Arte, reflexão e compreensão

Por mais que eu tenha tentado entender isso que hoje chamam de arte contemporânea (já existiram diversos movimentos cognominados com esse título), de um modo geral quase nunca consegui enxergá-la pelas lentes da sensibilidade ou entendê-la pelo aspecto estético ou cultural.
Diz o dicionário que Arte é um conjunto de preceitos para a perfeita execução de qualquer atividade. Digo mais: A arte é um dom único e peculiar, nato e diferenciado, que determinadas pessoas tem ao executar suas manifestações criativas, em tese, o artista.
Nas artes plásticas, faz-se necessário que a ideia concebida seja materializada por seu autor, o artista, consubstanciando-a como uma obra de arte. Bem, para isso é indispensável que o artista desenvolva, através de longo e incansável adestramento, a capacidade de materializar sua ideia, tal e qual a mesma fora concebida, para não atribuir ao acaso o resultado obtido no produto final.
Daí a importância do aprendizado, da cultura e da vivência experimental, ferramentas indispensáveis para que essa materialização seja perfeita aos olhos do seu criador. O resultado desse tripé identificará a caligrafia do artista plástico perante os apreciadores da arte, tal qual como a voz identifica o cantor.
Relendo o livro "O sentido da Arte", escrito por Herbert Read, o autor diz que o homem reage à forma, superfície e massa do que se lhes apresentam aos sentidos, e certas distribuições na proporção da forma, da superfície e da massa dos objetos, tem como resultado uma sensação agradável". Isso escrito lá pela década de 50, época que o mundo já havia experimentado alguns movimentos de ruptura e vanguarda, na tentativa de desbancar o reinado dos "ismos" surgidos no fim do século XIX.
Pelo que entendi, o autor sugere que a falta de tal distribuição invariavelmente acarretará em indiferença ou mesmo repulsão pelo que se predisponha ser Arte, em todas as formas em que a mesma possa se manifestar.
Quando Herbert diz que o homem reage à forma, superfície e massa, talvez tenha faltado acrescentar que essa reação deveria ser espontânea e pessoal, não precisando de estímulos externo para enxergar, sentir ou pensar sobre o que se é apresentado. Quantas vezes passamos diante de uma obra sem notá-la, indiferente ao que está exposto, por absoluta falta de atrativos? Ou quantas vezes a notamos por sua beleza, ou repulsa, do que a mesma possa nos causar?
A percepção da arte se faz ao reconhecê-la como tal, independente de como ela se apresenta, sem precisar, contudo, de auxílio de terceiros ou guia ilustrativo sobre seu conteúdo. Sendo as artes plásticas uma troca de informações entre seu criador e o observador, algo significativo deverá existir para nutrir esse elo de transmissão comunicativa, fazendo-se entender as partes: a obra e o observador.
Dito isso, justifico a minha relutância em aceitar pastiche como arte, pois essa é a leitura que faço pelo que se tem apresentado como arte contemporânea.
O mercado de arte, salvo algumas exceções, transformou a arte em produtos de grife, criada e manipulada por investidores abastados que controla através da mídia bem remunerada seu clã. Investidores em artes?... Daqui a pouco estarão vendendo ações de obras de arte, com direito a bônus e dividendos nas bolsas de valores, não mais nas galerias de arte e casas de leilões.
Desnecessários se tornarão cursos de aprendizado e aprimoramento técnico e cultural, mostras e exposições individuais e coletivas, críticos e historiadores, e por fim, museus e centros culturais. As obras serão compradas e guardadas por investidores, em cofres, e não nas paredes, esperando pela sua valorização para serem negociadas na espreita de lucros financeiros pelos verdadeiros "ricos pobres", parafraseando sábia definição, por Washington Olivetto.
No Brasil e mundo afora, a palavra "colecionador" está caindo em desuso. Os amantes das artes, que dedicaram uma vida inteira para se enriquecer culturalmente e apurar sua sensibilidade para distinguir e interpretar o que seja uma verdadeira obra de arte, se iguala ao curioso endinheirado que seguindo orientação dos ilusionistas do mercado, que constantemente frequentam a mídia, cai como um tolo nessas armadilhas ardilosas. Por fim, faço uma ressalva: existe algo de bom e de boa qualidade no meio disso tudo, mas, infelizmente, poucas e boas laranjas nunca serão suficientes para salvar o seu suco, no meio de tantas laranjas podres.

Ricardo Kimaid
tel. 21 2273-3398

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