Canaletto – Guardi

Os dois mestres de Veneza

CANALETTO - Praça de São Marcos, 1723 - ost 141,5 x 204,5 cm
FRANCESCO GUARDI - Praça de São Marcos, 1785 - ost 35 x 45 cm

Cerca de 50 obras dedicadas a Veneza foram reunidas no museu Jacquemart-André, em Paris. Apesar do título, a exposição não apresenta apenas trabalhos de Giovanni Canal (Canaletto) e Francesco Guardi mas, também, de outros artistas como Gaspar van Wittel, Luca Carlevarijs, Bernardo Bellotto e Michele Marieschi.  Bozena Anna Kowalczyk, especialista em pinturas italiana do século XVIII, reconhecida internacionalmente, é a curadora geral desta mostra que só foi possível graças ao apoio dos principais museus europeus e americanos.


Essa é a primeira mostra realizada na França dedicada exclusivamente ao estilo "veduta". Nas artes plásticas chama-se "veduta" (plural, vedute; do italiano, "vista") a gravura, pintura ou desenho rico em detalhes e usualmente em grande escala que apresenta a perspectiva de uma paisagem urbana ou de outros panoramas. A "veduta", que poderia ser traduzido como "vista" detalhada do local, é um gênero pictórico que cresce e conhece a sua idade de ouro em Veneza, no século XVIII. Ele inclui uma série de grandes mestres, onde Canaletto e Guardi são os mais conhecidos.
Desde da exposição de Pierre Rosenberg, em 1971, que se concentrou na pintura veneziana do século XVIII, nada havia sido feito sobre o tema. Nesta mostra, o procedimento foi confrontar o mesmo motivo - a Praça de São Marcos, por exemplo - pintado por diferentes artistas, a fim de mostrar como Canaletto  reage às propostas de Gaspar van Wittel, como Bernardo Bellotto ou Michele Marieschi afirmam suas diferenças, e a independência ainda maior de Francesco Guardi. Muitos destes artistas também pintaram vistas fantásticas e imaginárias de Veneza, aos quais foi dedicada uma sala inteira na mostra.

FRANCESCO GUARDI - O Campo Santi Giovanni e Paolo, 1765
 ost 73 x 121 cm. Acervo Museu do Louvre – Paris
 A "veduta" é relativamente desconhecida para o público francês (e talvez para nós, brasileiros), e às vezes é visto como um gênero um pouco repetitivo. No entanto, foi importante para marcar as diferenças de estilo e sensibilidade, e mostra, por exemplo, como cada personagem é utilizado de forma diferente pelo instrumento óptico, la camera obscura.
A câmara escura é um instrumento óptico que permitia a passagem dos raios solares por uma lente e refletia a imagem que se queria pintar, como base de suas obras. Canaletto passou a usar a câmara escura em 1730. Conseguiu assim mais precisão no desenho, mais luminosidade e um contraste mais brilhante entre as cores. Foi nessa época que iniciou os famosos capricci, composições formadas por elementos arquitetônicos reconhecíveis sobre um fundo imaginário.

CANALETTO - O Campo Santi Giovanni e Paolo, 1738-1739 - ost 46,4 x 78 cm.
Acervo da coleção real britânica emprestada pela Rainha Elizabeth II

Canaletto interveio fortemente na composição, reajustando proporções para dar uma visão racional, intelectual e geométrica do lugar. Procurou o efeito de luz em todos os detalhes, enquanto Marieschi pouco transformava a imagem obtida na câmara escura; as distorções que vemos em suas pinturas são aquelas produzidas pela câmera grande angular que ele usou, porque havia vários objetivos. O mesmo vale para Guardi: em sua visão do Campo Santi Giovanni e Paolo (ao lado), adota o ponto de vista ardente de Canaletto; mas não corrige as distorções; de repente, os edifícios estão em movimento no ar. É que Guardi que não tenta passar a impressão de estabilidade da cidade e a perenidade da sua  história de permanência, mas, ao contrário, a sensação da passagem do tempo. É também mais espontâneo, mais rápido e pressionado pela necessidade de produzir.

