Dirigíveis e aeroplanos no Recife

Por Leonardo Dantas Silva

Dentre as novidades da década de trinta, famosa pelo aparecimento de novos hábitos e costumes, antecedendo a segunda Grande Guerra, surgiu no Recife o Graf Zeppelin, inaugurando linha direta, bimestral, com a Europa, numa quinta-feira, 22 de maio de 1930, fazendo a rota Friedrischafen-Sevilha-Rio de Janeiro.
Pelo noticiário, que se depreende do Diario de Pernambuco, do dia 23 de maio, e depoimentos dos que assistiram e documentaram, a exemplo do compositor Raul Valença que chegou a fazer um filme, foi uma verdadeira revolução na cidade, quando da chegada daquele dirigível após 59 horas de viagem:
Um vivo interesse se desenhava em todos os semblantes entorno desse acontecimento destinado a marcar uma data inesquecível na vida da cidade. [...] às 18 horas e 35 minutos o dirigível foi avistado no Recife e logo entrou a tocar, para divulgar a boa nova, o carrilhão do Diario de Pernambuco, cujos terraços estavam ocupados por famílias do nosso escol social. Às 16 horas, era já compacta a multidão de curiosos que se empilhavam nas torres das igrejas e até nos tetos das casas - inclusive nos terraços dos edifícios mais altos: Moinho Recife, Palácio da Justiça, Diario de Pernambuco, Hotel Central, etc. No mais alto da cúpula do Palácio da Justiça, em verdadeiro esporte de equilíbrio, agrupavam-se algumas dezenas de pessoas. O terraço desta folha, já às 17 horas, estava repleto de numerosa e compacta assistência. [...]
- Chegarei pouco depois do por do sol, foi a mensagem do comandante Eckener. [...] É ele! É ele! É uma estrela!.... , gritava o povo. Mas a dúvida em breve dissipou-se. Alguns instantes mais e a sombra branca do imenso pássaro aéreo começou a surgir e a crescer. Já eram então visíveis os dois focos de proa e popa marcando o vulto imenso que desfilava dentre as nuvens. Precisamente às dezoito e meia passava o Graf Zeppelin, mais baixo acerca de trezentos metros de altura, sobre a torre da Catedral de Olinda. E logo começou-se a ouvir o surdo rugido das suas hélices possantes. Mas pode mencionar-se o emocionante espetáculo da nave imensa a deslizar dentro da noite, sobre a cidade, rumando do norte ao poente, numa grande curva, direto ao Campo do Jiquiá, como se conhecesse o caminho; como uma ave retardatária que se torna ao pouso, mil vezes demandado.
O dirigível estava sob o comando do Comandante Hugo Eckener, que, juntamente com o infante Dom Affonso de Espanha, foi saudado pelo então secretário particular do governador Estácio Coimbra, Gilberto de Mello Freyre, após a sua amarração no Campo do Jiquiá.
Tempos do Zepellin, na sua linha regular ligando a Europa ao Brasil e Argentina, relembrados pelos mais antigos e assim descritos na poética de Ascenso Ferreira:
_ Apontou!/ - Parece uma baleia se movendo no mar!
- Parece um navio avoando nos ares!
- Credo, isso é invento do cão! / - Ó coisa bonita danada!
- Viva seu Zé Pelin! / - Vivôôô!
Deutschland über alles! / Chopp! / Chopp! /Chopp! /Atracou!
O Graf Zeppelin realizou 63 viagens unindo o Recife à Europa. Em 1936, veio a ser substituído por outro dirigível, o Hindenburg, que possuía 804 pés de comprimento; 76 pés menos do que o transatlântico Titanic e 228 pés maior do que um boeing 747. Este último realizou sete viagens ao Brasil, antes do acidente que o destruiu, em 1937, ao pousar em Lakehurst, no estado norte-americano de New Jersey.
As primeiras experiências com sucesso no campo da aeronáutica no Recife foram realizadas em 1862 por Július Buislay, da companhia francesa de Acrobatas, que subindo num balão fazia acrobacias no Pátio do Teatro Santo Antônio, na Rua das Florentinas (trecho hoje ocupado pela Avenida Dantas Barreto, entre a Praça da República e a Rua Siqueira Campos) segundo noticia o Jornal do Recife, em sua edição de 26 de outubro:
A nossa população presenciou ontem um espetáculo inteiramente novo para ela. Foi a ascensão do artista acrobático Júlio Burlay, que conforme havia feito comunicado, subiu as regiões etéreas arrebatado pelo seu Montgolfier. Uma multidão imensa apinhada no Campo das Princesas saudou o intrépido aeronauta com gritos de prolongados vivas e aplausos. Eram cerca de 6 horas e um quarto quando o balão ergueu-se suavemente, buscando o lado sul, impelido pelo vento norte; não estando completamente cheio começou logo a baixar, indo depois o corajoso viajante cair nas proximidades dos Coelhos. Durante o trajeto o excelente artista fez diversas evoluções sobre o seu trapézio, oferecendo aos olhos da população admirada a realização de um espetáculo para o qual, há cerca de um ano, teria sido convidado
Outra proeza foi feita em sete de outubro de 1906, por José Pereira da Luz (Zé da Luz), que subindo num aeróstato, na antiga Rua do Sebo, hoje Barão de São Borja, foi cair em Tejipió.
