Os 30 anos que fizeram São Paulo


No final do século XIX, São Paulo tinha apenas 60 mil habitantes. Em 1930, São Paulo possuía 1 milhão e 300 mil habitantes. Como foi possível, em pouco mais de 30 anos, uma cidade dar um salto de crescimento habitacional e econômico sem paralelo na história? O feito se torna mais impressionante se levarmos em consideração que, neste período, aconteceu a 1ª Guerra Mundial e o crak da Bolsa de Nova York.

Esta é a história do surgimento de uma metrópole, que aborda também o seu visual urbano, a presença do comércio, a moda e os costumes, assim como as marcas de produtos que fizeram parte da vida do paulistano. Algumas destas marcas atravessaram o tempo, perpetuando seu valor, sendo um registro do desenvolvimento do comércio e da indústria de São Paulo, integrando-se à memória do Brasil e que devem ser celebradas como parte da história.

O livro Arte do Comércio, de Jacob Klintowitz, publicado pelo Senac em 1988, que faz um registro visual da cidade de São Paulo, recolhendo imagens dispersas, mostra a arte do comércio e resgata marcas de produtos que fizeram a transformação da cidade. O livro faz um paralelo entre a arte, conforme ela é tradicionalmente entendida, e o cotidiano, no qual "um novo tipo de artista age diretamente na vida urbana, constrói ruas, cenários da vida, ambientes de vivência, cartazes, edificações, sistemas viários, automóveis, anúncios, veículos de comunicação, filmes, praças, figurinos, muros".

Tecidos São Paulo - Augusto Rodrigues e Cia. 1909


      Esta criação coletiva é situada na primeira parte do século passado, entre 1900 e 1930, quando "São Paulo conheceu modificações radicais e, de uma cidade marcada pelo caráter rural e provinciano, transformou-se em uma cidade moderna e cosmopolita. Nestes 30 anos a cidade produziu e emitiu muitos sinais visuais de sua metamorfose: figurinos, marcas, rótulos, logotipos, embalagens, fachadas, ruas, edifícios, iluminação, transporte." O comércio foi de importância fundamental no vertiginoso crescimento de São Paulo, tornando conhecidos, através da comunicação em suas variadas formas, diversos produtos, serviços e sistemas.

Tecidos Bandeirantes, 1910 - Cia. Fiação São Bento


Longe de imaginar que poucos anos depois a cidade passaria de um milhão de habitantes, um relatório da Comissão de Saneamento das Várzeas de São Paulo feito em 1890, quando a cidade possuía "60 mil almas" - segundo o censo de então -, se mostrava preocupado com a higiene pública frente ao crescimento desordenado. 

Mas existiam outros problemas, como alimentação, vestuário, educação, saúde, transporte, lazer e informação. São Paulo conseguiu enfrentar com êxito todas estas questões, numa época em que o mundo se desmoronava lá fora, com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e depois com o crak da bolsa de Nova York (1929).



O cultivo do café que enriquecia a região fluminense desde o século anterior avança para o território paulista, pelo Vale do Paraíba. A cultura cafeeira tomará praticamente todo o Estado de São Paulo durante 100 anos, criando uma riqueza que permitirá o rápido e espetacular crescimento da cidade, que se transformou no principal centro comercial.

Um dos fatores que influiu no crescimento da metrópole foi sem dúvida alguma a imigração. Até 1930, 57% de toda a imigração no país, instalou-se em São Paulo. Como toda imigração é problemática, aqui não seria diferente. Além da barreira da língua, teve a questão étnica, os costumes, a origem humilde dos imigrantes, os antecedentes dos forasteiros etc. Mas São Paulo soube aceitar e absorver os imigrantes como nenhuma outra cidade no mundo, tanto que a primeira geração aqui nascida possuía a cidadania plena. De um total de 2.561.972 imigrantes que chegaram ao Brasil, 1.383.464 foram parar em São Paulo. Se muitos foram embora, principalmente durante a grande crise do mercado internacional do café que eclodiu em 1907, muitos outros chegaram e ficaram, contribuindo para a formação de uma cidade cosmopolita com uma população de aparência multifacetada.

Gomma Cysne, 1920


Com a cidade crescendo assustadoramente, o governo e a iniciativa privada se uniram para resolver os problemas que aumentavam a cada dia. O comércio se encarregou de fornecer alimentos, roupas, literatura, música, lazer, e o governo se virava na organização de serviços básicos, como saúde, educação, segurança e transporte. São Paulo se tornou um centro de serviços que permitiu, durante a 1ª Grande Guerra, a rápida instalação de milhares de indústrias e casas de comércio. Entre 1915 e 1919, instalaram-se no Brasil 5.940 empresas, a maioria delas em São Paulo. A partir daí a cidade, completamente integrada ao novo ciclo-econômico, possui bancos, escritórios, lojas comerciais, casas de exportação, indústrias, iniciando grandes transformações urbanas. Perde o perfil colonial, ocorrendo uma renovação arquitetônica seguindo padrões europeus.