Vistas de Veneza

CANALETTO - Regata no Grande Canal, 1732 
  ost 149,8 x 218,4 cm. Museu Bowes – Inglaterra
 Os pintores da "veduta" criaram uma imagem de Veneza, que se espalhou por toda a Europa, e continuou durante os séculos seguintes. As obras, os artistas viajantes, bem como as ideias. A partir do século XVIII, o teórico Antonio Maria Zanetti, em correspondência com os grandes colecionadores - incluindo o francês Mariette, que compreendeu a importância da pintura de vistas de Veneza -, desempenhado um papel importante na difusão do gênero. No século XIX, é através dos olhos de Canalleto ou Guardi que os escritores e pintores vêem Veneza. É o caso de Théophile Gautier em sua "Voyage en Italie", de William Turner e Whistler.
O problema é que um número considerável de obras de vedutistes diferentes, como Belloto, Marieschi ou o próprio Guardi - , foram originalmente vendidos e listados como sendo de Canaletto, por ser este muito mais famoso que os outros. Somente no final do século XIX a personalidade de Guardi emerge claramente. É na França, favorecido pelo impressionismo, que o seu trabalho passa a ser considerado. Os grandes colecionadores, como Calouste Gulbenkian ou Nissim de Camondo, compram suas pinturas em leilões de Londres. Na virada do século XX aparecem os trabalhos pioneiros de Adrien Moureau (1894) e Gustave Uzanne (1907) sobre Canaletto, e de George Simonson sobre Guardi (1904). Mais temos que esperar até 1962, para a publicação do catálogo raisonné de Canaletto por William George Constable, trabalho capital que permitiu se colocar um pouco de ordem nas atribuições, para uma melhor compreensão dos Mestres. Desde então, estudos subseqüentes têm se multiplicado sob a égide dos principais especialistas como Stefan Kozakiewicz, Terisio Pignatti e Alessandro Bettagno. A última grande exposição desse gênero, "Venise: Canaletto et ses rivaux" (Veneza: Canaletto e seus rivais), foi realizada em Londres e Washington em 2010-2011.
Novas pesquisas precisam ser realizadas, ainda hoje, para estabelecer a cronologia das obras, acervos históricos, e especialmente as atribuições. Avanços na pesquisa estão de acordo com o interesse público e dos grandes colecionadores, cujo número aumentou de forma constante desde meados do século XX. Em 2001 um Guardi atingiu o preço recorde de 25 milhões de libras.
A fama de Veneza para os viajantes do século XVIII era indissociável do "Grand Tour" que levava aos caminhos da Europa jovens oriundos da aristocracia ou burguesia afortunada. Durante dois anos ou um pouco mais, estes, em sua maioria britânicos iam conhecer o mundo e testar seu caráter. Veneza, da mesma forma que Florença, Roma ou Nápolis, era uma das etapas obrigatórias deste rito de passagem para a idade adulta. O fluxo dessa clientela de "grandes turistas" que colecionavam obras de arte como troféus de seu périplo contribuiu para impulsionar um gênero pectórico à parte: "a veduta".

Foi em Veneza, no decorrer do século XVIII que o "vedutismo" conheceu sua expressão mais brilhante. Entretanto, foi nos Países Baixos e em Roma, dois séculos antes, que se faz necessário conhecer suas origens. Apesar de suas perspectivas fantasistas, as paisagens panorâmicas de Maerten van Heemskerck (1494-1574) e de Hendrik van Cleef (1525-1589) são consideradas como as primeiras "vedutas" pois são claramente identificáveis. Outros artistas dos Países Baixos vivendo na Itália contribuíram para desenvolver o gênero no século XVII.

