Centenário de Carybé


A exposição "Carybé 100 anos" no Museu da Chácara do Céu é apenas um dos eventos em homenagem ao artista em 2011, dentro das comemorações do centenário de nascimento do mais brasileiro dos artistas argentinos. "Ninguém foi mais baiano do que ele", declarou Jorge Amado. Nascido em Lanús e naturalizado brasileiro, Carybé tornou-se um dos mais importantes artistas da Bahia e do Brasil.

Argentino, nascido em 1911, Hector Julio Páride Bernabó, o Carybé, foi pintor, gravador, desenhista, ceramista, escultor, muralista e baiano, com todas as implicações que o termo exige: aprendeu a tocar pandeiro, teve aulas de capoeira e freqüentava candomblés, chegando a ser Obá de Xangô. Assim, naturalmente, as cenas da religião afro-brasileira é uma parte importante de sua obra, que conta com aproximadamente cinco mil trabalhos, entre pinturas, desenhos, esculturas e esboços.


Uma das obras de Carybé em exposição no Museu Chácara do Céu 



O artista passou parte da infância na Itália, vindo depois com a família para o Brasil e radicando-se no Rio de Janeiro. Carybé traçou o caminho de muitos dos grandes artistas seus contemporâneos: cursou a ENBA, Escola Nacional de Belas Artes, fez viagens ao exterior, expôs e foi mundialmente reconhecido.

Sua primeira exposição individual aconteceu em 1943 na Argentina, mesmo ano em que traduziu para o espanhol o livro Macunaíma, de Mario de Andrade. A carreira jornalística iniciada na Argentina é continuada no Brasil, onde ajuda a montar o jornal Diário Carioca, em 1946, sendo chamado depois, por Carlos Lacerda, para trabalhar no jornal Tribuna da Imprensa, entre 1949 e 1950.

A vinda definitiva de Carybé para o Brasil foi feita em etapas que, aqui, são contadas pelo próprio: "(...) Em 38 vim a Salvador. Tinham fundado um jornal (Prégon) e me deram o melhor emprego do mundo - viajar e mandar desenhos. Mas quando cheguei a Salvador, o diário tinha falido. Fiquei aqui seis meses, vivendo numa miséria, mas uma miséria sem drama. Bastava mandar uma carta para Rubem Braga no Rio que ele mandava à passagem. Mas fiquei curtindo. Como não conhecia ninguém importante acabei dormindo num trapiche no início da Avenida do Contorno. Assim foi até o momento em que disse: chega. Mas aí ficou a Bahia na cabeça. Voltei em 40, em 42, e sempre o negócio de Bahia. Meus amigos já estavam cheios, e Rubem, um dia, fez uma carta para Anísio Teixeira, ele era secretário de Educação e Cultura, e me disse: "vai ver esse homem que ele vai lhe dar um emprego na Bahia". Olhei a carta e fiquei morrendo de vergonha de tanto elogio que ele fazia. Aí vim. Entreguei a Anísio. Ele leu e disse: "vamos ver, estou fazendo umas escolas, uma espécie de universidade popular e gostaria de fazer um painel e até tenho um recorte de uma ilustração sobre a Bahia". Mandou a secretária buscar. Não tinha mais assunto quando a secretária voltou, e era um almanaque que eu tinha feito. Aí pronto. Ele me disse: "você vem para o ano e vamos arranjar". No dia 31 de dezembro embarquei, cheguei dia 1º de janeiro. E ele: "como agora? É um negócio lá pra o meio do ano". Era 1950. Já que estava aqui, fiquei. Fui me virando".

O apelido Carybé, que o artista assumiu pensando ser o nome de um peixe, acabou sendo "desmascarado" pelo escritor Rubem Braga como sendo, na verdade, sinônimo de um mingau de milho servido às parturientes. À surpresa, o artista respondeu com humor: "que bom, eu adoro mingau".   
 
