Bons tempos do telefone

Adaptação em texto de Sílvia Purper

Quando eu era criança, meu pai comprou o primeiro telefone da nossa vizinhança. Eu ainda me lembro daquele aparelho preto e brilhante que ficava na cômoda da sala. Era muito pequeno e tinha dificuldades para alcançar o telefone, mas ficava ouvindo fascinado quando minha mãe falava com alguém. Então, um dia eu descobri que dentro daquele objeto maravilhoso morava uma pessoa legal. O nome dela era "Telefonista, pois não?" e não havia nada que ela não soubesse. "Telefonista, pois não?" poderia fornecer qualquer número de telefone e até e hora certa.
Minha primeira experiência pessoal com esse gênio-na-garrafa veio num dia em que minha mãe estava fora e eu estava na garagem mexendo na caixa de ferramentas, quando bati em meu dedo com um martelo. A dor era terrível, mas não havia motivo para chorar uma vez que não tinha ninguém em casa para me oferecer a sua simpatia. Eu andava pela casa chupando o dedo dolorido até que pensei: o telefone. Rapidamente peguei uma cadeira e coloquei em frente à cômoda da sala. Subi na cadeira, tirei o fone do gancho e segurei contra o ouvido. Alguém atendeu, ouvi uma voz suave e nítida falar ao meu ouvido:
- "Telefonista, pois não?"
- Eu machuquei meu dedo - disse, e as lágrimas vieram facilmente, agora que tinha audiência.
- A sua mãe não está em casa? - ela perguntou.
- Não tem ninguém aqui - soluçava.
- Está sangrando?
- Não, eu machuquei o dedo com o martelo, mas tá doendo...
- Você consegue abrir o congelador?
- Sim - respondi.
- Então pegue um cubo de gelo e passe no seu dedo - disse a voz.
Depois daquele dia, eu ligava para "Telefonista, pois não?" por qualquer motivo.
Ela me ajudou com as minhas dúvidas de geografia, com os exercícios de matemática. Ela me ensinou que o pequeno esquilo que eu trouxe do bosque deveria comer frutinhas. Então, um dia, meu canário morreu. Eu liguei para "Telefonista, pois não?" e contei o ocorrido. Ela escutou com atenção e começou a falar aquelas coisas que se diz a uma criança que está crescendo. Mais eu estava inconsolável e perguntava:
- Por que é que os passarinhos cantam tão lindamente e trazem tanta alegria pra gente para, no fim, acabar como um monte de penas no fundo de uma gaiola?
Ela deve ter compreendido minha preocupação porque acrescentou mansamente:
- Olli, Sempre lembre que existem outros mundos onde a gente pode cantar também...
De alguma maneira, depois disso me senti melhor. No outro dia, lá estava eu de novo. "Telefonista, pois não?" disse a voz familiar.
- Você sabe como se escreve exceção?
Tudo isso aconteceu na minha cidade natal, na minha infância. Mudei-me para a capital, cresci e senti muita falta da minha amiga. "Telefonista, pois não?" pertencia àquele velho aparelho telefônico preto e eu não sentia nenhuma atração pelo nosso novo aparelho telefônico branquinho que ficava na nova cômoda da nova sala. Conforme eu crescia, as lembranças daquelas conversas infantis nunca saiam da minha memória. Freqüentemente, em momentos de dúvida ou perplexidade, eu tentava recuperar o sentimento calmo de segurança que eu tinha naquele tempo. Hoje compreendo como ela era paciente, compreensiva e gentil ao perder seu tempo atendendo as ligações de um molequinho.
Anos depois, já entrando para a faculdade, estava de passagem pela minha cidade natal e liguei para a operadora da telefônica, que atendeu: "Telefonista, pois não?". Como um milagre, eu ouvi a mesma voz doce e clara que conhecia tão bem. Eu não tinha planejado isso, mas me peguei perguntando:
- Você sabe como se escreve 'exceção'? - Houve uma longa pausa. Então, veio uma resposta suave:
- Acho que seu dedo já melhorou, Olli. - Eu ri.
- Então é você mesma? Você não imagina como era importante para mim naquele tempo.
- Eu imagino - ela disse.
- Contei para ela o quanto pensei nela todos esses anos e perguntei se poderia visitá-la qualquer dia desses.
- É claro - respondeu - Venha até aqui e chame a Sally.
Nas minhas férias voltei a minha cidadezinha e quando liguei, uma voz diferente respondeu: "Telefonista". Eu pedi para chamar a Sally.
- Você é amigo dela? - perguntou a voz.
- Sou, um velho amigo. O meu nome é Olli.
- Eu sinto muito, mas a Sally estava trabalhando meio período porque estava doente. Infelizmente ela morreu há cinco semanas.
- Antes que eu pudesse desligar, a voz perguntou:
- Espere um pouco. Você disse que seu nome é Olli?
- Isso mesmo.
A Sally deixou uma mensagem para você. Ela escreveu e pediu para eu guardar caso você ligasse. Eu vou ler para você.
A mensagem dizia: "Diga a ele que ainda acredito que existem outros mundos onde a gente pode cantar também. Ele vai entender".
Agradeci e desliguei.
Eu entendi...

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