Os precursores

GASPAR VAN WITTEL - O mole visto da Bacia de São Marcos, 1697
 ost 98 x 174 cm. Museu do Prado
 Apesar da beleza espetacular de suas paisagens de áreas alagadas e o pitoresco singular de seus inúmeros canais, Veneza não possuía nenhuma tradição vedutista antes da chegada de Gaspar van Wittel, conhecido como Gaspare Vanvitelli (1652/1653-1736).  Da temporada veneziana desses holandeses, nos anos 1695, nasceram uns quarenta quadros cuja realização se estendeu por uns vinte anos. Gaspar van Wittel trabalhava a partir de desenhos de grande formato, realizados a partir da natureza, conservando a pintura uma grande frescura de toque e de cor.
A influência deste primeiro grande mestre da "veduta" italiana sobre os artistas venezianos é mal dimensionada. Parece que ela se exerceu diretamente sobre Luca Carlevarijs (1663-1730) que havia conhecido seus primeiros sucessos como pintor "da arquitetura e da perspectiva". Ele conservou esta temática apreciada pela clientela local, produzindo vistas de veneza para os compradores estrangeiros cada vez mais numerosos. A maior parte dessas obras de arte se originaram antes de 1710, o que fez dele o primeiro vedutista veneziano. 
Nestes quadros de grande formato (eles são maiores dos que os de Gaspar van Wittel), os personagens são individualizados. Algumas figuras, tal como uma dama de rosa usando uma máscara negra, aparecem em várias cópias de suas composições.
Gaspar van Wittel e Carlevarijs abriram caminho para os grandes representantes do gênero que foram Canaletto (1697-1768), seu sobrinho Bernardo Bellotto (1722-1780) e Francesco Guardi (1712-1793). Estes grandes nomes eclipsaram figuras mais modestas, como o sueco Johann Richter (1665-1745) ou Giovanni Battista Limaroli (1687-1771), dos quais algumas telas tiveram a honra de serem atribuídas ao próprio Canaletto.

O gosto dos turistas


LUCA CARLEVARIJS - A Praça São Marcos, 1726 - ost 45 x 91 cm
(acima e detalhe no friso). Museu Nacional do Castelo de Fontainebleau

Se Gaspar van Wittel contava com alguns venezianos entre seus compradores (sabe-se que cinco de seus quadros se encontravam na casa do patrício Giorgio Bergonzi em 1709), seus sucessores trabalharam principalmente para estrangeiros. Estes exerceram de fato uma influência sobre a evolução da "veduta". Assim, para facilitar sua exportação, os quadros adotaram um formato mais reduzido. Por outro lado, para agradar os compradores, alguns pontos de vista e certos assuntos iriam ser privilegiados. As festas, como a da Ascensão, por exemplo, objeto de uma faustosa exibição naval sobre a Bacia de São Marcos eram particularmente adotadas. A recepção aos embaixadores estrangeiros, igualmente muito procurada, tornou-se a especialidade de Carlevarijs. Enfim, Canaletto e os outros artistas desde o fim dos anos 1720, aceitaram o fato de que os ricos turistas compravam mais facilmente as paisagens banhadas por uma luminosidade dourada de um verão eterno.
Os sombrios céus de tempestade e do inverno, mais ricos de efeitos pictóricos, não favoreciam as vendas. O gênio de Canaletto no âmbito atmosférico foi uma das chaves de seu sucesso. Ele não hesitava tomar como modelo as composições de Carvevarijs, enriquecendo-as com efeitos novos de luz, como as nuvens onde a sombra se projeta sobre a fachada do palácio dos doges. Este detalhe não escapou a Alessandro Marchesini, pintor veronês que, em julho de 1725, aconselhava a um colecionador de Lucques de não se dirigir a Carvevarijs, mas sim à Canaletto, onde as obras eram equivalentes, mas "onde poder-se-ia ver brilhar o sol". Nesse clima de intensa competição artística e financeira, o velho Carvevarijs tentou se conduzir à sua maneira, mas a doença pôs fim à sua carreira em 1728.
A Gravura teve um papel principal na difusão comercial da "veduta", fornecendo um recurso iconográfico precioso aos pintores que sempre buscavam modelos de novos motivos. Carvevarijs tinha inaugurado em 1703 sua série de "veduta" veneziana com a publicação de uma coletânea de 103 estampas entitulada Le Fabriche e Vedute di Venezia (As construções e vistas de Veneza). Além de seu grande sucesso público, este álbum exerceu uma influência durável sobre os artistas que se inspiraram durante muitos anos. Sabe-se que a publicação em 1735 da coletânea de gravuras Prospectus Magni Canalis Venetiarum (Perspectiva do Grande Canal de Veneza) de Antonio Visentini inspirada nas vistas de Canaletto pertencente ao cônsul britânico Joseph Smith, contribuiu ainda mais para o crescimento de Canaletto no exterior como também para valorizar a coleção de Smith, que era um editor. Uma segunda edição seria publicada em 1742, aumentada em mais vinte e quatro pranchas. Alguns anos depois, Canaletto publicou uma coletânea de suas próprias águas-fortes. O exemplo foi seguido por Michele Marieschi, que lançou em 1741 vinte e duas gravuras de suas composições com a finalidade de aumentar sua notoriedade.

