A Arte no Jardim


Entre bosques silvestres românticos, o jardim de Schwetzingen que Voltaire chamou de "paraíso na Terra”


A arte de cultivar jardins (jardinagem) possui origens remotas. Nos túmulos dos faraós egípcios há pinturas que representam cenas de jardinagem e na Ásia, desde a mais longínqua antiguidade, se construíram jardins, sendo o mais famoso deles os Jardins Suspensos da Babilônia, que foi considerado uma das sete maravilhas do mundo.

Na Índia e na Pérsia havia o costume de cobrir grandes extensões de terra com jardins que tinham o aspecto de parque. Quando se situavam junto a casa, em geral eram cercados por muros e ali as mulheres, que não podiam aparecer em público, ficavam se refrescando do calor. Normalmente esses lugares tinham água corrente e árvores frondosas, muitas flores e plantas ornamentais. Ainda hoje é possível apreciar esses jardins nos tapetes antigos.

Os gregos começaram a produzir jardins semelhantes aos dos persas a partir do século V a.C. Nessa época Atenas já possuía um mercado de flores e com o louro, o mirto, as rosas e as violetas, faziam-se coroas para os heróis dos Jogos Olímpicos. Durante o período mais florescente do Império Romano, as vilas e jardins construídos eram considerados os mais bonitos, em uma época que a Itália esteve coberta de jardins. Deles o escritor Plínio deixou descrições pormenorizadas.

Ar mediterrâneo: com 80 jardineiros, a Ilha de Mainau floresce no Lago Constança

Dos jardins e hortas da Idade Média, pouco se sabe, apenas que eram pequenos e encerrados dentro dos castelos e mosteiros, conforme descrição dos monges que chegaram até nós. Segundo historiadores, os mais belos jardins de que se tem notícia são os da Itália do Renascimento, muitos deles reproduções dos existentes nas antigas vilas romanas. Geralmente se situavam em encostas suaves, escalonadas em forma de terraços. Represava-se água, que depois descia por cascatas ou canais sinuosos. Entre os mais belos jardins italianos se inclui os de Vila d'Este, em Tívoli, próximo a Roma, que foi construído em meados do século XVI. A influência do Renascimento atingiu a França, Holanda, Inglaterra e Alemanha, e até hoje pode ser observada em diversos jardins desses países.  

Jardim "Japanischer" – Leverkusen


Baseados no estilo a que obedecem, os jardins podem ser divididos em naturais e arquitetônicos. Como naturais se entende aqueles jardins feitos de forma empírica, muito embora a maioria deles possua um plano, mesmo que os arbustos, árvores e flores sejam plantados sem ordem aparente ou agrupados. O jardim inglês, de inspiração renascentista, pode pertencer a essa classe. Os arquitetônicos obedecem rigidamente a um plano, com tendência para o geométrico, suas linhas procurando ficar em harmonia com a arquitetura dos edifícios. As plantas, árvores e flores normalmente se dispõem em fileiras ou faixas. Pertence a esse grupo o chamado jardim francês, como os de Lê Nôtre, em Versalhes.

No Brasil, a arte da jardinagem foi influenciada pelo paisagista francês Glaziou, que no século XIX construiu e reformou os mais importantes parques do Rio de Janeiro, como a Quinta da Boa Vista, o Campo de Santana, além de jardins em cidades do interior e até fazendas. 

Até quase a metade do século XX o jardim brasileiro praticamente não evoluiu, até que um movimento renovador destacou o trabalho de Attilio Corrêa Lima e atingiu sua expressão máxima no paisagista Roberto Burle - Marx que tinha, como uma de suas características, a introdução de novas espécies de plantas tropicais, além de pretender harmonizar o jardim com a natureza circundante. "Burle - Marx, com seus revolucionários e audaciosos projetos, alcançou renome internacional. Seus jardins sofreram determinada evolução, partindo de jardins mais naturais, a princípio, para concepções mais ordenadas e associadas à arquitetura, em que predominam as formas assimétricas arranjadas em uma textura geometrizante." 


