Um Pintor Pintor - por Ferreira Gullar

Por Ferreira Gullar

A fútil preocupação com o “novo” conduziu a arte a um impasse. Ao contrário do que ocorria na antiguidade, quando o artista jovem buscava aprender com os mestres do passado, na época moderna qualquer pirralho se sente capaz de inventar a arte. Mas não é culpa dele; é que, na confusão que se criou, o que importa não é a qualidade da obra, a beleza, a profundidade, a complexidade que se descubra nela. Nada disso: o que importa é fazer “o que nunca foi feito”. Com o devido respeito aos mestres modernos – que renovaram o idioma da arte não para destruí-la mas para preservá-la – o preconceito da novidade levou à destruição das linguagens artísticas. Hoje, apesar da insistência de algumas instituições e críticos, esse caminho chega ao fim. De novo, as pessoas, sem se sentirem ultrapassadas, poderão valorizar o artista que, a seguir o caminho do oportunismo, preferiu manter-se fiel a si mesmo.
Sergio Telles é um desses artistas. Infelizmente, por ter vivido muito tempo afastado do Brasil, diplomata que é, sua obra de pintor não se tornou tão conhecida dos brasileiros quanto o merecia. No exterior, críticos da expressão de um Pierre Courthion, ocuparam-se de sua arte sofisticada e sedutora.
A pintura de Sergio Telles é uma exaltação à própria pintura. Exatamente numa época em que subverteram-lhe os valores, ele se manteve corajosamente fiel a ela, e, por isso mesmo, com talento e maestria, deu prosseguimento à tradição fundada por alguns mestres modernos como Bonnard e Matisse. Não resta dúvida que desbravadores – Kandinsky e Malevitch, por exemplo – ampliaram o alcance da pintura, enriquecendo-a com novos vocábulos e ressonâncias. Sucede que a história da arte não é linear nem se sujeita a determinismos evolucionistas.
As conquistas da vanguarda abstrata do começo do século passado não determinaram o esgotamento da linguagem figurativa. A prova disso são as obras de um Morandi, de um Bacon, de um Tamayo, de um Siron Franco, para não falar de Braque, Picasso, Léger, Matisse, que até bem pouco tempo continuavam a produzir e criar na linguagem que os mais afoitos consideravam esgotada

A pintura de Sergio Telles é exaltação à pintura, também porque ela mesma é pintura viva, tem o poder de nos reconduzir ao mundo fascinante que só existe nos quadros – tessitura de cores e matéria, de tons e meios tons, que vibram como sons, que nos estimulam o olfato, que engendram sabores imaginários, enfim, uma tessitura de sensações e significações, de matéria percebida ou sonhada, envolvendo a simbólica geral do corpo e do espírito.

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