Leonilson na Fundação Iberê Camargo

Do total de 372 trabalhos, 126 são novos nesta que é a segunda montagem da exposição ocorrida em São Paulo e a maior já realizada com a obra deste artista seminal para a arte brasileira. Mostra será exibida de 15 de março a 3 de junho.

As ruas da cidade, 1988

Um dos expoentes da arte contemporânea brasileira, o cearense José Leonilson (1957-1993), ganha uma restrospectiva à altura do seu talento na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. Entre 15 de março e 3 de junho de 2012, o museu apresenta a exposição “Sob o Peso dos Meus Amores”, concebida pelo Itaú Cultural no primeiro semestre de 2011, em São Paulo. Embora as diretrizes da curadoria permaneçam as mesmas, quase um terço das obras que serão expostas em Porto Alegre estavam ausentes na montagem original. É a primeira mostra de Leonilson com este porte na capital gaúcha, que há mais de três décadas não recebe uma individual do artista.
Nesta reedição, a exposição ganha um conjunto de ilustrações realizadas entre 1991 e 1993 para a coluna da jornalista Barbara Gancia no jornal Folha de São Paulo. “São cem desenhos que comentam o cotidiano da cidade de São Paulo, do país e do mundo de forma irônica e com humor”, descreve o co-curador Ricardo Resende, também consultor do Projeto Leonilson e diretor-geral do Centro Cultural São Paulo. Parte importante da obra de Leonilson, esses trabalhos contrapõem a ausência de uma instalação na Capela do Morumbi, remontada em seu sitio original em São Paulo, e de outras obras que foram substituídas nesta segunda versão de “Sob o Peso dos Meus Amores”.

Longo caminho de um rapaz apaixonado, 1989
Em seus breves 36 anos de vida, Leonilson produziu um vasto conjunto de obras que hoje está distribuído nas maiores coleções públicas e privadas do planeta. Sob a curadoria de Resende e do crítico de arte Bitu Cassundé, um recorte de 365 trabalhos representa todas as fases do artista. Esse olhar panorâmico parte dos primeiros estudos, datados de 1972, e se estende até 1993, o ano de sua morte. É possível testemunhar a transformação de uma pintura com caráter violento em uma obra mais contida, delicada e intimista expressa em pequenos desenhos, esculturas e bordados. Nos seus dois últimos anos, já com a obra reconhecida, Leonilson conviveu com a AIDS e tematizou a doença em momentos como os sete desenhos da série “O Perigoso” (1992). Agendas e cadernos de artista entram no espaço expositivo como complementos, revelando exercícios de reflexão importantes na concepção de muitos trabalhos. A exposição está organizada em uma ordem cronológica não muito rígida por dois andares da Fundação, além do saguão, que vai recepcionar os visitantes com obras de artistas com quem Leonilson conviveu: Leda Catunda, Sérgio Romagnolo, Daniel Senise, Luiz Zerbini e Albert Hien. “Evidenciamos trabalhos desses artistas da grande movimentação na arte brasileira de retomada da pintura que ficou conhecida como Geração 80”, contextualiza Bitu Cassendé.

