O roubo de arte na história

A exemplo das mazelas humanas, que existem desde os primórdios do homem, o roubo e a falsificação de obras de arte existem desde que a arte é arte. Nem por isso se deixou de comprar ou fazer arte, muito pelo contrário. Existiram na Antiguidade, no período clássico, na Idade Média, na Renascença, continua a existir na atualidade, ou para quem adora essa palavra, na contemporaneidade, e vai existir no futuro.
A história esta repleta de casos de roubo de obras de arte, alguns famosos, outros nem tanto. Nos períodos de guerra, principalmente nas duas Guerras Mundiais, se roubava em nome de um desculpa chamada "espólio de guerra", partindo do pressuposto que isto justificava a ação criminosa. Os nazistas roubaram dos judeus e dos povos dos países ocupados, os russos roubaram dos nazistas, e por aí vai.
Cavalos da basílica de São Marcos, em Veneza, levados para a França por Napoleão Bonaparte. Devolvidos 18 anos depois
No meio do exército russo, um batalhão que não lutava, um batalhão diferente, especializado em arte, tinha uma missão: saquear e levar para a Rússia toda e qualquer obra de arte, tudo que pudesse ter algum valor. A desculpa? "Indenização de Guerra!" A mentalidade russa, na época, era que a Alemanha deveria pagar pelos prejuízos causados na cruzada de Hitler pelo mundo. Um comportamento bem diferente do que tiveram os aliados, que segundo a Time, "restituíram a arte aos seus proprietários de direito o mais rápido possível, após a guerra, enquanto os russos se recusaram a fazê-lo".
Os soviéticos saquearam museus, galerias e os bunkers onde os alemães escondiam as obras de arte: foi assim que objetos antigos e quadros de grandes mestres da pintura como Vincent Van Gogh, Paul Gauguin, Pierre-Auguste Renoir, Pablo Picasso, Paul Cézanne, Edgar Degas, Henri de Toulouse-Lautrec, Édourd Manet e Henri Matisse, entre outros, foram parar nos porões do Museu Hermitage. Até hoje o Hermitage está recheado de peças roubadas, algumas foram devolvidas, mas a maioria ainda está lá.
Voltando mais no tempo, quem se lembra do roubo dos imensos cavalos de bronze da basílica de São Marcos, junto ao Palácio dos Doges, em Veneza, por Napoleão Bonaparte, no ano de 1797? Os cavalos foram parar na França, estiveram no Arco do Triunfo do Corrosel em Paris, sendo devolvidos à cidade de Veneza em 1815. Depois de restaurados, os originais ficaram no museu e as cópias no terraço da basílica. Os estudiosos acreditam que os eqüinos foram feitos na Grécia ou em Roma, no século III ou IV A.C.
O Egito talvez seja um dos países que mais sofreram esse tipo de crime. Obeliscos, monumentos e até túmulos inteiros foram levados da terra dos faraós. Recentemente o Iraque foi vítima de um gigantesco furto de obras de arte e os maiores e mais importantes museus do mundo não ficaram livres desse crime.

Mulher e cavalheiro de preto, de Rembrandt. Continua desaparecido
O roubo mais famoso
O roubo da "Monalisa" virou até livro (Roubaram a Mona Lisa!), escrito por Rita Angélica Scotti, um extraordinário relato em 240 páginas, onde a autora detalha o desaparecimento do quadro mais famoso do mundo, desde a ação dos criminosos no final da tarde de domingo de 20 de agosto de 1911, no Museu do Louvre, até o reaparecimento da obra dois anos depois, na Itália. Três homens, disfarçados de funcionários, entraram no Museu, ficaram escondidos até o cair da noite e consumaram o roubo no famoso Salon Carré, fugindo em seguida. A expressão de horror de um velho guarda ganhou as ruas de Paris e as manchetes dos grandes jornais do mundo: La Joconde c´est partie!. A França fechou suas fronteiras e uma caçada mundial teve início, mas a misteriosa Gioconda não foi encontrada. Sobrou até para Pablo Picasso (logo ele, cujas obras viriam a ser as mais visadas por ladrões) e seu grande amigo, o escritor Guillaume Apollinaire, que foram presos como suspeitos, mas liberados depois. No livro a escritora apresenta em paralelo a história da obra de Leonardo da Vinci.
O Louvre seria vítima de outro grande furto em 1998. Em plena luz do dia, na hora do almoço, com o museu completamente lotado, um homem sozinho se dirigiu até a sala 67, colocou um quadro de Corot debaixo do braço e foi embora sem ser incomodado pelos guardas. Até hoje o homem e o quadro nunca foram encontrados.

