Problemas de Restauração na Arte Contemporânea

Por Alessandra Ferrari






A arte contemporânea envelhece cedo e mal, em relação àquela antiga, e neste campo se desencontram os interesses do artista para com as boas regras de realização das obras, aos dos proprietários em relação à sua longa duração, pois a produção contemporânea se mistura à tradição pelo emprego de procedimentos neoantigos, mas se exibe em um contexto todo inovativo que faz do emprego de materiais de produção industrial - facilmente encontrados no comércio - o elemento predominante.



Se pode então individuar duas categorias de obras quanto a esta tipologia da qual estou tratando aqui, para as quais estabeleço duas distintas modalidades operativas: o caso de uma obra realizada através de um procedimento manual e que se permite ser repetido, para o qual é lícito unicamente que seja retardado o envelhecimento do material e o caso da obra de arte realizada através de um procedimento criativo que possa ser repetido com materiais industriais, onde o papel do artesão é substancialmente projetar a obra.



Na falta de um manual que revele os procedimentos do “fazer” e dado o frequente desinteresse do artesão para com a documentação escrita, a única possibilidade que se oferece ao restaurador para a reconstrução do processo criativo é quase sempre aquela de recorrer à única testemunha a quem é permitido consultar: o próprio artista, com o qual se pode estabelecer diversos graus de colaboração. Mas mesmo em relação a este particular privilégio, sempre identificado como “restauração de autor”, se abre a discussão mais calorosa que se podia, contra a frente ortodoxa da linha brandiana e outras de pensadores e estudiosos europeus.



As obras de arte contemporâneas, pertencendo a uma fase de transição entre presente e passado parecem entrar sob um determinado estatuto na qual uma dúplice instância estética e histórica definida por Brandi encontra difícil colocação.



O intervento julgado ilícito – aquele de autor – representa um argumento forte por aqueles que sustentam os valores documentários mesmo de obras ainda não “historizadas” sobre as quais, portanto, o artista não se pode sentir autorizado a intervir com liberdade mesmo possuído da melhor boa-fé, pois não fará outro que reabrir um processo criativo sobre uma obra já entregue à história, em relação à qual, qualquer direito seu de julgar já foi cessado de produzir efeito.



O comportamento justo perante uma obra de arte contemporânea não deve ser diverso daquele realizado para obras de arte antiga. Seguramente variam a aplicação de técnicas ou materiais particulares, ou então se parecem perigosas as escolhas de algumas operações de restauração, mas resulta ainda muito válido o fundamento da restauração como ato crítico, que indaga e valoriza a estrutura formal da obra, como esta foi realizada e a intenção que ela demonstra, e ainda a sua relação de estreita integração com materiais que consentem o seu manifestar comunicando as suas particularidades. Então, o que falta nesta situação toda que estou discutindo aqui, não é somente falar de restauração, mas de uma recordação, ou seja, da documentação de um evento.



O verdadeiro desafio à manutenção da obra de arte contemporânea e nesse caso posso incluir ainda a categoria da arte moderna, ou melhor, de algumas tendências de ambas, são apresentados nas operações de individualização destas com relação ao tempo, espaço e ambiente, com um pressuposto explícito da não duração ou da irrepetibilidade. Posso me referir à arte conceitual que nesses termos, é reduzida a um projeto, ou ainda ao enunciado de um projeto, quando muito escrito ou desenhado sobre suportes dos mais casuais, um papel, um determinado e específico muro, ou qualquer outro tipo de material; mas do projeto não deriva da realização da obra, a obra é o projeto. Assim como as instalações, que se propõem a serem eventos ligados a um lugar determinado, ao passar das horas, ou ainda à apresentação de materiais comestíveis como manteiga, chocolate ou alface, esses eventos podem ser apenas reproduzidos, mas não serão nunca os mesmos eventos nas mesmas situações particulares pelas quais foram inventados e propostos.



Parece evidente então que a individualização artística seguida de uma atenta e precisa documentação, que vai da pesquisa de todos os materiais elaborados pelo artista na fase preparatória até o evento, seja o único ou talvez o mais correto comportamento que pode ser desenvolvido, utilizando-se para isso, a fotografia, o filme em película ou ainda o armazenamento em disco digital. O mais tradicional e comum suporte documentário, o papel, como se sabe, não mantém um caráter de confiança, nem de segurança devido à sua qualificação como sendo extremamente ácido, muito sensível à luz e aos valores termo-igronometros do ambiente o que resulta na sua fragilização e destruição, devido à sua produção industrial e ao uso de matérias primas econômicas e abundantes, o que por outro lado, consentiu uma produção abundante deste material e conseqüentemente, uma profusão de informações e cultura muito vasta na história da humanidade.



Mas a determinação do meio pelo qual a individualização da obra será documentada deve ser feita através de pesquisa técnico-científica, levando em conta, as particulares exigências do uso de que cada um dos meios oferece, bem como às condições de durabilidade que possuem.



É por isso que cada vez mais, novas necessidades de pesquisa tecnológica e científica se impõem nas instituições culturais, pois se a manutenção da memória histórica é um problema essencial de sobrevivência da nossa civilização, a duração dos suportes ou manufaturados que testemunham o sentido da produção artística mais recente, qualquer que seja ela, é uma necessidade para conter na sua totalidade os valores e desvalores que as caracterizam, nas suas contradições, a fase atual do nosso existir no mundo.

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