O cônsul empresário Smith

CANALETTO - Perspectiva com um pórtico, 1765, ost 131 x 93 cm
 O mercado florescente da "veduta" fez verdadeiras fortunas, tal como a do berlinense Sigismund Streit, instalado em Veneza como marchand em 1709. Ele encomendou a Canaletto algumas de suas obras primas desse período. Mas o grande sucesso desta área foi o legendáro cônsul Smith.
Verdadeira instituição veneziana, o colecionador e marchand Joseph Smith (1682-1770) teve o mérito de editar em fac-simile os "Quatro Livros de Arquitetura" de Andrea Palladio. Este homem, descrito pela escritora inglesa Lady Mary Wortley Montagu como "um indivíduo escandaloso em todos os sentidos" (ele era também proxeneta na época), se instalou em Veneza, no princípio do século XVIII, como um grande negociante inglês. Contava entre sua rica clientela ingleses que efetuavam passeios pelo Grande Canal, naturalmente ligando sua paixão pela arte veneziana àquela de Canaletto em particular, seguindo seu aguçado faro de comerciante. Parece que ele se tornou o agente exclusivo do pintor, quando contribuiu para organizar a famosa viagem a Londres. Não há dúvida de que ele teve grande lucro nesse negócio, o que não tira seus méritos na difusão da arte veneziana na Europa. Os 350 quadros de sua fabulosa coleção (ele possuía 54 Canalettos) foram comprados pelo rei George III da Inglaterra e subsiste pela metade ainda hoje nas coleções reais inglesas.

Colecionadores e Mecenas

CANALETTO - Praça de São Marcos, 1740 - ost 45 x 76 cm.
Veneza recebia numerosos viajantes que promoveram o
desenvolvimento do gênero da veduta. Museu Jacquemart-André
Graças a Smith, Canaletto contou entre seus clientes membros de ilustres famílias britânicas: Henry Howard, 4º conde de Carlisle, John Russel, 4º duque de Beaford, Charles Spencer, 3º duque de Malborough (24 telas para o primeiro, 22 para o segundo, talvez as encomendas mais importantes de sua carreira). Quanto a Howard, apesar de possuir "somente" cinco grandes Canalettos, ele havia comprado pelo menos 15 Belloto e 18 Marieschi.
Veneza contava com um outro mecenas excepcional na pessoa do general Johann Matthias van der Schulemburg. Este homem intrépido havia combatido os franceses sob as ordens de Malborough e do príncipe Eugène. Foi homenageado pela Sereníssima República com uma estátua em Corfou pela sua vitoriosa defesa da Ilha. Em sua velhice veneziana ele se ocupou em reunir uma coleção de pinturas que ele expedia para suas diversas propriedades na Alemanha. Habilmente, Michele Marieschi conseguiu mudar o interesse do velho soldado por Canaletto. É bem verdade que os preços deste brilhante e prolífico artista eram mais acessíveis. Uma carta do marchand de arte Zanetti a Lord Howard descrevia Marieschi "tão capaz como Canaletto ao qual se pagava também pelo seu nome e notoriedade". Uma morte precoce abateu este terrível concorrente com a idade de trinta e dois anos, em 1743.

As joias da coroa britânica
Exposição do Museu Jacquemart-André foi beneficiada por empréstimos excepcionais da Coroa da Inglaterra, que possui a maior coleção de Canaletto do mundo. Ela veio diretamente do Cônsul Joseph Smith, filantropo e marchand do artista, que vendeu nada menos que 50 pinturas, para não falar de desenhos e gravuras, ao rei George III. Essas obras são muito raramente emprestadas, e cedidas apenas quando envolve estudo da obra do artista, que é o caso dessa mostra. Alguns sairam da coleções real britânica pela primeira vez. Outro importante empréstimo que deve ser mencionado, é o quadro La place Saint Marc, vers lest, do Museu Thyssen-Bornemisza de Madri Pág 17-17), que é provavelmente uma das mais famosas pinturas de Canaletto. A exposição Canaletto-Guardi, os dois mestres de Veneza pode ser visitada no  museu Jacquemart-André até o dia14 de janeiro de 2013, quando se encerra.