Monalisa, de Leonardo da Vinci
Os maiores roubos
Aquele que foi considerado o maior roubo de obras de arte do mundo aconteceu no Museu Nacional Vincent Van Gogh, em Amsterdã, em abril de 1991, quando 20 obras de Van Gogh, avaliadas na época em US$ 500 milhões, foram levadas de dentro do museu. Felizmente o desaparecimento levou apenas meia hora, a polícia encontrou as pinturas abandonadas num carro estacionado em uma estação de trem. Até hoje quase nada se sabe sobre esse crime, somente que foram dois homens encapuzados que invadiram a instituição de madrugada.
Em seguida, vem o roubo do Museu de Boston, nos EUA, ocorrido em 18 de março de 1990. Dois ladrões disfarçados de policiais bateram na porta do Isabella Stewart Gardner Museum, no começo da madrugada, renderam e amarraram dois vigias, e em pouco mais de uma hora escolheram e levaram treze obras de arte, entre elas três Rembrandt, um Manet, um Véermer e cinco Degas, avaliadas em US$ 300 milhões. Nem a polícia nem o FBI conseguiram desvendar o crime e as obras de arte desapareceram. Uma das telas de Rembrandt era a Mulher e o cavalheiro de preto e a outra Tempestade sobre o Mar da Galileia, única marinha do artista. O quadro de Véermer era O Concerto.
Um dos maiores roubos de obras de arte aconteceu em 2008, na Suíça, e voltou ao noticiário agora por causa da recuperação de um quadro roubado, no caso um Cézzane, Menino de colete vermelho, encontrado na Sérvia. Avaliadas na época em US$ 160 milhões, as obras levadas da Fundação E.G. Bührle, em Zurique, incluíam um Van Gogh, um Monet, que foram recupeadas, e um Degas, ainda sumido.

O Menino de Colete Vermelho, de Cézanne. Roubado em Zurique e recuperada na Sérvia
O Museu Invisível
Outros roubos incríveis foram também relatados no livro “Museu Invisível”, do jornalista francês Nathaniel Herzberg, que passou um ano pesquisando todos os grandes assaltos a museus, casas de leilão e galerias de arte. Se existisse realmente, esse museu invisível teria uma coleção de fazer inveja a qualquer instituição e incluiria telas de Rembrandt, Picasso, Matisse, Van Gogh, Cézanne, Degas, Monet, Dali, Véermer e muitos outros.
Um dos roubos destacados por Herzberg aconteceu na Polônia, no Museu Poznan. Um estudante de pintura foi autorizado a fazer uma cópia de uma marinha de Claude Monet, trabalho que durou vários dias. Quando a cópia ficou pronta, o jovem artista, aproveitando-se da falha na segurança, tirou a pintura de Monet da moldura e colocou a sua cópia. A obra-prima A Praia de Pourville, avaliada em alguns milhões de dólares, medindo mais de um metro de largura, sumiu com o estudante.
Em Piacenza, na Itália, a Galeria Ricci Oddi foi vítima de um roubo inusitado. Do telhado da galeria alguém jogou uma grossa linha de pescar com um grande anzol na ponta e "pescou" o Retrato de Mulher, uma valiosa obra de Gustav Klint. Nunca foi encontrada.
Com O Grito, de Munch, levada do museu de Oslo, na Noruega, em 1994, foi diferente. Os ladrões usaram uma escada que encontraram ao lado do museu e entraram pela janela, levando uma das quatro versões do famoso quadro, que foi encontrado dois anos depois. A facilidade foi tão grande que deixaram um bilhete: "Obrigado pela falta de segurança".
Em agosto de 2003 o quadro Virgem do Fuso, de Leonardo da Vinci, com um valor estimado em US$ 53 milhões, foi roubado do castelo de Drumlanrig, na Escócia. A obra foi recuperada em 2007.
Muitas obras também são destruídas, principalmente quando o bandido não encontra comprador e quer se livrar da prova do crime. Um ladrão queimou na sua cozinha uma tela de Georges Seurat e outra de Salvador Dali. A mãe do famoso ladrão Stéphane Breitwieser, ao saber da prisão do filho, jogou no Canal Reno-Rhône, na França, todas as 230 pinturas, muitas delas importantes, e outras obras de arte surrupiadas entre os anos 1994 e 2001.
Nathaniel Herzberg fala também sobre o mercado de obras roubadas: "Quanto mais valiosa, menos a obra interessa ao mercado negro. Nenhum marchand sério, nem mesmo um vendedor de mercado de pulgas, vai querer um Matisse ou Warhol sem certificado de autenticidade ou comprovante de compra".

