pois não tinha condições de caminhar. Seus ajudantes amarravam os ferros e o macete às suas mãos deformadas, tinha continuamente um aparelho de madeira e couro atado aos joelhos que o permitia subir, com toda agilidade, as altas escadas de carpinteiro. Do mulato fogoso de voz forte e afeito a mulheres e bebidas, restava apenas aquele vulto macabro que se arrastava, vestido e embuçado com seu poncho negro, muitas vezes carregado de madrugada por seu fiel escravo Januário para o trabalho, não querendo ser reconhecido.
Igreja Nossa Senhora da Conceição, onde Aleijadinho foi sepultado
O movimento político conhecido como Inconfidência Mineira o afastou de Vila Rica, período em que desenvolveu trabalhos em Rio Espera e São João Del Rey. Radicou-se em Congonhas do Campo até 1806, onde realizou sua obra-prima, os Doze Profetas, e também os Passos da Paixão, totalizando 78 esculturas em tamanho natural, esculpidas em madeira policromada e pedra-sabão.
Artista religioso, Aleijadinho encontrou na tradição cultural do barroco da Contrarreforma a inspiração adequada para desenvolvimento de sua obra. Suas esculturas emanam uma espiritualidade cristã semelhante à imaginária ibérica, mas as monumentais estátuas de devoção possuem expressividade própria e características bastante peculiares: a confluência das sobrancelhas em forma de V, rosto emagrecido evidenciando os ossos, bolinha na ponta do nariz, unhas das mãos cerradas, sempre o mesmo estilo de manto e encaracolado dos cabelos, e o mais famoso dos estilemas - os pés trocados.
Igreja S. Francisco de Assis de Ouro Preto
No fim da vida retornou a Ouro Preto, aos poucos foi reduzindo o volume de trabalho, dedicando-se mais a avaliação e supervisão de projetos de arquitetura, a idade avançada e o agravamento de sua doença o impediam de esculpir. Passou seus dois últimos anos cego, largado num estrado de madeira, acompanhado de uma imagem do Cristo Crucificado. Por fim, Aleijadinho faleceu em 18 de novembro 1814, aos 76 anos de idade, com o corpo tomado pelas chagas, na mais triste miséria. Foi sepultado na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, na campa contígua ao piso do altar da Boa Morte, privativa da Irmandade dos Homens Pardos.

Túmulo de Aleijadinho na Igreja N.S. da Conceição


Cidades Barrocas e os Passos da Paixão

Além do indiscutível talento como entalhador e escultor, Aleijadinho projetou e decorou de forma esplendorosa dezenas de igrejas barrocas em Minas Gerais. Como arquiteto usava linhas e curvas elegantes, retirando todo o peso das torres e fachadas, deixando o rebuscamento para portadas e para o interior, muitas vezes coberto de ouro. Considerada a obra-prima de Aleijadinho no gênero, a Igreja de São Francisco de Ouro Preto, em Rio Espera, possui monumental retábulo dourado, que ocupa toda a parede do fundo da Igreja, ligado harmoniosamente aos demais ornamentos que culminam em uma graciosa figura de Anjo portando flores no centro da abóbada.
Frontispício da Igreja S. Francisco de Assis de Ouro Preto (detalhe), 
obra de Aleijadinho.
 O medalhão ocupa o lugar do óculo tradicional
A setecentista cidade de Tiradentes abriga a Matriz de Santo Antônio, que possui portada de pedra-sabão e interior decorado por Aleijadinho. Em São João Del Rey foi responsável  pelas Igrejas São Francisco de Assis, Nossa Senhora do Pilar e Nossa Senhora do Carmo. Não existe em nossa arquitetura daquela época nenhum frontispício que sobrepuje o da Igreja de São Francisco de São João del-Rey. Em Sabará, Aleijadinho decorou o Teatro Municipal e a Capela de Nossa Senhora do Ó, e a Igreja do Carmo, com a perfeição de duas figuras de homens musculosos que sustentam nos ombros as colunas do coro. No Museu do Ouro, há ainda uma Santana Mestra atribuída ao artista, que expressaria bem a maturidade de seu trabalho. Em Mariana, primeira capital mineira, o Museu da Arquidiocese guarda valioso acervo de arte sacra atribuído a Aleijadinho, com uma imagem de São Francisco de Paula e um São João Evangelista, entre outros.
O Cristo no Carregamento da Cruz, cena dos Passos
Mas, Ouro Preto, a Vila Rica do ciclo do ouro, é a cidade que possui as mais variadas marcas de Aleijadinho. Lá executou projetos e ornamentos diversos para as igrejas de São Miguel e Almas, do Carmo e de São Francisco de Assis, Matriz de Nossa Senhora do Pilar e Nossa Senhora da Conceição. Andando pelas ruas que ainda possuem as mesmas características do século XVIII, encontram-se inúmeros chafarizes de Aleijadinho, como o do Bom Jesus dos Matozinhos e da Praça Frei Vicente. A antiga casa da Câmara e a Cadeia de Vila Rica - atual Museu da Inconfidência - também são obras do artista barroco e das mais belas do período colonial. Além dessas, diversas obras de arte e riscos originais de igrejas foram atribuídos à Aleijadinho por comparação, já que não existem documentos suficientes que comprovem a autoria, tanto em Ouro Preto quanto nas outras cidades barrocas.
O Santuário do Bom Jesus dos Matozinhos, em Congonhas* é o marco da carreira de Aleijadinho. Ajudado pelos aprendizes de seu ateliê, ele produziu 66 figuras em cedro para compor as sete cenas da Via Sacra, e os Passos da Paixão, que foram instalados em seis capelas, entre 1796 e 1799. Em torno da Basílica estão as estátuas de pedra-sabão que representam os Doze Profetas, cada um deles segura um pergaminho que traz uma frase em latim. Sabe-se que o santuário teve origem na devoção de um português de nome Feliciano Mendes, que arrecadou o dinheiro para sua construção pedindo esmolas, como pagamento de uma promessa ao santo.
N.S. das Dores, séc.XVIII,
 madeira policromada 100x48x34 cm. 
Museu de Arte Sacra - SP

 Museu Aleijadinho
No Museu Aleijadinho se encontra não apenas peças de valor histórico e artístico, mas também a oportunidade de uma aproximação com a sublime e profunda inspiração do inigualável gênio do barroco mineiro, Antônio Francisco Lisboa, o "Aleijadinho", cujos restos mortais estão na referida igreja de Nossa Senhora da Conceição. O nome do museu é uma homenagem ao nosso artista maior, mas também apresenta obras de outros artistas.
No entanto, não espere o visitante encontrar um museu convencional, onde num só prédio estejam expostas as obras de arte. Não, para visitar o Museu Aleijadinho é preciso caminhar um pouco. A maior parte do museu, ou o que se convencionou em Ouro Preto chamar de museu, tem as suas relíquias em exposição permanente em cinco ambientes: Sala da Sacristia e Sala da Cripta da Igreja Nossa Senhora da Conceição, Igreja de São Francisco de Assis, Igreja Nossa Senhora das Mercês e Perdões e Capela Nossa Senhora das Dores. A administração e "sede" do Museu Aleijadinho fica na Matriz da Conceição, construída por Manuel Francisco Lisboa, pai de "Aleijadinho", que fez o risco e dirigiu as obras.

Igreja de Nossa Senhora das Mercês e Perdões

*Leia matéria completa sobre Congonhas do Campo na edição nº. 67 de A Relíquia



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