A lenda Barroca


A lenda vive: a Câmara de âmbar, um fantástico e minucioso quebra-cabeça de 500 mil peças, considerada a "oitava maravilha do mundo", foi totalmente reconstruída. Ela é ao mesmo tempo símbolo da amizade russo-alemã e das vicissitudes na história dos dois países.

Milagres precisam de tempo para acontecer. Este levou exatamente vinte e quatro anos. Hoje ele brilha novamente em esplendor barroco, em tons de mel, caramelo, laranja e cereja: a enigmática Câmara de Âmbar, ou melhor, a cópia perfeita da lenda barroca. A valiosa decoração das paredes deste verdadeiro salão, com seus 100 metros quadrados, foi um trabalho de entalhadores, joalheiros, arquitetos e gravadores, uma equipe de 50 pessoas que trabalhou sem interrupção durante mais de duas décadas em uma oficina montada no Palácio de Catarina de Tsarskoyie Selo.
A Câmara de Âmbar, reconstruída acribicamente em seus mínimos detalhes, foi reaberta em comemoração do aniversário de 300 anos de fundação de São Petersburgo, em 2003,  na presença do Presidente da Rússia, Wladimir Putin e do então Primeiro-Ministro da Alemanha, Gerhard Schröder. Esta festividade marcou um acontecimento histórico.
Foi uma cerimônia de caráter simbólico, pois a Câmara de Âmbar é um penhor da amizade russo-alemã, mas foi também sempre um símbolo da instável história entre os dois países: O rei da Prússia, Frederico Guilherme I, presenteou ao Czar russo Pedro, o Grande em 1716 a "Câmara de Âmbar", herdada de seu pai, como prova de sua estima e consideração. A resina fóssil, da qual foram fabricados os valiosos entalhes e mosaicos dos painéis, vinha da antiga Königsberg, na Prússia Oriental, que é hoje a região russa de Kaliningrado, onde desde o século XVIII se encontra a maior extração de âmbar do mundo. Formado há cerca de 45 milhões de anos, este "ouro do norte" sempre exigiu extrema habilidade para ser trabalhado. Já na versão original da sala, os artesãos haviam levado 10 anos trabalhando.
Em 1755, o salão, ampliado com espelhos e mosaicos de pedra, foi completamente transferido para o Palácio de Catarina, a 30quilômetros de São Petersburgo, onde durante cerca de 150 anos serviu de suntuosa sala de representação dos Czares e Czarinas russos. Na II Guerra Mundial, o presente do monarca prusso despertou a ganância do exército alemão quando este invadiu São Petersburgo: os soldados desmontaram todos os enormes painéis da sala, guarnecidos de âmbar, e até mesmo seus últimos pedacinhos, embalaram tudo em 27 caixotes e simplesmente despacharam a câmara para o Palácio de Königsberg, de volta à Prússia. Mas não por muito tempo. Já em 1944, por medo da destruição, o conjunto era empacotado para nova viagem. E está seria a última notícia segura que se teria da "oitava maravilha do mundo" por muito tempo. Depois disso, perderam-se todos os vestígios da Câmara de Âmbar no caos da guerra mundial. Nunca faltaram teorias extravagantes sobre o destino da obra: peritos de arte, caçadores de tesouros, agentes secretos, propagadores de teorias conspirativas e videntes presumiam que a câmara estivesse esquecida am algum depósito secreto, escondida em um cofre americano, nas minas de sal da região oriental da Alemanha, ou até apodrecendo no fundo do Mar Báltico. As últimas informações, porém, não deixam mais muito espaço para especulação: o editor e organizador de exposições Tete Böttger, de Göttingen, especialista na Câmara de Âmbar há longos anos, descobriu documentos que foram publicados em livros e documentários da TV alemã e que comprovam, com toda a certeza, que os rodapés do salão foram enviados de Königsberg para a universidade-irmã em Göttingen, para protege-los contra as bombas.
Em Göttingen, o tesouro foi armazenado com parte da biblioteca da universidade numa galeria das minas de potássio em Volpriehausen. Esta, entretanto, servia também de depósito de munição, e explodiu em 1945 com quase todo o material que armazenava. Além disso, segundo Böttger, teriam sido encontradas em arquivos russos provas de que o resto da câmara realmente se queimou durante o bombardeio de Königsberg. Em 1997, surgiu, de repente, em Bremen, um mosaico original da Câmara de Âmbar e, quase ao mesmo tempo, em Berlim, uma cômoda que sem dúvida pertencia à decoração da sala. Isso causou novas especulações e, mais uma vez, deu asas à imaginação dos caçadores de tesouros perdidos. Seja como for, a cômoda e o mosaico, ambos sem dúvida verdadeiros, foram entregues pelo então Ministro da Cultura, Michel Naumann, ao Presidente Putin - um gesto político na questão das obras de arte tomadas como butin de guerra e a primeira oportunidade para que a equipe russa de reconstrutores pudesse comparar seu próprio trabalho com um original após quase 20 anos de esforços.
O resultado é que os copiadores da câmara podem se dar por muito satisfeitos. Seu trabalho, baseado meramente em documentos de arquivos, fotos de 80 anos atrás. e não mais que dezenas de  plaquinhas de âmbar originais. Sua réplica do mosaico de pedras é semelhante ao original em seus mínimos detalhes. Os preparativos acríbicos durante anos e a minuciosa reconstrução, digna de um detetive, a pesquisa das técnicas dos antigos mestres e sua reaplicação, como a coloração do âmbar em mel fervente, o esmero da colagem dos mosaicos e da lapidação dos inúmeros elementos decorativos, anjos e guirlandas, tudo isso valeu a pena.
Podendo agora ser vista como réplica perfeita do mito de Tzarskoje Selo, a Câmara de Âmbar é também parte de uma história russo-alemã que deu certo. É verdade que o governo soviético havia decidido reconstruir o salão já em 1979. Mas devido à falta de verbas, os trabalhos foram interrompidos. Ao todo foram necessárias oito toneladas do material, que, aliás, foi obtido na mesma mina, próxima a Kaliningrado, como no século XVIII. No ano de 2000, a Ruhrgas AG, uma das maiores importadoras de gás russo na Europa, dispôs-se a ajudar financeiramente. Por um lado, devido às boas relações de longos anos com a Rússia, por outro lado, para presentear a si própria por ocasião dos 75 anos de fundação da empresa.

O resultado pôde ser apreciado por todos no Palácio de Catarina. A Câmara de Âmbar é também um grande presente para a humanidade.

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