Amendoeira em flor, de Vincent van Gogh, levada e achada em Zurique, em 2008
Museu da Chácara do Céu
No caso do roubo no museu do Rio de Janeiro, o que ficou evidente foi a falta de segurança e a suspeita de crime encomendado. No mesmo dia que a Polícia Federal encontrou restos de molduras dos quadros roubados na favela do Morro dos Prazeres, a um quilômetro do museu, O Jardim de Luxemburgo, de Matisse, foi colocado à venda num leilão na Internet da Rússia, no endereço art.mastak.by. A moldura de O Jardim, pintado em 1903, não estava entre as que foram queimadas. A Dança (1956), de Pablo Picasso, medindo 100 x 81 cm, era a mais valiosa entre as obras roubadas do Museu Castro Maya.

Roubada no Rio, A Dança, de Picasso, uma das 642 obras roubadas do pintor, continua sumida
Números
O roubo de obras de arte é o 3º maior mercado ilegal do mundo, atrás apenas de drogas e armas. A Interpol, que tem um catálogo com mais de 34 mil obras roubadas no mundo, afirma que apesar do alto número, apenas 10% deste montante é recuperado, e mesmo assim, a cada dez obras recuperadas apenas uma é através da ação direta da polícia: as outras nove aparecem misteriosamente no mercado legal novamente. Segundo o relatório Stealing History: The Illicit Trade in Cultural Material, sem tradução para o Brasil, "obras arte e antiguidades roubadas são utilizadas para lavagem de dinheiro".
Ainda Segundo a Interpol, o destino da maior parte das peças são as mãos de quadrilhas especializadas, que geralmente recebem a encomenda de colecionadores. Muitos desses bens são enviados a Bruxelas ou Nova York, de onde seguem para receptadores. Outros são divulgados em sites do Leste Europeu, geralmente após um longo período de espera. A maior parte dos objetos de ouro é derretida e muitos santos vão parar em altares de casas particulares de pessoas pagando promessas.
Mas, nem sempre as peças roubadas vão para os receptadores de obras de arte, e nem sempre vão para colecionadores particulares. Às vezes as obras são encomendadas por traficantes que pretendem ter as peças como moeda de troca, inclusive com policiais corruptos. A ironia, para aqueles que colecionam obras roubadas, é que eles também são vítimas de roubo (há relatos sobre casos), e quando isso acontece, não podem chamar a polícia.
 
Os dois balcões, de Salvador Dalí, roubada do Museu Castro Maya

Fonte: Interpol, Museu Invisível (Nathaniel Herzberg), Stealing History.

Nenhum comentário:

Postar um comentário