A primeira travessia aérea do Atlântico Sul veio a ser realizada pelos aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que saídos de Lisboa a bordo do hidroavião "Lusitânia", em 3 de março de 1922, pousaram na bacia do Capibaribe em 5 de junho daquele ano. Para comemorar o feito, fez-se erguer um grande monumento em mármore aos dois aviadores portugueses, esculpido por "Santos e Simões - estatuários" e foi ofertado pelos portugueses residentes em Pernambuco. A sua inauguração aconteceu, em 1927, sendo instalado no Cais Martins de Barros. Os primeiros brasileiros a cruzar o Atlântico Sul foram João Ribeiro de Barros (comandante), Newton Braga, João Negrão e Vasco Cinqüini, que, a bordo do hidroavião Jahú, fizeram o vôo histórico Gênova-São Paulo, escalando no Recife em cinco de junho de 1927, amerissando na bacia do porto, sendo recebidos com grandes festas. No mesmo ano, comércio da Encruzilhada, a fim de assinalar o feito, mandou erguer uma coluna de oito metros de altura, encimada por uma águia pousada sobre o globo terrestre, com a inscrição: "Raid Gênova-Santos. À heróica tripulação do Jahú, homenagem do povo da Encruzilhada. Recife, 25 de setembro de 1927". *
A correspondência aérea entre o Recife, o Rio de Janeiro e Buenos Aires, veio a ter início a 7 de março de 1927, através da Companhia Latecoére, depois denominada de Aeropostale, que veio a ser o embrião da Air France. Na bacia do Pina-Santa Rita passaram também a amerrissar os hidroaviões da Condor-Lufhansa e da Panair-Panamerican.
O primeiro aeroporto do Recife só veio a surgir, anos depois com os aviões utilizando a pista de areia do campo do Ibura, particularmente os pertencentes à aviação militar, ao Correio Aéreo Nacional e à LATI - Linhas Aéreas Transcontinental Italianas, a "Ala Litoria". Esta última, veio contribuir para a construção de uma pista em concreto, a fim de pousar os trimotores Savoia-Marchetti-83, na ligação Roma-Rio de Janeiro.
Com a criação da Força Aérea Brasileira, fez-se necessário a implantação da Base Aérea do Recife, por força do Decreto n.º 3459, de 24 de julho de 1941, seguindo-se da 2ª Zona Aérea, em 25 de outubro de1941, formando assim um complexo militar de grande importância quando do segundo conflito mundial.
As comunicações por via-aérea com a Europa e a América do Norte vêm ganhar impulso após 1942, quando os Estados Unidos declaram guerra à Alemanha, em 22 de agosto daquele ano. O Recife possuía, então, uma população de 348.424 habitantes, passando assim a abrigar as bases militares norte-americanas. Na Base Aérea do Ibura aterrissavam os catalinas e as chamadas fortalezas-voadoras (B 29), enquanto no seu porto permaneciam ancorados modernos porta-aviões, cruzadores, destroiers das forças aliadas.
Terminada a guerra, em 9 de maio de 1945, a Base Aérea do Recife passa, também, a servir de pouso obrigatório às aeronaves civis, oriundas da Europa, até a construção do moderno Aeroporto Internacional dos Guararapes, inaugurado em 18 de junho de 1958 pelo então presidente da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira. O aeroporto do Recife tem a denominação de Guararapes em virtude das duas batalhas (1648 e 1649) travadas nas colinas vizinhas. O sucesso obtido pelas tropas luso-brasileiras veio selar, de forma definitiva, a reconquista do território ocupado pelos holandeses entre 1630 e 1654.
*Em 1981, quando da reforma do sistema viário da Praça da Encruzilhada, foi a coluna demolida, dela restando tão somente a águia, modelada em cimento, sobre um pedestal mais parecido com um bolo de noiva. Isso, depois de protestos dos leitores do Diario de Pernambuco, na coluna "Cartas à Redação". Em 1999, o monumento veio a ser restaurado pelo prefeito Roberto Magalhães Melo, que para isso utilizou os serviços do artista plástico Jobson Figueiredo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário