Mercado negro de obras
de arte mostra força com recentes furtos, e polícia teme que
Copa e Olimpíadas agravem problema no Brasil
Por André Miranda
Na história recente de
museus, galerias, bibliotecas, igrejas e até de coleções
particulares guardadas em apartamentos, os roubos de obras de arte e
bens culturais movimentam um mercado de US$6 bilhões e mais de 50
mil peças desaparecidas por ano no mundo. Dados da Association for
Research into Crimes against Art (Associação de Pesquisa de Crimes
contra a Arte), a Arca, indicam que esse mercado negro da arte
responde pela terceira maior taxa de crescimento entre as atividades
criminosas do planeta, atrás apenas dos tráficos de drogas e de
armas. A situação pode se agravar ainda mais no Brasil, onde a
prática vem ganhando visibilidade graças ao aumento da circulação
de bens e de pessoas e à carência de ações mais efetivas em
aeroportos e por parte das polícias estaduais.
Os casos de roubos de arte (veja exemplos ao lado) vêm se repetindo e aumentando desde o início do século XX, quando o italiano Vincenzo Peruggia ganhou notoriedade por se esconder dentro do Louvre em 1911, esperar que o museu parisiense fechasse suas portas e simplesmente furtar a "Monalisa". O quadro de Leonardo Da Vinci foi recuperado dois anos depois, mas Peruggia entrou para a História e serviu de inspiração para centenas de criminosos nas décadas seguintes. O que ocorreu na Grécia, na madrugada de 9 de janeiro de 2012, portanto, foi a repetição de uma ação infelizmente corriqueira: um número incerto de bandidos invadiu a Galeria Nacional, em Atenas, e levou consigo duas pinturas, uma do espanhol Pablo Picasso e outra do holandês Piet Mondrian. Tudo em apenas sete minutos.
“CABEÇA de mulher", de Pablo Picasso: roubada em Atenas. Uma das 642 obras roubadas do pintor |
– A Europa passa por
um momento de crise econômica, o que leva a cortes em investimentos
na área cultural. Sem dinheiro, as instituições ficam mais
fragilizadas, facilitando que crimes como esse ocorram – afirma o
presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), José do
Nascimento Júnior. – Mas o combate deve começar fora dos museus.
Até porque, quando uma nova tecnologia de segurança é criada, uma
outra para burlar a segurança também é. Tão importante quanto
investir nisso é apostar num processo de inteligência policial
forte para identificar quadrilhas e possíveis compradores antes que
os crimes ocorram.
"MULHER com leque", de Modigliani: retirada de um museu de Paris em 2010. Desaparecida |
O problema é que nem
as autoridades sabem ao certo como as quadrilhas atuam. A imagem mais
comum, propagada em filmes, é a de um milionário ególatra que
guarda uma peça para sua apreciação individual num lugar secreto –
em "007 contra o satânico Dr. No" (1962), o James Bond de
Sean Connery esbarrou com a tela "Retrato do Duque de
Wellington", do espanhol Francisco de Goya, no esconderijo do
vilão Dr. No, uma referência a um roubo real ocorrido um ano antes
(e solucionado três anos após o filme). Nessas situações, uma
obra seria escolhida previamente e encomendada a quadrilhas
especializadas. Depois de furtada, ficaria escondida dos olhos
públicos, sob o risco de o comprador ser desmascarado.
No Brasil, um conhecido
banqueiro de São Paulo está sendo processado pelo Ministério
Público de Minas Gerais por supostamente ter comprado uma estátua
de Nossa Senhora do Rosário, levada há mais de uma década de uma
igreja.
"O LAVRADOR de Café", de Candido Portinari: retirada do Masp em 2007. Recuperada |
– A maior parte dos
crimes é contra obras de arte sacra. Cerca de 60% do patrimônio
cultural sacro móvel do Brasil estão desaparecidos – afirma
Marcos Paulo de Souza Miranda, promotor de Minas que se dedica a
combater crimes contra o patrimônio. – São Paulo seria o local de
maior receptação, seguido por Rio, Bahia e também por outros
países. De acordo com Miranda, existem hoje dez receptadores de
obras sacras que respondem a ações judiciais em Minas. Está em
andamento, ainda, uma ação civil pública contra uma casa de
antiguidades no Rio, pela compra de itens do período da
Inconfidência Mineira.
– Há uma falha na
legislação brasileira. Aqui, um sujeito que furta uma televisão
está no mesmo patamar de alguém que subtrai uma peça sacra. Se um
ladrão roubar uma enceradeira e outro levar uma imagem de Nossa
Senhora do século XIX, eles estarão sujeitos à mesma pena – diz
o promotor.
– Além disso, a
polícia não tem capacitação para apurar os crimes. Em Minas
Gerais, qualquer subtração de peça sacra é investigada da mesma
forma que um roubo de galinha.
