As pontes de Recife - por Leonardo Dantas

Por Leonardo Dantas

A Veneza Americana

Salve, terra formosa, oh!
Pernambuco, Veneza Americana
transportada, Boiante sobre as águas!
Gonçalves Dias



Através da Ponte Maurício de Nassau, erguida no mesmo local onde aquele governante do Brasil holandês fez construir a primitiva Ponte do Recife (1643), vale a pena uma parada para contemplação da paisagem do Rio Capibaribe. A atual ponte, construída em concreto e inaugurada em 18 de dezembro de 1917, ostenta em suas cabeceiras quatro belas estátuas, em ferro fundido. Representam elas, na cabeceira leste, no Bairro do Recife, as deusas Minerva (Sabedoria) e Ceres (Agricultura); no lado oeste, na ilha de Santo Antônio, Mercúrio (Comércio), no lado esquerdo, e a deusa Themis (Justiça) no lado direito.
Contemplando o panorama, das balaustradas da ponte o visitante tem a visão das pontes Doze de Setembro (construída no local da antiga Ponte Giratória), Buarque de Macedo e, já no extremo norte da ilha do Recife, a Ponte do Limoeiro (por onde passavam os trilhos da estrada de ferro do Limoeiro); desta última se tem uma bela vista da cidade de Olinda, primeira capital de Pernambuco.
Esta imagem do Recife vista de suas pontes, cortada pelos rios, com a muralha de arrecifes a deter a fúria do mar, sempre fascinou a todos que chegam a esta cidade. Um deles foi Antônio Gonçalves Dias (1823-1864), que nela quis ver uma paisagem que lembrasse uma Veneza americana transportada...

Salve, terra formosa, oh!
Pernambuco, / Veneza americana transportada, / Boiante sobre as águas! / Amigo gênio te formou na Europa, / Gênio melhor te despertou sorrindo / À sombra dos coqueirais (...)

Antônio de Castro Alves (1847-1871), quando estudante da Faculdade de Direito, em sua ode a Pedro Ivo, surpreendeu o Porto de Pernambuco, como era também chamado o Recife, dormindo imenso ao luar...


Pernambuco! Um dia eu vi-te / Dormindo imenso ao luar, / Com os olhos quase cerrados, / Com os lábios - quase a falar.../ Do braço o clarim suspenso, / - O punho no sabre
extenso, / De pedra - recife imenso / Que rasga o peito do mar...

Se vista da Ponte do Limoeiro, por ocasião da preamar, a cidade aflora da água e lembra Veneza, como bem observou Joaquim Nabuco :

(...) como Veneza, é uma cidade que sai da água e que nela se reflete, é uma cidade que sente a palpitação do oceano no mais profundo dos seus recantos; como Veneza, ela tem um céu azul que parece lavado em suas águas, como se lavam os navios de grandes nuvens brancas como toldos; como Veneza, basta uma canção na água e uma bandeira solta ao vento para dar-lhe aspecto festivo e risonho; e, por fim, como Veneza, ela tem um passado que a coroa como uma auréola e que brilha ao luar sobre suas pontes e as suas torres como a alma de uma nacionalidade morta!

O panorama observado da Ponte Maurício de Nassau traz de volta Veneza, vista da Ponte do Rialto ou da Ilha de Murano, muito embora se torne pertinente a observação de Joaquim Nabuco:
Melhor porém do que Veneza, os canais do Recife são como rios, a cidade sai da água doce e não da maresia das lagunas; seu horizonte é amplo e descoberto, suas pontes são compridas como terraços suspensos sobre a água, e o oceano vem se quebrar diante dela em um lençol de espumas por sobre o extenso recife que a guarda como uma trincheira, genuflexório imenso, onde o eterno aluidor da terra se ajoelhará ainda por séculos diante da graça frágil dos coqueiros!12
Arruando pelas noites do Recife, andando sem rumo através de suas pontes, ao contemplar a mansidão do rio, o poeta Joaquim Cardozo foi tomado por uma outra visão mística de sua cidade:

(...) Luzes das pontes e dos cais / Refletindo em colunas sobre o rio / Dão a impressão de uma catedral imersa, / Imensa, deslumbrante, encantada, / Onde, ao esplendor das noites velhas./ Quando a noite está dormindo, / Quando as ruas estão desertas, / Quando, lento, um luar transviado envolve o casario, / As almas dos heróis antigos vão rezar.

Contudo, fazendo voltar o olhar, de modo a vislumbrar o casario do Bairro do Recife numa visão da atual Ponte Maurício de Nassau, com o Capibaribe mansamente fluindo em busca das águas do Oceano Atlântico, fica a imagem do poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999):

Já deixando o Recife / entro pelos caminhos comuns do mar: / entre barcos de longe, / sábios de muito viajar; / junto desta barcaça / que vai no rumo de Itamaracá; / lado a lado com os rios / que chegam do Pina com o Jiquiá.

Ainda no centro urbano, outras visões do Recife poderão ser fixadas na retina, bastando tão-somente que nosso passeio se prolongue através de outras pontes. Ligando a Ilha de Santo Antônio à Ilha da Boa Vista, estão às pontes Joaquim Cardozo, Velha (cujo nome oficial é 6 de Março), da Boa Vista, Duarte Coelho e Princesa Isabel. Continuando mais para o interior, iremos cruzar dezenas de outras, pontes e pontilhões, situados sobre rios e canais que cortam esta planície, de modo a integrar os mais diversos bairros com o continente.
Tal qual o poeta Mário Galvão, vai o caminhante cantando:

Quem me vê por estas pontes, / O pensamento e o olhar a esmo, / Não sabe que estou andando / Dentro da alma de mim mesmo.