Canaletto e Guardi

Giovanni Antonio Canal, conhecido como Canaletto, nasceu e morreu em Veneza com 70 anos. Ficou  famoso por retratar a atmosfera própria de Veneza sob o ângulo barroco, captando a visão de suas ruas e canais, envoltos em luzes e sombras. Recebeu sua formação com o pai, o pintor e cenógrafo Bernardo Canal, e estudou com o paisagista Luca Carlevarijs. Mudou-se para Roma (1719) onde fez numerosos desenhos de ruínas e monumentos e diversos cenários para as óperas de Alexandre Scarlatti. Entrou em contato com pintores como Gian Paolo Pannini, perito em perspectivas, e o flamengo Gaspar van Wittel, paisagista precursor de temas panorâmicos e voltou para Veneza onde passou a trabalhar pintando panoramas da cidade sob encomendas. Demonstrando um esplêndido tratamento das luzes e sombras e de seu perfeito domínio da perspectiva, em um estilo mais objetivo do que o de seu rival, o pintor italiano Francesco Guardi. Morou na Inglaterra (1746-1755), onde o cônsul inglês em Veneza, Joseph Smith, apresentou o artista a importantes clientes que desejavam paisagens de Veneza. Na Inglaterra pintou paisagens urbanas e rurais, especialmente de Londres, Oxford e Windsor. De volta a Veneza (1763), ingressou na Academia de Belas-Artes, da qual foi membro até sua morte e entre seus principais discípulos destacou-se seu sobrinho Bernardo Bellotto.
Francesco Lazzaro Guardi também nasceu e faleceu em Veneza. Foi um dos maiores paisagistas do período Rococó. Guardi nasceu em uma família da nobreza menor originária de Trentino. Seu pai, Domenico (nascido en 1678), e seus irmãos Niccolò y Gian Antonio foram também pintores. Este último herdou a oficina familiar após a morte do pai em 1716, e atuou como professor de Niccolò e Francesco.
En 1735, Francesco passou a trabalhar na oficina de Michele Marieschi, onde permaneceu até 1743. Suas primeiras obras confirmadas datam de 1738 e foram feitas sob encomenda para uma paróquia de Vigo d'Anuania, no Trentino. A primeira obra assinada por Francesco é Santo adorando a eucaristia (cerca de 1739). Suas obras desse período incluem representações figurativas e paisagens, incluindo suas primeiras "vedutas". Em 15 de fevereiro de 1757, casou-se com Maria Mathea Pagani, filha do pintor Matteo Pagani. Em 1763, por ocasião da eleição do doge Alvise IV Mocenigo, pintou as Festas do doge, uma série de doze telas. Por volta de 1778, realizou a obra Santíssima Trindade aparecendo aos santos Pedro e Paulo na igreja paroquial de Roncegno. Em 1782 o governo veneziano encomendou a Guardi seis telas para celebrar a visita dos arquiduques russos à cidade, das quais só restam duas. Outras duas telas foram pedidas para comemorar a visita do papa Pio VI. Em 12 de setembro do mesmo ano, foi admitido na Academia de Belas Artes de Veneza.
As primeiras "vedutas" de Francesco Guardi guardam nítida influência com as obras de Canaletto e Lucas Carlevarijs. Foi também influenciado por Alessandro Magnasco em telas como Milagre de um Santo Dominicano num estilo quase expressionista. Com o passar do tempo, no entanto, o pintor se dirigiu rumo à criação de um estilo próprio. Fazendo largo uso do sfumato e da chamada pittura di tocco, estilo baseado em pequenas e enérgicas pinceladas pontuais, o artista criou um estilo de pintura mais solto, em contraposição às pinturas sólidas e organizadas de Canaletto e Tiepolo. De fato, enquanto em Canaletto há uma concentração em representar meticulosamente a arquitetura veneziana, em Guardi os edifícios parecem estar dissolvendo-se e afundando nos canais lodosos.
Ao contrário de Canaletto - que pintou a vida cotidina dos bairros e comunas venezianos, dando-lhes, algumas vezes, um aspecto épico - Guardi não buscou retratar Veneza dessa forma; sua obra representa a dissipação da República de Veneza. O estilo de pintura mais solto inaugurado por Francesco Guardi seria também muito apreciado, séculos depois, pelos impressionistas franceses.

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