Venda de livros de José Saramago dispara

Fonte: O Globo

Fenômeno se repete na Europa e no Brasil; leitores querem guardar obras do escritor

Com “Memorial do convento” e “Caim” nas mãos, na fila de pagamento da Livraria Bertrand do Shopping das Amoreiras, em Lisboa, a bancária Sofia Passos confirma um fenômeno registrado em Portugal desde a morte de José Saramago: em quatro dias, as vendas de seus livros aumentaram dez vezes. Balanço parecido foi constatado em 1998, após o anúncio do Nobel de Literatura. Sofia sempre foi fã de Saramago, mas quis presentear dois amigos portugueses que nunca o leram.

Zeferino Coelho, da Editorial Caminho, que nos últimos 30 anos publicou Saramago em Portugal, conta que as encomendas dispararam.

— Normalmente as vendas de livros de Saramago já eram muito boas, mas foram reaquecidas após sua morte — explica.

Na rede Fnac, uma das maiores do país, as obras mais procuradas foram “Caim”, “A Viagem do Elefante” e “Memorial do Convento”. Este último ocupa o sexto lugar na lista dos mais vendidos da cadeia Bertrand, 28 anos após a sua publicação.

O fenômeno também se repetiu no Brasil. A Companhia das Letras, editora de quase todas as obras de Saramago no país, colocou 30 mil livros do autor no mercado entre sexta-feira, 18, e quarta-feira, 23 — um aumento de 450%, segundo a editora. Na Espanha, exemplares de “Levantado do Chão” e “História do Cerco de Lisboa” se esgotaram desde sexta-feira passada e serão reeditados. “A Viagem do Elefante” seria publicado em agosto na Alemanha, mas o lançamento foi antecipado para esta semana.

Zeferino Coelho prevê para o dia 16 de novembro, quando o escritor português faria 88 anos, o lançamento de “Saramago nas Suas Palavras”, uma coletânea de artigos e entrevistas “que cobrem o seu pensamento”.

— Prevíamos lançá-lo no próximo ano, mas decidimos antecipá-lo para coincidir com a data do aniversário — afirma o editor.

O destino do espólio e de textos inéditos deixados por Saramago será decidido por sua viúva, Pilar del Río, que pretende voltar a morar em Lisboa em setembro, para ficar mais perto da fundação que tem o nome do escritor. Já é certa a transferência, até junho do próximo ano, da biblioteca com 22 mil exemplares, de Lanzarote, na Espanha, onde o casal vivia, para Lisboa. A nova sede da Fundação José Saramago, a charmosa Casa dos Bicos, na beira do Rio Tejo, está sendo remodelada pela prefeitura especialmente para abrigar a biblioteca.

O presidente da fundação, José Sucena, conta que a nova sede funcionará nos mesmos moldes da Casa Fernando Pessoa, no Campo de Ourique:

— Teremos um auditório para palestras e, além da biblioteca, vamos expor manuscritos e correspondências.

Aliviados com o fim da disputa pelas cinzas do escritor, que ficarão num jardim público em Lisboa, portugueses desdobram-se em homenagens: na terça-feira, o Parlamento fez uma sessão especial dedicada a seu único Nobel de Literatura. Hoje, amigos e intelectuais lerão “O Ano da Morte de Ricardo Reis” a partir do meio-dia na Casa Fernando Pessoa, numa maratona que só termina na última palavra do livro.

HOMENAGEM
A Academia Brasileira de Letras fará hoje (24/06) uma Sessão de Saudade em homenagem a José Saramago, eleito sócio correspondente da casa em julho do ano passado, para a cadeira 16. Durante a sessão, que será presidida por Ana Maria Machado, secretária-geral da ABL, o escritor será lembrado em discursos de acadêmicos como a professora Cleonice Berardinelli, especialista em literatura portuguesa e amiga de Saramago.

A escritora e acadêmica Nélida Piñon, que está em Portugal e representou a ABL na cerimônia fúnebre de Saramago, lembra que ele não teve condição de viajar para receber pessoalmente o título de sócio correspondente da casa, mas ficou feliz ao ganhar a honraria, como demonstrou na época em sua coluna no jornal português “Diário de Notícias”: “Eis-me portanto acadêmico no país que mais amo depois do meu, o Brasil. É como estar em casa, com a diferença do afeto de que nos rodeiam, sentimento que a pátria às vezes se esquece de manifestar.” Por isso, a homenagem será especial, diz Nélida: “Brasil e Portugal se unem nessa dor”.

A ABL realizará nas próximas semanas, com data ainda a definir, uma mesa-redonda aberta ao público sobre Saramago.

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