Jardins alemães
Árvores nodosas, um canteiro cheio de flores primaveris cheirosas, terraços de verão com plantas exóticas em jardineiras, campos sempre verdes, que mesmo no inverno são maravilhosos: costuma-se dizer que cada jardim é um pedacinho do paraíso na Terra, criado pela saudade de um paraíso nunca vivido. Um bucolismo que, pelo menos por um instante, nos livra de todas as preocupações. Através de adaptações ou projetos, a jardinagem nos possibilita construir uma natureza encenada, seja ela furiosa ou ascética, espetacular ou misteriosa. Quem passa por estes oásis verdes e sente o odor das rosas de parques famosos e o ar de tempos passados, ou quem faz descobertas botânicas em jardins escondidos descobre a variedade: o paraíso, como um gigantesco quebra-cabeça espalhado por este país.

Jardins do Parque São Clemente, projetados por Auguste Marie François Glaziou em 1871


As partes desse quebra-cabeça não abrigam apenas plantas nativas, ao contrário: em Görlitz, na Saxônia, existe um "jardim das Oliveiras" com plantas bíblicas: no "Hof-garten" de Ansbach há uma "Casa de Citrus" e ao longo da via Bergstrasse pode-se fazer uma excursão através de um "bosque exótico". O grande mundo distante está enraizado nos jardins: graciosas plantas das cordilheiras do Himalaia crescem no "Alpengarten" de Rennsteig, na Turíngia; enormes araucárias sul-americanas resistem a qualquer brisa do Mar do Norte no parque "Planten un' Blomen", em Hamburgo. Quem viajar mil quilômetros em direção ao sul, passando pela ilha de Mainau, no Lago de Constança - o que dois milhões de pessoas fazem todo ano -, encontrará realmente o prenúncio turístico do prazer mediterrâneo no jardim italiano das rosas e sob os odores de laranjeiras e limoeiros. Por outro lado, Hanôver se dá ao luxo de possuir extremos geoclimáticos: no "Berggarten", sobre os restos de uma duna do período glacial, o visitante entra em uma área de deserto, passando por um pampa norte-americano, chegando a uma estufa tropical úmida.

 
Burle Marx: Jardim da Casa Edmundo Cavanelas





Não foi apenas o século XX que possibilitou conhecimentos e cultura de plantas estrangeiras, como prova o "Medicinalgarten" de Ingolstadt, inaugurado em 1773, ou os jardins de palácios reais desde Schwerin até Kassel, de Bayreuth até Brühl. A importação do "ouro verde" estava muito na moda naquela época, despertando em todos os lugares, paixões por tulipas do Oriente, por magnólias asiáticas, por aloés africanas, por cactáceas da América do Sul ou por murta da Austrália. Depois dos peregrinos devotos e das cruzadas que saqueavam impiedosamente, vieram os botânicos e, logo após, os verdadeiros "caçadores de plantas", responsáveis por uma rápida disseminação de árvores, arbustos e flores de quase todas as zonas climáticas da Terra. Estes tesouros são sistematicamente pesquisados nos jardins botânicos. O primeiro destes foi fundado em 1542 na universidade de Leipzig. 




Querendo satisfazer as saudades de um paraíso e criar um jardim de prazeres do mais íntimo, escondido atrás de muros e grandes buxos, monges, cavaleiros medievais, príncipes e reis criaram um "hortus conclusus", importando este estilo da renascença italiana. O encantador jardim "Pomeranzengarten" do parque do castelo de Leonberg, na Suábia, comprova isto até nos menores detalhes. O "Renaissance-Garten", do castelo de Güstrow, em Meclemburgo, também abriga, ao lado de fossos de água e de alamedas de árvores, um "Parterre" estruturado rigidamente, historicamente correto, com plantas medicinais, flores e hortaliças - mas é também uma reconstrução. Quase todos os "refúgios" de inspiração italiana foram sacrificados em prol da próxima moda de jardinagem - e esta veio da França absolutista de Luis XIV.


Jardins de Prazer e Moda
O modelo do barroco francês exerceu uma influência até hoje nunca vista sobre os ideais de prazer na jardinagem: todos aqueles elementos estilísticos que André Lê Nôtre desenvolvera em Versailles encontram-se nos famosos parques de castelos aquém do Reno: de Schwetzingen, passando pelo lago Herrenchiemsee, até Berlim-Charlottenburg encontra-se a emocionante e severa simetria da estrutura de jardinagem, de pequenos bosques aconchegantes e de canteiros de flores, alamedas e canais, fontes e chafarizes, laranjais cheios de sol, pavilhões, templos e decoração de pedras barrocas. O que se conservou quase intacto até hoje é o parque entre os castelos de SchleiBheim e Lustheim, perto de Munique. Os jardins "Herrenhäuser Gärten", de Hanôver, estão entre os maiores e mais antigos parques barrocos do norte da Europa.

