O Jardim

Jardins de Versailles, criado por André Le Nôtre


O jardim é um símbolo de ordenação consciente e racional das forças da natureza, destinando-as à beleza dos olhos e à alegria do paladar. O Jardim clássico é o local do descanso, do passeio e da reflexão. Os jardins funcionam como parte externa da casa ou dos mosteiros, dentro da propriedade, porém. Psicologicamente os jardins são a saída de dentro de si para examinar-se. É um externo que é interno. O ser humano precisa sair de suas profundidades para, permanecendo em si mesmo, olhar-se, ver a própria casa. Sair para ficar.

O jardim está associado, portanto, a aspectos interiores do ser. Na mitologia cristã ao Paraíso, que era o jardim do Éden. A ligação da ideia de jardim à de Paraíso predispõe toda a cultura ocidental a situar, posteriormente, no jardim, as expectativas, as anti-salas, os frontispícios existenciais. Nos jardins, faziam-se confidências. Nos jardins elas e eles meditavam, conversavam com pássaros, mensageiros alados ou humanos.

Assim como a selva e a floresta estão conotadas com o inconsciente, os jardins ligam-se ao controle e ao domínio da razão sobre os instintos. São portanto, a representação da capacidade humana de embelezar as suas relações com a natureza, autogratificando-se, em contrapartida, pela recepção de tudo que os jardins prodigalizam de calma, perfume, ambiente propício, beleza e recolhimento.

Os orientais, principalmente os budistas zen, possuem diversa concepção dos jardins: não são locais de ordenar a natureza, disciplinando-a (como apreciam fazer os ocidentais: "pôr tudo em uso"). Mais que lugar do "utis" (de utilidade) os jardins orientais são o lugar do "frui" (de fruição). Há jardins orientais feitos apenas de areia e pedra. Mas a forma pela qual a areia é ordenada, com sulcos, faz com que o sol provoque sombras diversas a cada hora do dia do ano. Na aparência inerme de areia e pedra, materiais mortos para o ocidental, o oriental encontra formas variadas de vida e infinitos movimentos e mutações. Olha para um jardim assim concebido, com ou sem flores, com ou sem plantas, pode ser um espetáculo de grande variedade se saber ver. São estâncias de meditação na eterna transformação e fluxo das coisas.

A simbologia do jardim vem associada, também, às promessas de felicidade no corpo da amada. As zonas erógenas femininas sempre foram associadas a "jardins de delícias", onde sombra, umidade e afago envolvem a fruição suprema. Lembro de passagem do "Cântico dos Cânticos", no Brasil traduzida por Augusto Frederico Schmidt (saudades do poeta). Diz:

"Eu penetrei - esposa minha - no meu paraíso
Eu visitei o meu jardim encantado.
Eu provei os seus frutos secretos.
Eu me dulcifiquei com as essências e o seu mel
Eu me embriaguei com os licores filtrados dos seus aromas.
E encontrei fechado o jardim, portas seladas
E todo ele dedicado ao amor.
Bebamos juntos ainda uma vez -
Ó minha esposa - e embriaguemos-nos
Da embriagues do amor."

Haverá forma de literatura erótica mais pura, linda e simbólica? Pois aí aparece o jardim como expressão da delícia suprema do encontro amoroso de um homem com sua mulher, virgem, jardim secreto, propício ao amor.

Nas modernas cidades o jardim deixa de ser o local privado do encontro amoroso ou da meditação, recolhimento ou e reposição das energias pelo contato ordenado com a beleza e a fecundidade (não nos esqueçamos de que Zeus casou-se com Hera no Jardim das Hespérides, símbolo da fecundidade); deixa de ser a estância isenta da ansiedade, para ser praça, pracinha ou local de homenagens aos pais da pátria. Resta-lhes pouco recolhimento. Os jardins urbanos transformam-se - então - em locais de terapia coletiva nos quais ainda se podem ver, como na Praça da República, em pleno centro do Rio de Janeiro, garças perseguindo-se no vôo do amor, gansas de passo miudinho cheias de desengonço ou esquilos ariscos e comilões, ao lado do metrô moderno ou do ruído brutal das descargas de milhares de motores a explosão.

As grandes cidades sepultaram os jardins de recolhimento porque o espaço deixou de ser benéfico comum e passou a representar um valor patrimonial, crime e insensatez da sociedade industrial!

A construção de um jardim entre algumas casas é a forma de expressar, pela solidariedade e pela beleza, a ânsia de comunicação, espaço e paz entre as pessoas. Pessoas para quem tudo se mede pelo valor monetário fiscal ou utilitário. São as donas dos tratores existenciais ou materiais, os que destroem esperanças e liberdades. Unidos contra eles, os homens e as mulheres de boa vontade ajudarão a manter viva a esperança humana, expressa na vida que lateja em cada planta.

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