A Igreja mais antiga do Brasil

Por Leonardo Dantas Silva


Ao se indagar sobre a antiguidade das igrejas em Pernambuco, logo vem à menção ao templo dos Santos Cosme e Damião de Igarassu, assim consagrado pela tradição que vem do frei Rafael de Jesus quando da publicação do seu livro O Castrioto Lusitano (1675).

A afirmativa do cronista, no entanto, vai de encontro ao texto da Carta Foral da Vila de Olinda, assinada pelo Donatário Duarte Coelho em 12 de março de 1537; isto é, dois anos após o seu desembarque no Sítio dos Marcos, às margens do Canal de Santa Cruz, vindo de Lisboa com um grande número de famílias do Norte de Portugal.

Ao outorgar a carta Foral da Vila de Olinda, o primeiro donatário, Duarte Coelho Pereira, reservou para os habitantes da nova povoação as terras do outeiro do monte, com exceção das cem braças situadas ao redor da Igreja de Nossa Senhora do Monte, que já existia naquele local: "O monte de Nossa Senhora do Monte águas vertentes para toda a parte, tudo será para serviço da vila e povo dela, tirando aquilo que se achar ser da casa de Nossa Senhora do Monte que é cem braças da casa ao redor de toda a parte, e assim o valinho que é da banda do norte rodeia o dito Monte pelo pé até o caminho que vai da vila para Val de Fontes para o curral velho das vacas, e isto é da dita casa de Nossa Senhora do Monte."

Assegura José Antônio Gonsalves de Mello ser "esta a única referência à igreja constante do Foral e a simples menção da sua existência faz dela a mais antiga de Pernambuco, com certidão de nascimento por documento contemporâneo. Essa primazia tem sido atribuída até agora a uma Igreja de Igarassu, atual matriz dos Santos Cosme e Damião".

Confirma o mesmo autor que "a indicação do ano da chegada de Duarte Coelho [1535] como sendo o mesmo da construção da Igreja de Igarassu é do frei Rafael de Jesus, que escreveu em 1675 [com base nos originais de Diogo Lopes Santiago] e não abona a sua afirmativa. Ao contrário, a igreja olindense - a casa de Nossa Senhora do Monte - tem em seu favor um documento de autenticidade estabelecida e de data conhecida, campeando ela há quase quatro séculos e meio no alto de um dos morros da cidade".

Um segundo documento, também do século XVI, vem comprovar a antiguidade daquele templo. Trata-se de certidão passada pela então viúva do primeiro donatário, Dona Brites de Albuquerque, que, em 16 de fevereiro de 1582, reitera a doação daquelas terras, a pedido do ermitão João Martins, que, ao entrar na posse da Igreja do Monte, "não achou até agora carta nem data que fosse para a dita casa de Nossa Senhora".
 Assim, dentre as igrejas de Pernambuco, é a de Nossa Senhora do Monte de Olinda a que possui a mais antiga documentação de sua existência.

Igreja Nossa Senhora do Monte, em Olinda


Em 1596, a Igreja de Nossa Senhora do Monte passou para a posse dos monges beneditinos, por provisão do Bispo do Brasil, Dom Frei Antônio Barreiros, que, antes de iniciarem a construção do seu mosteiro no Varadouro da Galeota, em 1602, permaneceram naquele sítio distante.
Em sua provisão, datada de 7 de setembro de 1596, declara o prelado: "para que as pessoas, assim homens como mulheres, que vão em romaria, ou têm moradas em a ermida de Nossa Senhora do Monte, o possam fazer com mais devoção, piedade e honestidade, concedemos e damos a dita ermida aos religiosos do Mosteiro de São Bento, para ali fazerem seu Recolhimento e Mosteiro".

Transferindo-se para o novo mosteiro, os beneditinos se mantiveram na posse da Igreja de Nossa Senhora do Monte que foi transformada, com suas hortas e sítio ao seu redor, numa espécie de hospício que assim o mantiveram até os dias atuais.
Após a expulsão dos holandeses, em 1654, veio a ser abandonado pelos beneditinos, assinalando Loreto Couto como "célebre santuário da Senhora do Monte, com hospício para os religiosos..." Com a decadência dos beneditinos, fica a capela aos cuidados dos poucos moradores do local e romeiros. A sua completa restauração se dá pelos esforços do clérigo Juvenal David Madeira, que celebra solenemente a festa inaugural em 26 de janeiro de 1890.