Mas mesmo a maioria das criações alemãs de tradição francesa foi reformada, ampliadas ou reduzidas, algumas abandonadas, outras restauradas, sendo que uma influência duradoura, desde o século XVIII, teve aquele país que no "Englischer Garten" de Munique, deu testemunho do novo estilo: a transição do barroco formal ao parque paisagístico pitoresco, segundo o modelo inglês, pode ser grandiosamente pesquisada no parque de "Schwetzinger schlossgaren", que Voltaire chamou de "paraíso na Terra". Conta-se que mesmo o Imperador José II viajou incógnito de Viena para inspecionar esse invejável reino verde de um príncipe-eleitor de Baden.


Naturalmente Inglês
Vista parcial do Sítio Burle Marx
Nos parques paisagísticos, a natureza não deve apenas ser copiada fielmente, mas deve criar uma imagem natural de formações paisagísticas que se entrelacem - bem-vindo ao romantismo! Assim, em vez de eixos geométricos exatos, foram formados caminhos com suaves meandros, lagoas e lagos. Mesmo as plantas não deviam mais ser escoradas, mas crescer livres, bem soltas. Os mais impressionantes dos inúmeros parques que o modelo inglês fez florescer na maneira individual alemã, encontram-se no reino de jardins do príncipe de Anhalt-Dessau em Wörlitz, nas criações do príncipe Pückler, em Moscou, cuja metade do parque, de 570 hectares ultrapassa as fronteiras, estendendo-se até a Polônia e a Branitz, em Cottbus. Dos artistas de jardinagem da Alemanha, podem ser descritos como os repórteres furiosos do estilo inglês: Peter Joseph Lennê (1789 - 1866), criador das suítes de jardim de Sanssouci e Babelsberg, e Friedrich Ludwig Sckell (1750-1823), que ampliou o "Schlosspark Schwetzingen" e construiu o "Englischer Garten" de Munique. Desde o fim do século XIX, quando o classicismo fez surgir um pot-pourri da cultura verde, os municípios começaram a se transformar em promotores da jardinagem, surgindo assim os jardins públicos.

Ultimamente, nota-se uma verdadeira explosão de jardins orientais na Alemanha, sendo que Munique, Hamburgo e Berlim já possuem vários deles. Em Leverkusen está o mais antigo, em Rostock, o mais recente. Quem quiser ter uma ideia da diferença que existe entre os jardins de chá, de água, ou de contemplação japoneses e as flores de lótus sobre as pedras, portas da Lua, pontes e zigue-zague, águas perfumadas, touceiras de bambus ou pavilhões de espelho num parque paisagístico chinês, não precisará viajar para a Ásia.

Jardins de Giverny
Em 1880 Monet, depois de uma curta estada em Vetheuil, instalau-se, definitivamente, na casa por ele adquirida em Giverny, onde deu início a uma nova fase de sua produção artística pintando uma série de paisagens estudadas em diferentes horas e diferentes incidências de luz, mas sempre sob o mesmo ângulo.

Jardim de Luxemburgo

Depois da morte de Monet, a casa de Giverny foi herdada por seu filho, Michel, que por sua vez, ao morrer, a legou à Academia de Belas-Artes. A partir daí Giverny ficou praticamente ao abandono e, 1977, a casa e seus jardins em ruínas, mostravam-se quase irreconhecíveis. Foi quando o professor Gerald van der Kemp, conservador do Palácio de Versalhes, se viu indicado para supervisionar os trabalhos de restauração da propriedade, em financiamento de um grupo de admiradores de Monet, que angariaram 2,5 milhão de dólares. O trabalho só foi possível porque a casa continuava intacta e os móveis originais lá se encontravam e podia-se reconstituir os jardins de acordo com planos, fotos e quadros do artista.

Transformados em Fundação e Museu Claude Monet, a casa e os jardins se encontram exatamente como os criou o pintor, que neles encontrava a sua grande fonte de inspiração.

Fonte: Deutschland Magazine / Texto: Beate Taudte-Repp;
Texto de Raul de Smandeck / fotos: Reproduções

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