"Carybé é uma espécie de prodígio nacional. Ele é o artista que registrou de maneira extensiva e expressiva os ritos do candomblé, observou a vida dos mitos africanos no Brasil e descreveu, em detalhes de conhecedor, a história e os hábitos das Entidades. Apenas a realização deste trabalho e inventário, sem igual no mundo inteiro, bastaria para colocar este artista em nossa história visual e conferir significativa importância cultural e antropológica ao seu feito," disse Jacob Klintowitz.

Segundo o artista plástico Calazans Neto, "Carybé foi o verdadeiro cronista da Bahia. Criou toda uma atmosfera baiana nos seus desenhos para enaltecer, o povo, os mais humildes, pescadores, capoeiristas, prostitutas e homens das ruas. E com isso, engrandeceu nossa terra."

Antes de naturalizar-se brasileiro, em 1957, já atuava ativamente no movimento de renovação das artes plásticas na Bahia, participando de várias vertentes artísticas como o cinema e a literatura. No cinema, participou em 1952, como figurante, diretor artístico e desenhista do filme O Cangaceiro, de Lima Barreto e na literatura foi autor e co-autor de vários livros como Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da Bahia, da Editora Raízes, em 1981 e Bahia Boa Terra, em parceria com Jorge Amado e Flávio Damm. Nesta altura, já era tão baiano que se considerava um "branco suspeito".

O seu trabalho de maior visibilidade foi diversas ilustrações que fez para livros de alguns dos mais renomados autores de seu tempo como Mario de Andrade (Macunaíma), Gabriel Garcia Marquez (Ninguém escreve ao coronel), Jorge Amado e Pierre Verger.

Carybé tinha o dom de esculpir as cenas mais peculiares com poucos traços. Assim, obteve tanto sucesso que conseguiu o privilégio de poucos artistas: viveu de sua arte. Seus quadros estão nas mais renomadas instituições artísticas: Museu de Arte Moderna de Nova York, Fundação Gulbenkian, de Lisboa, Museu de Arte Moderna da Bahia e São Paulo e Fundação Raymundo de Castro Maya, no Rio de Janeiro.

Mas sua vida artística não era a única atividade importante que desenvolveu no Brasil. Orgulhava-se de ser pandeirista do Bando da Lua, que acompanhava Carmen Miranda, e foi Oba de Xangô, posto alto na hierarquia dos orixás, ainda mais para um estrangeiro.

Entre as muitas exposições e salões dos quais participou, sempre com grande sucesso, foi diversas vezes premiado. Entre outras, estão as I, II, III, VI e VII Bienais de São Paulo, a XXVIII bienal de Veneza, 56, e dos VI e XI Salões Nacionais de Arte Moderna no Rio de Janeiro, em 1957 e 1962, no MoMA, Nova York, em 1958 e na mostra na Tryon Gallery de Londres (1969), além de tomar parte da "20 Anos de Bienal", na XI Bienal de São Paulo. Entre seus painéis que se destinaram a decoração de edifícios públicos, destaca-se o executado em 1958 para o atual aeroporto Kennedy, NY.


Inauguração da exposição no Museu Castro Maia: Eusébio Ferreira da Costa, Paulo Roberto de Souza Silva, Nancy Carybé (viúva), Solange Carybé (filha) e embaixador José Rache de Almeida       



Apesar de não acreditar em vida após a morte, opinião, partilhada por Jorge Amado, outro freqüentador assíduo de candomblés, Carybé morreu em outubro de 1991 de um ataque cardíaco onde melhor viveu num terreiro de macumba, em Salvador.
Muitas vezes figurou Carybé nas histórias contadas por seu grande amigo Jorge Amado. No livro Tieta do Agreste, o escritor define um pouco da personalidade do artista, a quem chamou "o Capeta", além de dissertar sobre uma prática comum nas igrejas brasileiras que vem criando polêmica no meio dos antiquários e colecionadores de arte: a venda de imagens religiosas.



Por Litiere C. Oliveira

Nenhum comentário:

Postar um comentário