Depois de passar por inúmeras reformas no século XIX, foi o Mosteirinho de Nossa Senhora do Monte entregue, no início do século XX, aos cuidados das freiras da Ordem de São Bento, que chegaram da Alemanha, em Pernambuco, em 1903, para ocupar o Hospital da Misericórdia, com sua igreja e casas anexas, onde instalaram a Academia de Santa Gertrudes.

O conjunto, em sua simplicidade, destaca-se no alto do monte. A quietude do ambiente é, por vezes, embalada pelo coro de vozes das irmãs que, no recato da clausura, se dedicam à confecção de produtos artesanais, como biscoitos e licores, bem como à confecção de bordados dos paramentos religiosos.

Na sua arquitetura simplória, o especialista Germain Bazin encontrou elementos antigos do primitivo templo: Conserva elementos antigos. Na sacristia, um lavabo esculpido em calcário do século XVII tem o par correspondente, de autoria do mesmo escultor, no Mosteiro de São Bento. No fundo da nave, tocando a capela-mor, há em cada parede dois nichos de altar contíguos, emoldurados por arcos de pilastras de ordem toscana. A fachada, ladeada por um campanário anão do século XVII, é arrematada por um frontão mais tardio. A porta de entrada é do século XVII. 

A simplicidade do templo não impediu que viesse a ter o seu interior descrito por Maria Elisa Carrazoni: O interior é requintado, as paredes têm pinturas em painéis e fingimento. As tribunas são de madeira trabalhada e o púlpito, adornado em motivos florais, é apoiado por cachorros de pedra e encimado por dossel e baldaquino. Os altares laterais, com nichos em arco pleno. A capela-mor tem pinturas nas paredes e tribunas com gradil de ferro. O altar-mor e retábulos mostram influência de diversos estilos. Mesa de comunhão em balaústres torneados de jacarandá.

A presença dos portugueses no litoral de Pernambuco e Itamaracá data dos primeiros anos da colonização, ainda quando da instalação da Feitoria de Cristóvão Jacques, em dezembro de 1516, de onde, dez anos mais tarde, era embarcada para Lisboa a primeira remessa de açúcar produzido no Brasil.

Bem presente em telas e desenhos assinados por Frans Post, pintor holandês que esteve em Pernambuco a serviço do conde João Maurício de Nassau entre 1637 e 1644, a Igreja dos Santos Cosme e Damião de Igarassu disputa com o Mosteiro de Nossa Senhora do Monte, em Olinda, o primado de igreja mais antiga do Brasil. 

José Antônio Gonsalves de Mello, no entanto, confirma a possibilidade de a igreja olindense de Nossa Senhora do Monte, referida expressamente na Carta Foral de Olinda, outorgada por Duarte Coelho em 12 de março de 1537, preceder em antigüidade à da Matriz de Igarassu, que só tem o seu primeiro documento, revelando a sua existência, datado de cerca de dez anos depois: 10 de maio de 1548.

É desta data a carta de Afonso Gonçalves enviada ao rei de Portugal, D. João III, na qual declara "... eu quisera os dízimos desta igreja para os gastar nela e em coisas necessárias para o culto divino e ornamentos, pois sou fundador dela e a fiz à minha custa própria, e a tenho feito a melhor que há nestas terras [...], e assim folgaria que tivesse todas as coisas e ornamentos bons [...] tive nela sempre um padre que é obrigado a dizer missa e confessar..." os habitantes da povoação que chegavam a "bem duzentas almas".

A Igreja dos Santos Cosme e Damião de Igarassu foi, desde o século XVI, um dos centros de romaria de Pernambuco, conforme observa em 1585 o padre José de Anchieta: "de grande devoção e se fazerem nela muitos milagres pelos merecimentos destes santos mártires".
O seu primeiro vigário foi o padre Pedro da Mesquita, cuja ratificação foi proposta na carta de 10 de maio de 1548, substituído em 1559 pelo padre Pedro Anes do Vale, cuja confirmação data de 22 de agosto daquele ano. Na primeira metade do século XVII era a Igreja Matriz de Igarassu, uma pequena capela, com uma só porta e um óculo sobreposto, tendo ao lado, servindo de campanário, duas vigas com um travessão no alto, onde estava pendurado um sino, conforme aparece na gravura assinada por Frans Post e publicada no livro de Gaspar Barlaeus (1647).

O templo teve a sua forma definida no século XVIII, passando por reformas no século XIX, conservando em sua fachada a porta central, anterior a 1630, "com frontispício sobre o quadrado, encimado por frontão triangular. A torre sineira traz cúpula em forma de coroa e foi construída no século XVIII. O interior é sóbrio, as paredes nuas e brancas de cal, onde se destacam as cantarias de perfis delicados".

*Leonardo Dantas Silva, escritor e jornalista

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