Década de 30


O sumiço dos lampiões
Um dos problemas que a cidade logo tratou de enfrentar foi a questão da iluminação pública. Mas, para esta história, é preciso voltar mais no tempo, até o início do século XIX, quando a iluminação era feita com lampiões alimentados com óleo de peixe que vinham de Santos ou do Rio de Janeiro. O óleo de mamona também era eventualmente usado.  Em 1822 a província tinha adquirido 24 lampiões para serem afixados nas paredes das residências dos moradores, que deveriam acender e conservar os lampiões. Em 1829, o município passou a ser responsável pela iluminação, mas surgiu um mistério! Onde estavam os 24 lampiões? Ninguém sabia! Durante um ano inteirinho o município de São Paulo procurou os lampiões que fariam a sua iluminação pública. E só, então, os encontrou. Alguns haviam sido entregues a pessoas importantes, como a Marquesa de Santos, o Marquês de Monte Alegre, o bispo diocesano etc. Um estava no quartel e dois foram encontrados no depósito do Palácio do Governo. Engana-se quem pensa que o problema foi resolvido. Encontrados os lampiões, o município descobriu que não possuía recursos para cuidar da iluminação pública e mandou representante conversar com os principais habitantes da cidade. Se queriam mesmo uma iluminação nas ruas, eles mesmos deveriam cuidar dos lampiões. E ponto final.

Rua do Rosário, 1905. Foto de Ghilherme Gaensly - Casa das Retortas


Somente em 1841, doze anos depois, o Presidente da Província conseguiu comprar mais lampiões no Rio de Janeiro. No dia 27 de setembro de 1842, a nova iluminação foi inaugurada, a cidade foi dividida em 4 distritos e cada um recebeu 85 lampiões, que não mais ficavam nas paredes das casas, mas em postes.

Em 1847, na primeira grande mudança, as ruas de São Paulo passaram a ser iluminadas por lampiões que usavam gás hidrogênio líquido. Em 1872, a iluminação passou para a Companhia de Gás, que construiu os encanamentos. A cidade passou a contar com 550 lampiões. Com a inauguração da Usina Geradora de Parnaíba, depois Edgard de Souza, em 2 de setembro de 1901, a luz elétrica chega a São Paulo e decreta uma espécie de maioridade para a cidade, garantindo a iluminação pública e um sistema de transporte moderno.

Largo de São Bento, 1906 - Livraria Kosmos 


Do bonde ao automóvel
No início do século passado, São Paulo andava devagar. A velocidade máxima permitida para um automóvel em 1903 era de 30 quilômetros por hora. O primeiro automóvel que circulou na cidade foi um Dainmler, em 1893, dirigido por Henrique Santos-Dumont. Em 1904, quando o exame de habilitação para motoristas foi instituído, São Paulo possuía exatos 83 automóveis.

Foi através do transporte, da utilização do trem, que São Paulo escoava a sua produção e recebia mercadorias do porto de Santos. A população urbana precisava de um transporte eficiente. Em 1900 a cidade era percorrida por bondes numa extensão de 1.196.235 quilômetros. Em 17 de julho de 1899, a São Paulo Railway Light and Company Limited, com sede no Canadá, foi autorizada a funcionar e seu escritório central foi instalado na Rua São Bento, 57. Em 7 de maio de 1900, a Light and Power Co. inaugurou a sua primeira linha para Barra Funda. Era o advento da viação por eletricidade. No dia 13 seria a vez do bairro de Bom Retiro e no dia 27 deste mesmo mês, foi inaugurada a linha para a Vila Buarque.

Rua Direita em foto de 1905/6 de G. Gaennsly


A mudança no aspecto físico da cidade acompanha uma radical mudança no estilo de vida. As chácaras de transformam em bairros, substituídas por ruas, praças, casas comerciais, oficinas e indústrias. A Chácara das Palmeiras transformou-se no bairro de Santa Efigênia; A Chácara do Campo Redondo virou os Campos Elísios; a Chácara do Carvalho transformou-se nos bairros da Barra Funda e Bom Retiro; as chácaras do Fagundes e do Cônego Fidelis formaram o bairro da Liberdade e a Av. Paulista. São Paulo se preparou para a transformação que viria no início do século XX. A expansão urbana criou diversos bairros identificados pelo tipo da comunidade imigrante. Depois da abertura da Avenida Paulista, a mais importante realização urbanística foi a construção do Viaduto do Chá, que rompeu a barreira do Vale do Anhangabaú e possibilitou o surgimento de bairros de elite na parte nova da cidade.

