Inhotim, um recanto

Por Tatiana Maria Dourado

O Instituto Inhotim reúne Arte Contemporânea e Mata Nativa em sua estrutura

Aqui, nos hoje alcançados 45 hectares, florescem espécies raras de plantas tropicais do continente sul-americano. As primeiras sementes lançadas à terra foram pensadas na década de 1980, em conselheiras conversas entre o maior paisagista brasileiro do século XX, Roberto Burle Marx, e Bernardo Paz, empresário, colecionador de arte e mentor do Instituto Inhotim, localizado em Brumadinho, município a 60 km de Belo Horizonte (MG). Formularam a soma natureza e arte. Pouco a pouco, a estrutura foi sendo fincada. Rápido, surtiu o resultado: é o mais importante espaço de arte contemporânea da América Latina. Três anos após outubro de 2006, quando aberta ao grande público, mais de 250 mil pessoas fruíram o0 Inhotim. Visitantes que se deixavam embaralhar os sentidos, sem confundi-los. Inhotim é perceptível e palpável. É estética da natureza e na natureza. Fusão do visual no introspectivo. É inspirador e realista. É a reunião da mais contemporânea arte global.

Uma das alas de passagem do Instituto

Coloridos em Verde
 Os olhos acostumados com a natureza imersa nas grandes cidades deliciam-se ao adentrar Inhotim. O parque botânico de 45 ha é um pedaço desacortinado dos 3 milhões de m² de mata nativa. A flora semeada acompanha os visitantes no passeio em busca da arte. No Instituto Inhotim, a arte é contemporânea, por isso, se mistura entre espécies raras e adultas do jardim tropical. Nos anos 1980, Inhotim era o sítio de Bernardo Paz, lá o empresário pediu a Burle Marx que compusesse a área natural do local. O "artista de jardim" projetou, aproximadamente, 18 mil m². Tornou-se referência para os outros tantos mil metros que prosseguiram nas mãos de Pedro Nehring, Luiz Carlos Orsini e Eduardo Gonçalves.

Paisagismo sugerido por Burle Marx

"Mesmo que Burle Marx jamais tivesse pisado no Inhotim, sua influencia poderia ser vista nos nossos jardins. Não existe paisagista no mundo moderno que não tenha sido contaminado com suas ideias", analisa Eduardo Gonçalves, atual curador botânico. Cristaliza-se, então, com toda máxima do Inhotim, o cerne conceitual de Burle Marx, com o uso de espécies pouco frequentes em paisagismos e a forte associação de cores à escala monumental do jardim como um todo.

Sucederam-se os profissionais, enraizaram, em conjunto, mais de 2 mil espécies cultivadas em jardins e viveiros, além das outras 600 que crescem em mata preservada. A coleção de aráceas, família que inclui copo-de-leite, imbés e antúrios, segundo Gonçalves, é a maior da América do Sul. Algumas das espécies de palmeiras pertencentes à coleção, de raras, ainda não foram catalogadas por especialistas. "O paisagismo do Inhotim é, sem dúvidas, um dos mais importantes do mundo, não só pela sua diversidade, mas pela harmonia e integração com a natureza local, com a arquitetura dos pavilhões e as obras de arte dos mais consagrados artistas contemporâneos", comenta Luiz Carlos Orsini, paisagista responsável de 2000 a 2004.

Projeto de paisagismo realizado por Burle Marx
Em quatro anos initerruptos, Orsini, o paisagista, trabalhou para ampliar o espaço e a riqueza botânica. Até setembro de 2004, mês de sua desvinculação, finalizou 300 mil m². Incorporou mais 500 unidades das patas de elefantes. Traçou as vias que direcionam o Instituto, sem esquecer-se dos 60 mil m² de lâmina d´água, divididos em três lagos: um remanescente e dois projetados e escavados.

Na voz dos paisagistas, o grande responsável por fomentar a pesquisa sobre flora e adequar as descobertas nos caminhos do Inhotim, no entanto, é Bernardo Paz.
"Ele manteve a opulência dos jardins mesmo nos períodos em que não havia um paisagista no comando", conta Eduardo Gonçalves. Paulo Orsini, irmão de Luiz Carlos, foi o primeiro arquiteto convidado a construir os pavilhões de arte. A incubência pedia a criação de uma estética simples e elegante, sem ofuscar as obras. "Todos os pavilhões possuem a mesma linguagem, se diferenciam nas formas retas e curvas e implantações", relata o arquiteto Orsini.

