Pintura Brasileira

Juarez Machado


La fête continue - "Rencontre sinueuse" ost - 100 x 73 cm - 1997


"Tudo, de tudo o que fiz, tudo que eu tenha investido, e tudo o que entreguei de mim até aqui, o fiz, sempre, em razão da arte. Nunca pensei em outra coisa. A arte para mim jamais foi um grande delírio, ou grande sonho, mas algo vital, presente sempre."

Ele decidiu viver da arte ainda menino. Começou no desenho, criando rótulos de remédios, estudou arte, enveredou-se pelo humor, foi chargista marcante em sua geração, pioneiro do desenho humorístico na televisão e hoje, morador de Paris, dedica-se a uma pintura extremamente sofisticada. Expôs e expõe muito, circulou entre as mais importantes cabeças brasileiras de seu tempo, como Ziraldo, Jaguar, Millôr Fernandes e Henfil e, cedo, foi reconhecido como um grande artista. Bem sucedido, tem quadros nas mais caras galerias da Europa, dos Estados Unidos e no Oriente Médio. Eis Juarez Machado, cidadão do mundo nascido em Joinville.

"Acho mesmo que sou uma pessoa privilegiada. Quantos artistas estão aí, brigando e lutando e não conseguem espaço algum, ou muito pouco espaço. Na verdade eu me sinto privilegiado porque eu consegui esses espaços desejados. Ter colecionadores, ter uma agenda repleta de exposições, de compromissos sucessivos e de minhas passagens pela televisão, pelo desenho de humor, pelo jornalismo, pelo teatro, pela arquitetura, tudo isso foi, até de forma egoística, uma disposição permanente para enriquecer o meu universo, a minha pintura, enfim, a minha arte."

Juarez Machado nasceu em 1941 em Joinville, cidade de forte influência germânica, não só nos prédios em estilo europeu, espalhados pela cidade, como pela adoção do alemão como segunda língua. Ali passou a infância, tendo recebido, segundo ele, seu maior estímulo para seguir sua vocação, de seu pai, caixeiro viajante, que não só apoiou o filho desde o princípio como era o provedor de diversos objetos e novidades que trazia de suas viagens e que foram as primeiras referências e inspirações do pintor. O estilo de vida dos moradores de Joinville também proveu ao artista um de seus primeiros temas: a bicicleta.
Muito cedo já sabia de sua vocação, não só isso, já havia decidido segui-la. Tanto que, aos 14 anos, empregou-se como desenhista de cartazes de remédios numa gráfica do Laboratório Catarinense, começando a ser artista ali mesmo. Mas, aos 18 anos, Joinville já havia se tornado pequena para Juarez. Foi procurar horizontes mais amplos em Curitiba e entrou para a EMBAP - Escola de Música e Belas-Artes do Paraná.
Ao contrário da muitos dos grandes artistas que o mundo produziu, Juarez já começou na carreira com o pé direito. Recém-formado, em 1964, expôs individualmente pela primeira vez na Galeria Cocaco. Ali, estava a um passo do Rio de Janeiro e do sucesso, que o acompanha até hoje, em suas várias facetas artísticas.


Copacabana - "Privilège de la Mer" ost - 130 x 97 cm - 1992

Segundo Millôr Fernandes, na Revista Manchete, em 1969, "Juarez se dedicou sozinho ao entalhe, ao talhe e ao detalhe, tendo chegado ao achincalhe", afinal, esculpiu, desenhou, escreveu, foi grande nome da caricatura, mímico, designer, cenógrafo, ator, fotógrafo e hoje dedica-se exclusivamente à pintura em seu ateliê em Paris, no Rio, em Joinville ou em qualquer lugar onde esteja, mesmo em hotéis, para onde, segundo ele, leva ferramentas com as quais destaca a porta do banheiro, transformando-a em cavalete.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1965, liga-se a alguns dos mais influentes artistas da época e logo ganha um reconhecimento de massa, passando a se apresentar no jovem programa Fantástico da Rede Globo nos anos 70, onde até 1978, fez sucesso ao misturar o desenho de humor, inovação na TV, em forma de vinhetas animadas, com uma performance que incluía mímica, música e nonsense num cenário criado pelo próprio artista.