O local de comércio mais importante da cidade até a II Guerra Mundial era formado pelo triângulo com as ruas Quinze de Novembro, Rua Direita e Rua São Bento. Ali ficavam as mais importantes lojas de departamentos que eram a Casa Alemã e o Mappin, O Diário Popular e O Estado de São Paulo, o Correio Paulistano, as sedes dos partidos Republicano e Democrático e os principais hotéis, entre eles o Rotisserie Sportsman.

A Casa da Boia


Ao lado do desenvolvimento do comércio, da indústria e do mercado imobiliário, São Paulo promove a mudança visual e começa a liderar a visualidade desta transformação no Brasil. Com a crise do café, a industrialização ganha novo impulso a partir dos anos 20.  Surge em 1922 o grande movimento modernista idealizado por Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Luís Aranha e muitos artistas. No aspecto cultural, a Semana de Arte Moderna de 1922 serviu de símbolo visual e ideológico da entrada do país no século XX. A arte moderna brasileira não teve início na Semana, mas naquela manifestação pública, que contou com a participação de artistas e intelectuais paulistas, ela foi anunciada. O local do evento foi o Teatro Municipal, projeto de Ramos de Azevedo, arquiteto que alterou a fisionomia da cidade.

No final do século XIX a propaganda ainda utiliza figuras humanas de caráter rural ou da mitologia clássica. É comum o espírito satírico ou irônico na comunicação comercial. O teatro popular, o circo, as comédias, os programas humorísticos do rádio e, depois, os da televisão, acentuam o caráter natural da população. Na publicidade, o processo de criação se caracteriza pela associação de imagens díspares e pelo acúmulo de tipos humanos marcados por manias. É comum a consagração de tipos simpáticos, alegres e despreocupados.

A imigração trouxe uma forte mudança de hábitos alimentares e o tratamento visual dos anúncios, dos rótulos e das marcas acentuava a fantasia do paladar com cores quentes de um desenho naturalista. A qualidade de concepção e execução aproveita a lição de artistas europeus que fizeram o impressionismo e o cubismo. A propaganda ainda é amadora neste período, mas a qualidade é boa e vai se desenvolver de acordo com a necessidade de comunicação com novos consumidores. Ainda existe um caráter brejeiro, alegre, ligeiro e descompromissado, que também pode ser encontrado, nesta época, no teatro e na música popular. Persistiam as reminiscências do classicismo repassado pela Renascença, as formas gregas e romanas estão presentes em toda a comunicação desta época. A figura da mulher, impregnada de art nouveau possui o romantismo declarado em suas formas curvas, com exagero da representação através do acento no detalhe e na aparência lânguida dos personagens.

São Paulo, 1903. A velocidade máxima permitida era de 30 km


No início do século XX, três fatores marcaram muito São Paulo. O primeiro foi a transformação da cidade de rural e provinciana em urbana e cosmopolita. O segundo foi a imigração, que mudou os hábitos e trouxe novas culturas, e terceiro foi a modificação acelerada da comunicação. A informação trouxe o sonho europeu do reencontro com o paraíso e os outros continentes são apresentados de forma misteriosa e sensual. Na cidade cosmopolita a propaganda mostra exotismo, sensualidade e aventura associados a muitos produtos. Os cigarros têm nomes exóticos e personagens femininas, os charutos são oferecidos por uma mulher sensual, o automóvel importado é embebido em suaves insinuações, os anúncios de bebida têm conotação de liberação e tudo leva ao encontro da aventura.

São Paulo amplia sua área urbana, atingindo os limites dos rios Tietê e Pinheiros e no centro inicia-se o processo de verticalização. O automóvel toma conta das ruas, a cidade cresce, se agiganta. Leia abaixo a “História de São Paulo”.


Fonte: A Arte do Comércio /Jacob Klintowitz-Senac, Sesc, Idart - Sec. Mun. de Cultura SP/Casa das Retortas, Liv. Kosmos, A Cidade de São Paulo em 1900 de Alfredo Moreira Pinto, Boris Kossoy São Paulo, 1900 - Imagens de Ghilherme Gaensly, Tradições e Reminiscências Paulistas de Affonso ª de Freitas, Do Reclame à Comunicação de Ricardo Ramos, História Urbanística da Cidade de São Paulo de Antonio Rodrigues Porto, Francisco Prestes Maia e Peter Karfeld.

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