Obra permanente no Inhotim desde 2006, Desvio para o vermelho, de Cildo Meireles, propõe impactos sensoriais e psicológicos através de simbolismos e metáforas


Em busca da curiosidade
O padrão passa longe da arte contemporânea. É ótica, pop, abstrata, conceitual, digital, tridimensional, urbana, realista, onírica, social, estética. Às tradicionais técnicas artísticas se incorporam materiais inusuais, aparentemente inúteis: poeira, metal enferrujado, comidas.... E de tudo isto, o que há de melhor e se renova em valor contemporâneo está no Brasil e é democratizado no Inhotim. São seis galerias permanentes e quatro temporárias apresentadas em diálogo com a vida natural de um parque botânico que só cresce, com promessa de dobrar a área de 45 ha.

        Roteiro para críticos, artistas, curadores, colecionadores, o cenário se ampara no propósito de propagação da arte com ênfase ao grande público, explica a assistente-curadora, Júlia Rebouças, 26: "À medida que a população visita, ganha repertorio, cria relações e faz julgamentos. A arte vai criando interesse. A pessoa se sente confiante para encarar aquilo".

Celacanto provoca maremoto é uma das obras que integra a Galeriana Adriana Varejão.

       Por isso, quatro curadores se reúnem, em mesa redonda, três vezes ao ano, para averiguação de temas, suportes e poéticas dos novos artistas pinçados, por cada um, em tempo determinado. Acatadas as sugestões, começam os estudos para implantação. "Criamos a condição de exposição ideal para o artista. Dizemos de qual elemento gostamos, escolhemos juntos o lugar.  Muitas vezes, as feições mudam e eles desenvolvem aqui o conceito do trabalho. É uma relação de anos", narra Júlia.

        O acervo foi sendo formado a partir dos anos 1960 e organizado para tornar público desde 1980. A forte afeição por arte fez a aventura de Bernardo Paz, com aquisições iniciais de instalações de Tunga e fotografias de Mario Cravo Neto. Acedeu o prazer e continuou a montar seu acervo de artistas elementares. Entre os brasileiros, também estão Cildo Meireles, Adriana Varejão, Amílcar de Castro, Hélio Oiticica, Marepe, Vik Muniz. No âmbito internacional, encontram-se o português Arthur Barrio, a colombiana Doris Salcedo, o norte-americano Paul Mc-Carthy e, entre outros, o dinamarquês Ólafur Eliasson.

Segundo o colecionador mineiro Romero Pimenta, o Inhotim é responsável pela divulgação da arte contemporânea no país e referência para qualquer colecionador em busca de informações. "O Inhotim anda na vanguarda de tudo o que está por acontecer no cenário mundial das artes". Para ele, as instalações do Instituto são as mais importantes de cada artista ali exposto, no mundo inteiro. "Isso muda o foco do cenário artístico, antes meramente preocupado com o objeto em si, para buscar o conceito, a criatividade e a inteligência artística. Tudo isso faz do Inhotim uma instituição de grande responsabilidade para a formação cultural de todo o país", enfatiza Pimenta.

A instalação True Rouge é obra do pernambucano Tunga, com galeria permanente
      
       Inhotim prioriza um paradigma para abrigar os conceitos contemporâneos: arquitetura, arte e paisagismo são pensados e construídos juntos. O ar livre tem agradado, o que, segundo Julia, não tem significado condicionar tendência frente às galerias. "A arte contemporânea quebra pré-conceitos. Vai trabalhar na rua, no corpo, no museu. Não diz qual a melhor maneira. A fórmula que nós achamos é essa experiência instigante que desperta curiosidade". 

É uma sugestão. Espaço e discurso de cada obra é objeto de estudo para se relacionar com a arte contemporânea. Sem se propor complexa ou hermética e ainda negando a apresentação simplória, interessante, para o Inhotim, é proporcionar fáceis leituras à arte. Assim, dia-a-dia, forma-se o deslumbre do conjunto, prezando a concepção generalista sobre a arte contemporânea e se permitindo prosseguir no experimental, transgressor ou formalista.

Veiculada na revista Conceito AV. 
Fotos: reprodução

Um comentário:

  1. Sua matéria é excelente.
    Inhotim é lindo.
    Entretanto, deixo claro que Roberto Burle Marx JAMAIS FEZ PROJETO PARA OS JARDINS DE INHOTIM. A unica coisa que foi feita foi uma doação de 5 Nolinas que ele, Burle Marx, locou-as na entrada do sítio, em 1989. Somente isto!!!! Este fato não faz com que se possa atribuir a autoria dos jardins a ele, e o que é pior, negar essa autoria ao paisagista que o fez.
    Sou arquiteta, sempre trabalhei com Burle Marx e acompanhava-o nessas suas viagens.
    Fátima Gomes, RJ.

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