O pintor joinvilense, que tem no currículo títulos como o de Personalidade do Século nas Artes Plásticas e o de Cidadão Honorário de Joinville, realizou exposições individuais em locais como o Museu Nacional de Belas Artes, o Centro Cultural Georges Pompidou, o Palácio Itamaraty, a Galeria Debret, a Galeria Bonino, o Grand Palais de Paris e o Museu Nacional de Imigração e Colonização em Joinville. Participou de uma edição do Fashion Rio, para o qual criou uma coleção de quadros de mulheres usando jóias com temática de violência social, como uma obra com um colar enfeitado com uma lata de sardinhas, denunciando a fome.

Uma de suas características é o trabalho sobre temas. Juarez não se interessa apenas pela emoção no ato criativo. Precisa, antes, se aprofundar no assunto escolhido, permear de cultura a criatividade. Para a série Chateau Bordeaux, por exemplo, leu tudo sobre vinhos. "Não sou pintor de pintar um quadro. Sou pintor de pintar uma história", diz. Hoje, estas histórias são contadas nas paredes de vários museus importantes, como o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, Museu de Arte do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, Museu de Arte Contemporânea do Paraná, em Curitiba e Musée de Auvers-Sur-Oise, na França. Segundo ele, "Antes de produzir os quadros, eu faço a pesquisa. Então eu leio tudo sobre o tema, eu visito os locais, eu memorizo as paisagens, eu coloco a minha imaginação a brincar."

Toda esta organização e disciplina não o isentam da angústia criativa. Mas, antes de ser paralisante, ela é a alavanca para saltos cada vez mais altos e estudos mais profundos. A inquietação pelo novo não diminuiu ao longo dos anos. Com o tempo, o que muda na obra de Juarez, além do fato de se dedicar exclusivamente à pintura, é sua técnica, cada vez mais sofisticada, praticamente irreconhecível para quem acompanhou seus primeiros passos.

Assim, a cultura, em sua visão, é fundamental para o artista. Sempre se aprofundando em seus temas, Juarez acha que não é só a emoção que influencia o momento da criação, há que existir uma cultura por trás. "Você não pode negar o que já passou, senão você acaba desenhando um bisão na parede de sua caverna. É preciso respeitar a evolução. Do pensamento, da cultura e da própria história. É preciso continuar a partir do ponto em que o mundo parou."

A personalidade de Juarez é um capítulo à parte e poderia ser até incluída em sua obra artística. Bon vivant, não segue modas, compra suas roupas em brechós ou as manda fazer, despreza os modernos celulares, prefere a carta ao telefone. Segundo ele, a diferenciação é uma manifestação de poder. Hoje, mora no mesmo bairro parisiense onde viveram Van Gogh, Picasso, Lautrec e outros, tendo ali mais uma fonte da inspiração que Paris lhe proporciona.

Mas não se poderia escrever sobre Juarez Machado sem citar suas mulheres, que são peças marcantes em sua obra. Quem vê um de seus quadros, nos quais elas estão sempre presentes, destacadas e luminosas, logo percebe o lugar que ocupam no imaginário de seu criador. Sobre este tema, disse o crítico libanês Joseph Tarrab: "Nos pastéis de Machado, material tão propício aos tons degradados, o traço amplo, vigoroso, nervoso, encerra essa carne em linhas sinuosas e vorazes, curvas e angulosas ao mesmo tempo. Esse mesmo traço a magnifica ainda mais quando, não satisfeito com cercá-la e sublinhá-la com força, ele se amplia em cabeleira de carvão ou terno de homem, cuja sombria escuridão realça, como um escrínio, o inestimável esplendor feminino."

Por Joana Faro

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