Ricardo Kimaid
Inicialmente, manifesto o meu voto de louvor ao grande evento promovido pelo CCBB, ao trazer do Museu D'orsay, pequena parte de seu acervo para esse mega evento que foi "Paris e a Modernidade". Perto de um milhão de pessoas enfrentaram longas filas para ver de perto as obras dos artistas que imortalizaram a legítima modernidade, encantando os apreciadores das artes plásticas de todo o planeta, e, até hoje, depois de passados mais de um centenário do seu apogeu, mobiliza multidões, quando solicitado para essas exibições.
Se somarmos os públicos de todos os eventos realizados no Brasil nos últimos dois anos, não alcançaremos nem a metade desse número; refiro-me a todos os eventos realizados em museus, centro culturais, feiras internacionais e bienais, e podem incluir, de quebra, todas as mostras de arte contemporânea nas galerias de arte. Fica muito claro para todos inteligíveis, que se tivéssemos uma mídia culturalmente preparada para promover mais eventos dessa natureza, o cenário das artes plásticas de hoje não estaria nesse nível tão deplorável. Entendo que esse evento foi uma resposta a altura para aqueles que pensam que enterraram toda história que precedeu esse movimento atual de inutilidades culturais.
Recentemente, a imprensa noticiou que o Instituto Brasileiro de Museus adquiriu o painel "A Primeira Missa no Brasil" de Cândido Portinari, pela modestíssima quantia de R$ 5 milhões; belíssima e significativa obra com a dimensão de 3.00 X 5.00 metros, quinze metros quadrados de pura arte moderna, e que agora será exibida no MNBA ao lado da também Primeira Missa de outro grande ícone da pintura brasileira, Victor Meirelles, pintado em 1861. Certamente, quando ambos estiverem perfilados no museu, deverá receber significativa visita do público apreciador, se a mídia fizer adequadamente seu papel na promoção dessas preciosidades.
Mas voltando às cifras, que adjetivei como modestíssima, faço-a pelo aspecto comparativo com as aberrações que afrontam quaisquer análises, por mais superficial que seja. Portinari, talvez um dos maiores ícones da pintura brasileira, viveu e morreu modestamente. Lembro-me de um fato ocorrido no início dos anos sessenta, em uma exposição individual de Portinari na Sede do Clube Naval, onde um dos militares de maior patente aproximou-se de um grupo de amigos sugerindo que comprassem algum trabalho do artista, por que até o final do vernissage não havia sido realizada nenhuma venda. Sabe qual o preço sugerido para uma obra de 0,81 x 1.00 metro? Algo em torno de US$ 5 mil.
Queria que alguém me lembrasse: quais artistas brasileiros, dentre os que foram referências nas artes plásticas, ficaram ricos com o produto de suas obras? Vamos mais longe: citem algum artista, entre os considerados gênios da pintura internacional, que ganhou em vida verdadeiras fortunas com a venda de seus trabalhos? Difícil resposta, não é?
Pois bem, hoje, gênios da pintura são produzidos em cachos. Artistas ainda jovens, produzindo emaranhados de quinquilharias ou pirotecnias alegóricas são (supostamente) comercializadas por valores que tornam Portinari um artista modestíssimo. O reboliço produzido por esse condão me deixa às vezes em dúvida; comprar um Portinari por R$ 5 milhões ou uma Adriana Varejão, ou quem sabe, uma Beatriz Milhazes?
Não vou me ater no mérito das qualidades artísticas dessas artistas, nem qualificar minha opinião a respeito de suas virtudes artísticas. A bem da verdade, o que me causa maior indignação nessa história toda, é a destruição da hierarquia dos valores patrimoniais das obras de arte no Brasil, promovidas pela maléfica intentona na destruição cultural que ampara a verdade, em favor de uma oportunista e facciosa realidade.
Se fizermos um breve relato do histórico da trajetória de Portinari, esse jornal seria pequeno demais para resumi-lo. O quanto ele caminhou, estudou e aprendeu no ofício. Quantas mostras individuais mundo afora, quantas edições de livros publicados, quantos prêmios, quanta contribuição cultural ao país. Será que também o painel Guerra e Paz, sediado na ONU em NY, também vale tanto quanto um trabalho desses gênios fabricados pela mídia? Tudo isso, apesar de ter seu acervo encerrado, e estar ricamente catalogado num Raisonné com cinco volumes com 512 páginas com históricos e ilustrações de sua obra, não o coloca séculos a frente da mediocridade que paira no mercado de arte?
Da mesma forma, temos dezenas de artistas em idêntica situação, como por exemplo; Guignard, Pancetti, Vicente do Rego Monteiro, Di Cavalcanti, Ismael Nery. Depois Volpi, Da Costa, Cicero Dias, enfim, tantos outros nomes que escreveram com nobreza as páginas da história das artes plásticas brasileiras, e estão sucumbindo diante a inexpressividade do que esse mercado hoje representa.
No Brasil de hoje, esses gênios não são os pseudo-artistas inventados pela mídia, e sim aqueles que fabricam esses nomes, e mantém o controle dessa mídia; verdadeiros gênios ilusionistas, os do tipo que fabricaram as roupas invisíveis para o Rei, que na realidade exibia-se nu, e só um ingênuo guri enxergou isso e chamou todos para essa realidade: "o Rei está nu!". Gosto muito dessa fábula de Cristian Handersen para ilustrar a realidade do atual mercado de arte. Se pagam verdadeiras fortunas por roupas invisíveis, que só a corte e o público-alvo que receberam essa lavagem cerebral conseguem enxergar.
Ricardo Kimaid
tel. 21 2273-3398
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