Ele me falava sobre o rio e seus afluentes, c. 1988
Alguns, além de amigos, são também parceiros, como Hien, com quem Leonilson divide a autoria da instalação “How to rebuild at least one eighth part of the world [Como reconstruir ao menos uma oitava parte do mundo]”, de 1986. Mistura de utopia e ironia, esse trabalho foi criado logo após o acidente nuclear em Chernobyl e antecede a pintura “Leo não consegue mudar o mundo” (1989). Nesta, um marrom sem vida predomina na tela que apresenta um coração vermelho de onde saem, como veias, as palavras Abismo, Luzes, Solitário e Inconformado.
Dono de um trabalho confessional, Leonilson compôs uma obra que pode ser lida como um diário íntimo. Era sobretudo um romântico. A busca do outro, o desejo, e a solidão como conseqüência disso, afloram no seu trabalho. A família, os amigos e a religião também são assuntos frequentes. Para Cassundé, esse é um dos pontos fortes do artista: “É das experiências pessoais que o artista, através da sua poética, eleva questões particulares e as desdobra em temas universais de fácil identificação e encontro com o outro. Leonilson captura o espectador justamente tornando-o cúmplice de suas questões.” Ele inclusive costumava usar a primeira pessoa para extravasar sentimentos e emoções. Um exemplo é o bordado Voilá mon coeur [Eis o meu coração], inspirado na passagem bíblica em que Jesus Cristo oferece o seu coração para São João Batista. Outra obra emblemática é a aquarela “Sob o peso dos meus amores”, que dá nome à exposição.
Misturando técnicas de desenho, aquarela, guache e tinta acrílica com tecidos e bordados, os trabalhos de Leonilson carregam uma artesanalidade única, diferenciando-o de outros artistas da época. O uso da palavra também é marcante na sua estética. Desde cedo, o artista a explorou como elemento gráfico, por vezes inserida nos trabalhos e por outras nos próprios títulos, que chamam a atenção pelo lirismo. Em seus textos, frases ou palavras soltas, corre uma forma de literatura que narra pequenas situações reais ou inventadas.
O gosto por viagens o levou a integrar mapas e elementos da natureza à sua poética. Leonilson vinculava a geografia ao corpo, confundindo cidades, rios e caminhos com artérias e órgãos. Também guardava registros dos seus percursos numa espécie de catalogação do cotidiano e colecionava brinquedos, artesanato e vários objetos que depois vinham à tona nas suas obras como signos (vulcão, ampulheta, avião, navio, ponte, cadeira, bússola, radar etc.). Como se construísse um grande arquivo, organizava o mundo à sua maneira. Essa verdadeira fixação o levou a construir uma obra ligada à ideia de classificação em que aparecem números, listas de nomes de pessoas, de sentimentos, de estados de espírito e de coisas.
Hoje, quem organiza e zela pelo trabalho do artista é o Projeto Leonilson, com mais de 3.500 itens catalogados. A instituição tem um papel essencial na realização de uma mostra com o porte desta que se vê na Fundação Iberê Camargo.

José Leonilson
Crédito Mila Petrillo
Nascido em Fortaleza, em 1957, José Leonilson Bezerra Dias muda-se para São Paulo ainda pequeno. O interesse pela arte aparece na infância, manifestando-se em forma de desenhos e nas brincadeiras que Leonilson faz com os retalhos do atelier de costura da mãe. Passa pela escola Panamericana de Arte e depois ingressa no curso de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado sem o completar, mas desfrutando de aulas com Regina Silveira, Nelson Leirner e Júlio Plaza. Na década de 1980, faz parte do grupo de artistas que revolucionou o meio artístico brasileiro conhecido como Geração 80. Participa, em 1985, das Bienais de São Paulo e Paris. Mas é nos primeiros anos da década de 1990 que o artista se firma como um dos destaques no panorama cultural brasileiro, com uma obra contundente, expressando como nenhum outro, os dramas e as angústias do homem contemporâneo.
O artista falece jovem, em São Paulo, em 1993, deixando uma obra autêntica e extensa. Na Bienal de São Paulo de 1998, foi homenageado com uma sala especial. A imagem de uma escultura foi o motivo do emblema do evento e o detalhe de um desenho a imagem do cartaz.

SERVIÇO
Exposição: Leonilson - Sob o Peso dos Meus Amores
Visitação: 15 de março a 3 de junho
Horário: Terça a domingo, das 12h às 19h e quinta, das 12h às 21h
Local: Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2.000. Porto Alegre)
Entrada Franca: As empresas Gerdau, Itaú, Vonpar e De Lage Landen garantem a gratuidade do ingresso.
Informações: 3247.8000 ou pelo site http://www.iberecamargo.org.br/

Um comentário:

  1. Genial! Uma exposição que mexe nas profundezas da nossa existência. Passei três horas dentro da fundação e saí de lá exausta !

    ResponderExcluir