"RECLINING FIGURE", de Henry Moore: roubada em 2005 e derretida por ladrões |
Brasil não tem
lista vermelha
As obras de artistas
consagrados e as imagens sacras são apenas duas das categorias
atingidas por esse mercado negro da arte. Mas há outra, esta muito
mais comum e de difícil identificação, que inclui os bens
culturais. Nesse campo, enquadram-se edições históricas de
periódicos, utensílios domésticos, móveis ou qualquer objeto cujo
valor de venda cresça de acordo com sua idade.
Em 2010, as duas
primeiras edições da revista "O Tico-Tico", publicadas em
1905, foram furtadas da Biblioteca Nacional, no Rio. O crime só foi
percebido meses depois, quando o estudante Leonardo Jorge da Silva
foi preso em Copacabana tentando vender o resultado de outro furto
famoso, o da tela "Enterro", de Candido Portinari, levada
do Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco. Na agenda de Leonardo,
a Polícia Federal encontrou os números de referência das duas
edições de "O Tico-Tico" retiradas da biblioteca. As
revistas, porém, nunca foram encontradas.
"O GRITO", de Munch: levada de Oslo em 2004, foi encontrada dois anos depois |
– As pessoas que têm
sido pegas com obras de arte furtadas são do mais baixo escalão. E
elas não revelam quem são seus compradores – afirma a delegada
Simone Soares Leite, da Delegacia do Meio Ambiente e Patrimônio
Histórico da Polícia Federal do Rio de Janeiro. – Quando tivermos
no Brasil um fluxo grande de pessoas vindo para a Copa do Mundo e
para as Olimpíadas, o problema pode piorar. Nós precisamos nos
prevenir quanto a isso, adotando medidas que já existem em outros
países, como a lista vermelha de bens culturais nos aeroportos.
A lista vermelha é uma
relação dos tipos de obras que costumam ser retiradas ilegalmente
de um país e que deveriam receber mais atenção da polícia e da
receita federal nas fronteiras. Hoje, se um prato aparece no raio-X
de um aeroporto dentro de uma mala, provavelmente o agente
responsável não vai se dar conta de que a peça pode pertencer a
uma coleção do período monárquico. E não abrirá a mala.
Acontece que uma das
regras do combate ao crime contra a arte é dificultar a sua
circulação. Em dezembro de 2005, num dos mais audaciosos furtos de
que se tem notícia, bandidos removeram uma escultura de bronze (de
três metros de comprimento por dois de altura), feita pelo inglês
Henry Moore, da fundação que carrega seu nome, em Hertfordshire, ao
norte de Londres. Impossibilitados de encontrar um comprador, eles a
derreteram e venderam o bronze por 1/2.000 do valor da obra.
Acredita-se que algo
semelhante possa ter ocorrido com parte das telas retiradas do Museu
da Chácara do Céu, em Santa Teresa, no Rio, em fevereiro de 2006.
Na ocasião, quatro assaltantes armados levaram obras de Picasso,
Claude Monet, Salvador Dalí e Henri Matisse avaliadas em até US$50
milhões. A polícia chegou a encontrar imagens das peças sendo
oferecidas num site de leilão russo, mas até hoje não conseguiu
recuperá-las. Há informações, contudo, de que os criminosos podem
tê-las queimado com medo de serem descobertos.
"JARDIM de Luxemburgo", de Matisse: tela sumiu da Chácara do Céu, em 2006 |
Principalmente para
evitar serem pegos que os criminosos podem demorar até cinco anos
antes de tentar vender as obras mais visadas. E é por isso, também,
que órgãos como o próprio Instituto Brasileiro de Museus e a
organização internacional de polícia Interpol se preocupam em
manter cadastros virtuais das peças furtadas.
– Não é nada fácil
vender uma obra nesse mercado negro de arte. Na vida real, quem vai
comprar um Picasso desses? Onde vai botar? Ele vai pagar uma nota
para não mostrar a ninguém? Isso só existe em filme. Um sujeito
que comprar uma peça dessas não vai poder deixar nem a empregada
ver, porque a imagem estará em todos os cantos na mídia – afirma
Jones Bergamin, diretor da Bolsa de Arte do Rio desde 1985. – O que
acontecia muito no exterior eram os bandidos oferecerem as obras para
as próprias companhias de seguro, num valor mais barato do que
deveria ser pago. As companhias compravam porque saía mais em conta.
Já no Brasil, eu acho que a prática é amadora. Essas pessoas não
sabem o que estão fazendo.
Com o objetivo de
minimizar o risco dos furtos, o Ibram promete lançar uma campanha
neste ano cobrando planos de segurança detalhados dos museus
nacionais. Mas seu presidente, José do Nascimento Júnior, faz um
alerta:
– Nós temos um
trabalho integrado com a polícia federal, de formação e troca de
informação. Mas é preciso que mais gente se empenhe. O país vai
receber uma quantidade imensa de turistas durante a Copa e as
Olimpíadas. Isso pode incentivar esse mercado.
"O CONCERTO", de Vermeer: roubada em Boston, em 1990, nunca mais foi vista |
Da Agência O Globo
para A Relíquia
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