História do Recife
O município do Recife tem sua origem intimamente ligada à de Olinda. No foral (carta de direitos feudais) de Olinda, concedido por Duarte Coelho em 1537, há uma referência a "Arrecife dos navios", um lugarejo habitado por mareantes e pescadores. O Recife permaneceu português até a independência do Brasil, com a exceção de um período de ocupação holandesa entre 1630 e 1654.
Durante os anos anteriores à invasão da Companhia das Índias Ocidentais, o povoado do Recife existiu apenas em função do porto e à sombra da sede Olinda, local que a aristocracia escolheu para residir devido à sua localização elevada, que facilitava a defesa. Ergueram-se fortificações e paliçadas em defesa do povoado e do porto do Recife, todas elas voltadas para o mar. Os temores voltavam-se para o oceano por conta dos constantes ataques ao litoral da América Portuguesa pela navegação de corso e pirataria. Ainda no final do século XVI o "povo dos arrecifes" foi atacado e saqueado pelo pirata inglês James Lancaster que, com três navios, derrotou a pequena guarnição responsável pela defesa do porto. Entre os anos de 1620 e 1626 o então governador Matias de Albuquerque procurou estabelecer posições fortificadas no porto do Recife a fim de que se pudesse evitar outro ataque como aquele, bem como dissuadir a Companhia das Índias Ocidentais da ideia empreendida na Bahia em 1624.

Governo holandês
No Recife holandês, foi iniciada a construção de Mauritsstad (Cidade Maurícia, ou Mauriceia). O Recife foi a capital do Brasil holandês, tendo sido governada de 1637 a 1644 pelo conde (a serviço da Companhia das Índias Ocidentais) Maurício de Nassau. O império holandês nas Américas era composto na época por uma cadeia de fortalezas que iam do Ceará à embocadura do rio São Francisco, ao sul de Alagoas. Os holandeses também possuíam uma série de feitorias na Guiné e Angola, situadas no outro lado do Atlântico, o que lhes dava controle sobre o açúcar e o tráfico negreiro, administradas pela Companhia das Índias Ocidentais.
O conde desembarcou na Nieuw Holland, a Nova Holanda, em 1637, acompanhado por uma equipe de arquitetos e engenheiros. Nesse ponto começa a construção de Mauritsstad, que foi dotada de pontes, diques e canais para vencer as condições geográficas locais. O arquiteto Pieter Post foi o responsável pelo traçado da nova cidade e de edifícios como o palácio de Freeburg, sede do poder de Nassau na Nova Holanda, e do prédio do observatório astronômico, tido como o primeiro do Novo Mundo.
Maurício de Nassau praticou uma política de tolerância religiosa frente aos católicos e calvinistas. Além disso, permitiu a migração de judeus ao Recife e a criação de uma sinagoga, a Kahal Zur Israel, inaugurada em 1642. Nassau era também um entusiasta da ciência e das belas artes. Ao embarcar para o Brasil, trouxe uma plêiade de naturalistas e pintores para retratar e estudar a novo continente. Entre estes destacam-se os pintores Frans Post e Albert Eckhout, que retrataram as paisagens e os exóticos habitantes locais, o médico Willem Piso e o naturalista alemão Georg Marggraf, que estudaram a a fauna e a flora, a farmacopeia local e as doenças tropicais.
Nassau retornou à Holanda em 1644, demitido devido a desentendimentos com as autoridades da Companhia, que não se contentaram com o nível de lucros das possessões brasileiras. Os novos governantes holandeses entraram em conflito com a população, desencadeando a partir de 1643 uma insurreição - a chamada Insurreição Pernambucana - que terminaria com a expulsão definitiva dos holandeses em 1654. A economia açucareira local passou a enfrentar a competição das Antilhas Holandesas, para onde os holandeses levaram a tecnologia da produção de açúcar.

Mascates
Após a invasão holandesa, muitos comerciantes vindos de Portugal - chamados pejorativamente de "mascates" - estabelecem-se no Recife, trazendo prosperidade à vila. O desenvolvimento do Recife foi visto com desconfiança pelos olindenses, em grande parte formada por senhores de engenho em dificuldades econômicas. O conflito de interesses políticos e econômicos entre a nobreza açucareira pernambucana e os novos burgueses deu origem à Guerra dos Mascates (1710-1711), durante a qual o Recife foi palco de combates e cercos.
Porém, essa revolta não prejudicou o crescimento do povoado do Recife, sendo elevado à categoria de vila e concelho, com o nome de Santo Antônio das Cacimbas do Recife do Porto, em 19 de novembro 1709. Em 1711 moravam cerca de 16 mil pessoas na vila, e em 1745 a população ascendia a 25 mil. Apesar da queda nos preços do açúcar, construíram-se magníficos conventos e igrejas no município, com destaque para o Convento de Santo Antônio, a Capela Dourada (terminada em 1724) e a Igreja de São Pedro dos Clérigos (começada em 1725).
O início do século XIX no Recife foi marcado por revoltas inspiradas no ideário liberal vindo da Europa: comerciantes, aristocratas e padres, para exigir mais autonomia para a colônia. Entretanto, a classe dominante evitava questões como o fim da escravatura e dispensava a participação popular, temendo revolução.
Nesse mesmo século, ocorreram as revoluções mais conhecidas da História do Recife. A Revolução de 1817, a Confederação do Equador, de 1824 e a Revolução Praieira, de 1848. O Recife deixou de ser vila, não se subordinava ao poder central, nem a Olinda. Nesse tempo, iniciou-se um grande período de desenvolvimento do município. A elevação à categoria de cidade ocorreu em 1823.

Fonte: Wikimedia Foundation, IBGE,
Prefeitura Municipal do Recife.

Pontes sobre o rio Capibaribe
Para ver mais imagens, acesse o álbum de fotos do Jornal A Relíquia.

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