Estrada Real – A rota dos bandeirantes em busca do ouro das Gerais

Vários pontos de partida e chegada deram origem ao caminho que é conhecido como Estrada Real, um conjunto de trilhas estrategicamente intercruzadas ligando São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. No início do século XVII, mais de cem anos depois de Cabral, é que o Brasil começou a ser realmente descoberto. Os bandeirantes, principalmente portugueses e paulistas, num movimento intensivo de exploração dos sertões brasileiros, estavam em busca das riquezas da nossa terra, mas talvez não chegaram a imaginar que, por aqueles caminhos abertos à facão, fariam o percurso de volta anos depois trazendo na bagagem ouro, diamantes e muita história para contar.

Uma das belíssimas paisagens da Estrada Real



          O primeiro trecho da Estrada Real é o Caminho do Ouro, que ligava Ouro Preto à Paraty, principal porto de escoamento da produção aurífera das Gerais, e tinha ainda um ramo que saía de São Paulo e passava por Taubaté e Aparecida. A ordem oficial para sua abertura, em plena Mata Atlântica, partiu do Governador Geral Salvador de Sá, em 1660. O Caminho do Ouro, na região de Cunha, abrigava a casa de registro do ouro, a famosa Casa dos Quintos, instituída em 1703, onde eram cobrados os impostos sobre o comércio do metal. Essa via estreita, cercada de mato, também foi responsável pela formação de cidades como Caxambu, São João Del-Rey, Carrancas, Prado, Congonhas do Campo, Sabará. Aberta sobre uma antiga trilha dos índios Guaianás pelos bandeirantes, a Estrada Real, pavimentada com pedras assentadas a custa de sangue e suor dos escravos, até hoje conserva alguns trechos intactos, dando acesso a uma região que seria, em poucas décadas, a maior área produtora de ouro do mundo.
           
O Caminho do Ouro foi largamente utilizado até cerca de 1750. Uma nova estrada, o Caminho Novo, começou a ser aberta em 1711 por ordem do rei de Portugal, a fim de encurtar o tempo da viagem entre o Rio de Janeiro e Vila Rica, pela Serra dos Órgãos. As obras, porém, só ficaram prontas em 1767. A trilha que partia de Paraty passou então a se chamar “Caminho Velho”. No fim do século XVIII este trecho da Estrada Real, que transpunha a Serra do Facão, é quase que totalmente abandonado, provocando a decadência econômica de Paraty e de povoados vizinhos, que permaneceram praticamente isolados até o Ciclo do Café.
           
Trecho original do Caminho do Ouro, em Paraty.
No início do século XIX o velho Caminho do Ouro passa a ser utilizado pelo tráfico ilegal de escravos e pelo escoamento da produção cafeeira do Vale do Paraíba, mas é abandonado mais uma vez depois da inauguração da Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1864. Depois da assinatura da Lei Áurea, os trabalhos de conservação do Caminho Velho foram extintos, uma vez que eram realizados por escravos. Apesar dos aspectos negativos da utilização do Caminho Novo para escoamento do ouro e diamantes e, posteriormente, da abertura de outras vias para transporte do café, considera-se a decadência do Caminho Velho um dos fatores fundamentais para a preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural de Paraty.
           
Surgido da necessidade de uma via de escoamento mais rápida e segura para o ouro, que levasse toda produção das Minas ao porto do Rio de Janeiro, o Caminho Novo foi fruto de uma decisão estratégica da metrópole. Passava por Itamarati, atual Petrópolis, Cebola (Inconfidência), Juiz de Fora, Ouro Branco, Vila Rica (Ouro Preto) e depois da descoberta dos diamantes, na região da Serra do Espinhaço, seguia por Mariana, Itambé, Conceição do Mato Dentro, Vila do Príncipe (Serro), São Gonçalo do Rio das Pedras e atingia o Tijuco, município de Diamantina. Nessas cidades, ainda hoje é possível ver os claros vestígios deixados pelo Ciclo do Ouro e do Diamante na riqueza artística das igrejas, na arquitetura das casas, onde a história foi escrita na trilha dos bandeirantes, escravos, tropeiros, conspiradores além, é claro, dos inconfidentes. Por volta de 1789 o comandante de policiamento do Caminho Novo era o alferes Joaquim José da Silva Xavier, líder da Inconfidência Mineira, mais conhecido como Tiradentes.

Trecho original do Caminho do Ouro, em Minas Gerais

            
 A Estrada Real foi durante quase dois séculos o caminho oficial da Colônia e do Império. Durante o Reinado de D. Pedro II, teve sua importância comercial substituída pelo progresso trazido pelas primeiras ferrovias. Hoje, o caminho foi redescoberto, desta vez por praticantes de caminhada e pesquisadores. O turismo ecológico e histórico promete refazer, a pé ou a cavalo, o trajeto de mais de mil quilômetros, divididos em diversos trechos, como o de Rio-Juiz de Fora, 180 km; Juiz de Fora-Ouro preto, 300 Km e ainda Ouro Preto-Diamantina, 440km percorridos em 21 dias. Tênis no pé e mochila nas costas, os caminhantes vão deixando seus cobres à beira do caminho, gastando com pousadas, comidas típicas e lembranças da viagem, ajudando a manter a economia de cidades que outrora ofereceram ouro e pedras preciosas e hoje oferecem aos visitantes outro tipo de riqueza: a típica hospitalidade mineira.

Mapa da Estrada Real



A Estrada Real e a Lenda da Mantiqueira

Nas regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais cortadas pela Estrada Real, A Relíquia se deparou com muitas histórias e lendas interessantes. São tão ricas as nossas lendas, que não é exagero tentar equipará-las à mitologia greco-romana. A região que destacamos agora é aquela conhecida como Terras Altas da Mantiqueira, situadas no Sul de Minas, com altitude média de 1.200 metros. Nesta região fica localizada a cidade de Pouso Alto, que foi a primeira parada com acampamento da Estrada Real em território mineiro.

   O traçado mais antigo dessa estrada, conhecido como Caminho Velho do Ouro*, era o que passava por Pouso Alto, saindo de Paraty em direção a São João Del Rey, Ouro Preto e Diamantina. Esse lugar foi “pouso” (daí o nome da cidade) de vários Bandeirantes, entre eles Fernão Dias, seu genro Borba Gato e outros. Esse trecho da Estrada Real representa uma velha cicatriz, lembrança de um corte profundo traçado a partir do litoral do Rio até o coração de Minas Gerais. Por esse “ferimento” o Brasil sangrou, no século XVIII, mais de 650 toneladas de ouro e diamantes. Também correu muito sangue nesse ferimento, principalmente de três movimentos revolucionários que marcaram a nossa história: A Guerra dos Emboabas, o Levante de 1720 e a Inconfidência Mineira. Os vestígios desses acontecimentos estão talhados nas feições das cidades ou inserido na memória coletiva. Nos locais por onde passa a Estrada, personagens de outros tempos ajudam a conhecer o passado com suas histórias e lendas, como por exemplo a Lenda da Serra da Mantiqueira, que nessa versão aqui apresentada foi extraída da peça “A Fantástica Lenda de Algures”.


A Lenda  



Conta a lenda que vivia uma princesa encantada da Brava Tribo Guerreira do Povo Tupi. Seu nome o tempo esqueceu, seu rosto a lembrança perdeu; só se sabe que era linda. Era tão linda que todos a queriam, mas ela não queria ninguém. Vira homens se matarem para tê-la. Tacapes velozes triturando ossos, setas certeiras cortando carnes. Como poderiam amá-la se não amavam a si próprios?

Então a Bela princesa se apaixonou pelo Sol, o Guerreiro de Cocar de Fogo e carcás de ouro que vivia lá em cima, no céu, caçando para Tupã. Mas o Sol, ao contrário de tantos príncipes, não queria saber dela. Não via sua beleza, não escutava suas palavras nem detinha-se para tê-la.

Mal passava, cálido, por sua pele morena, sua tez cheirando cheirando a flor, mal acariciava seus pelos negros, suas pernas esguias, e, fugaz, seguia impávido a senda das horas e das sombras. Mas ela era tão bonita que senti-la nua, seus pequenos seios túrgidos, seus lábios de mel e seiva, sua virginal lascívia, acabaram também por encantar o sol. E o Guerreiro de Cocar de Fogo fazia horas de meio-dia sobre o Itaguaré...

A Lua, mal surgia sobre a terra, já sumia acolá. Logo, não havia noite. O sol não se punha mais e não havia sono, e não havia sonho, e tão perto vinha o Sol beijar a amada que os pastos se incendiavam, a capoeira secava e ferviam os lamaçais...

De tênues penugens de prata, plumas alvas de cegonhaçu, a Lua viu que estava ameaçada por uma simples mulher. O Sol, que na Oca do Infinito já lhe dera tantas madrugadas de prazer, tantas auroras de puro gosto, se apaixonara por uma mulher...

E de tanto, tanto que Tupã quis saber o que era, que a Lua, cheia de ódio, crescente de ciúmes, minguando de dor, se fez novo de noite-sem-lua e foi contar tudo para Tupã. Como uma simples mulher ousou amar o Sol? Como o Sol ousou deter o tempo para amar alguém?

Que ele nunca mais a visse! Mas o Sol tudo vê!... Tupã ergueu a maior montanha que existia e lá dentro encerrou a Princesinha Encantada da Brava Tribo Guerreira Tupi.  O Sol, de dor, sangrou poentes e quis se afogar no mar. A Lua, com a dor de seu amado, chorou miríades de estrelas, constelatos e prantos de luz. Mas nenhum choro foi tão chorado como o da Princesinha, tão bela, que nunca mais pode ver o dia, que nunca mais sentiria o Sol. Ela chorou rios de lágrimas, Rio Verde, Rio Passa Quatro, Rio Quilombo, rios de águas límpidas, minas, fontes, grotas, ribeiras, enchentes, corredeiras, bicas, mananciais. Seu povo esqueceu seu nome, mas a chamou de Amantigir, a “Serra-que-chora”. Mantiqueira, a montanha que a cobriu... Conta a lenda que foi assim...

                                         Por Litiere C. Oliveira
                               

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