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Bons Ventos

Ricardo kimaid

 Três eventos inseridos no contexto da Jornada Mundial da Juventude, já noticiados por esse jornal, mereceram a atenção de grande parte dos fiéis devotos da Igreja Cristã. Parte do acervo do Vaticano e dos Museus da Itália proporcionou ao público conhecer de perto obras dos grandes mestres do período Renascentista, que nunca haviam se ausentado daquele país. Ticiano, Tintoretto, Michelangelo, Da Vinci, Rafael, entre outros, estão muito bem representados por seus trabalhos em exposições abertas ao público no MNBA do Rio de Janeiro e CCBB de São Paulo. São verdadeiras relíquias que nos remetem a uma época rica em transições culturais. Vale a pena visitar e ver ao vivo e a cores essas obras.
Vou me estender um pouco mais a outro evento, que também fez parte da abertura da programação da JMJ, e está ligado à nossa história, de época não tão longínqua. Trata-se uma mostra das obras do artista plástico Dimitri Ismailovitch, de origem Russa, que após percorrer países como a Grécia, Turquia, Istambul, EUA e Inglaterra, escolheu finalmente o Rio de Janeiro para se fixar, onde viveu até o fim de seus tempos, em 1976.
Em razão da desassistência do mercado de arte e da mídia em torno de sua obra, tornou-se um tanto desconhecido pelas novas gerações, e creio até que muitos profissionais do mercado o desconheçam por completo. O Museu Villa-Lobos, abriu uma exposição com seus trabalhos, cujo tema é dedicado ao nosso grande mestre Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. As obras que imortalizaram nosso mestre da arte barroca, e se tornaram Patrimônio da Humanidade, serviram de inspiração para que Ismailovitch dedicasse um trecho do seu acervo artístico, ao realizar trabalhos reproduzindo os traços caligráficos das esculturas do mestre em suas pinturas. Entre telas e desenhos expostos, destaca-se "A Ceia Brasileira de Dimitri Ismailovitch", uma perfeita reedição dos personagens de Aleijadinho configurados nas figuras de Cristo e seus Apóstolos. Magnífico trabalho!
Para enriquecer mais ainda o evento, na noite do Vernissage os convidados ainda foram brindados com um recital de Wagner Tiso ao piano, alinhavado pelo som do violoncelo executado por Márcio Mallard, em instrumento que pertenceu a Villa-Lobos. O ápice do concerto deu-se quando ambos os músicos executaram os esperados Trenzinho Caipira e As Bachianas, com arranjos de Tiso.  Também é digna de nota a presença da cantora Jane Duboc na leitura de um texto de autoria de Carlos Drummond de Andrade homenageando Ismailovitch. Parabenizo o curador do evento, Eduardo Mendes Cavalcanti, pela noite agradável e rica culturalmente.
Sabem, às vezes fico me indagando: como se comportariam as novas gerações diante de eventos dessa natureza? Pessoas que estão ficando tão distantes de gerações tão recentes, como a nossa, que nos fazem parecer jurássicos quando comparadas. Como é que essas pessoas veem e interpretam, por exemplo, uma Pietá, de Michelangelo; quem foi Pietá, quem foi Michelangelo para eles? Devem achar "maneira", "legal", ou quem sabe, "careta". Por não terem recebido esse legado cultural, certamente não desenvolveram a sensibilidade, a sutileza e o refinado gosto para avaliar tudo que estiver fora dos seus dias atuais.
A mercantilização das artes plásticas enclausurou numa caixinha de fósforo tudo que precedeu a atual contemporaneidade. Arte é puro business, e desprovida do mínimo essencial que defina a sua origem e significado.
Certa feita, um cidadão bilionário, cujo histórico é sobejamente familiar aos veículos de comunicação, em uma das tantas entrevistas concedidas a imprensa, confessou não ver nenhuma diferença entre uma imagem de uma folhinha e uma obra de arte.
Triste realidade! O dinheiro sobrepuja tudo; a cultura, a poesia, o romantismo, o sentimento humano, o ser. Isso se aplica não só nas artes plásticas, mas também na música, no teatro, no cinema e na literatura; essa última ainda se resguardando um pouco de sua influência. Os "Mecenas" saíram de cena, e, em seu lugar, surgiram os "Mercenários" que sobrepuseram os valores patrimoniais acima dos valores intrínsecos das artes propriamente dita.
Quiçá esses eventos acima mencionados façam renascer em todos os que compartilham do mercado de arte, estimulem atitudes que incitem as novas gerações a conhecerem a outra face da moeda, e ingressar num mundo fascinante, hoje ocultado pelo desconhecimento.
Deixo aqui um convite a todos, para que não percam a grande oportunidade de visitar essas mostras, e para os mais novos, não deixem de, após assisti-los, pesquisar e estudá-los; verão, com isso, o quanto de novas possibilidades surgirão para seu enriquecimento cultural.

Ricardo Kimaid
rkimaid@uol.com.br
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