Olga Mary (1891 - 1963) - Desmonte do Morro do Castelo |
Apesar de ter sofrido a ação, muitas vezes inconsequente, de seus "remodeladores", o Rio de Janeiro ainda é detentor de um patrimônio cultural de inestimável valor, que merece e precisa ser preservado. No entanto, a preocupação com a manutenção dos registros materiais e imateriais da cidade é muito recente, pois se inicia no final da década de 1970. Em 1979, por exemplo, houve a criação do Corredor Cultural, isso foi decisivo para que o casario antigo de dezenas de ruas do centro, onde se iniciou a construção da cidade, escapasse da destruição e, posteriormente, as Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (APACs) estenderam a proteção do patrimônio a outros bairros do Rio. Hoje, no entanto, com a febre de construções visando a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, não se observam, por parte da administração municipal, novas medidas que busquem a preservação do patrimônio da cidade.
Morro do Castelo e bairro da Ajuda vistos do Morro de Santo Antônio (1885) |
No início do século XX, a abertura da Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, revela a destruição de todo o casario da época da Colônia e do Império, substituído por prédios da Belle Époque, que, por sua vez, também já não mais existem; posteriormente, o desmonte do Morro do Castelo suprimiu do mapa o verdadeiro berço da cidade, levando de roldão a Fortaleza, o Colégio dos Jesuítas, o Seminário de São José, a Igreja de São Sebastião e o Observatório. Por sua vez, a abertura da Avenida Presidente Vargas, inaugurada em 1944, por um lado permitiu uma ligação direta entre a zona norte e o centro, porém acarretou, por outro, a perda de marcos expressivos da nossa história, como as setecentistas igrejas de: São Domingos, Senhor Bom Jesus do Calvário, e Nossa Senhora da Conceição, além da joia barroca que eram a igreja de São Pedro dos Clérigos. E também, em função do triste massacre, da Praça Onze, cujo nome persiste no imaginário carioca.
Isso tudo sem levar em conta a vida efêmera da maioria dos prédios construídos para abrigar os países e estados brasileiros participantes das exposições comemorativas da Abertura dos Portos, em 1908, na Praia Vermelha, e da Independência do Brasil, em 1922, na área ainda hoje denominada Castelo.
Outros edifícios de grande significado histórico e arquitetônico, cujos nomes permaneceram na memória como denominação dos logradouros onde se localizavam, como o Pavilhão Mourisco e o Palácio Monroe, constituem evidências dessa sanha destruidora.
O prefeito Pereira Passos mandou construir o Pavilhão Mourisco para marcar o fim da Avenida Beira Mar, que ligava o Centro do Rio à Zona Sul, projeto do arquiteto Alfredo Burnier. O pavilhão era coberto por cinco cúpulas, tinha duas escadas de mármore que davam acesso às varandas do primeiro pavimento. Nas colunas ao lado das entradas e no teto decorado liam-se numerosas inscrições árabes. Foi demolido em 1952, durante a administração João Carlos Vidal, para dar espaço para o Túnel do Pasmado.
O Palácio Monroe foi erguido em 1904, na grande exposição internacional em Saint Louis, nos Estados Unidos. O pavilhão do Brasil ganhou o primeiro prêmio pela beleza de sua concepção arquitetônica e, encerrado o evento, foi desmontado e transferido para o Rio de Janeiro. Sediou o Ministério da Viação, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Após intensas polêmicas e discussões, o prédio foi drasticamente destruído.
Morro do Castelo, Cais Pharoux e adjacêncas (1877) |
Polêmica. Essa foi uma das principais características da administração de Francisco Pereira Passos no Rio de Janeiro, entre 1902 e 1906. Não se pode negar que o prefeito deu novos rumos à cidade, nem que promoveu, de fato, um verdadeiro "bota-abaixo", tirando do caminho tudo aquilo que impedia a concretização de seus inovadores projetos. Seu maior desafio era organizar a urbanização, sanear e civilizar a capital da recente república. Inspirado na Belle Époque, em quatro anos de trabalho transformou o Rio em uma cidade cosmopolita.
Há cem anos, o casario colonial e, também, os cortiços deram lugar a um centro urbano moderno, com forma de capital. É verdade que o prefeito teve de enfrentar forte oposição, inclusive do Governo do Distrito Federal, para derrubar tantas construções, mas fato é que quase um milhão de habitantes viviam em uma cidade sem transporte, sem escoamento de água, sem programas de saúde pública e sem segurança nas ruas.
Cartão postal antigo do Palácio Monroe |
A fim de conseguir reordenar e aumentar a extensão da malha de circulação viária, o prefeito abriu uma série de ruas e alargou outras tantas. Para isso, grande quantidade de casas, comerciais e residenciais, foi derrubada. Lamenta-se ainda hoje as perdas de valor arquitetônico e histórico, e até sentimental, para o povo do Rio, mas, se ruas não tivessem sido alargadas naquela época, teria sido muito mais difícil fazê-lo depois. Pereira Passos inspecionava pessoalmente, e bem de perto, as obras da Avenida Beira- Mar, que começou a ser aberta logo no início de seu governo e ia do centro da cidade até o Morro da Viúva. Para o prefeito, a abertura de avenidas litorâneas permitiria o acesso eficiente de uma extremidade à outra da cidade, um notável sistema que foi reforçado posteriormente pelos túneis.
Vista do Centro e Igreja da Candelária (1885) |
Também, precisou ser extinto, posteriormente, o Largo de São Domingos, para a abertura da Avenida Passos, batismo que homenagou, postumamente, o ex-prefeito. As melhorias atraíram muitos comerciantes, mas não conseguiram extinguir a prática do baixo meretrício na região da Praça Tiradentes, o que perdurou até pouco tempo atrás.
A antiga Rua da Vala, atual Uruguaiana, precisou ser bem alargada e aterrada durante a gestão Pereira Passos. Abrigava as melhores lojas do início do século, mas meio lado da rua veio abaixo durante as obras, concluídas em 1906. A área hoje pertence a um Corredor Cultural, e ainda é possível ver, em muitas fachadas, a elegância neoclássica dos prédios comerciais.
A mudança mais evidente, e mais famosa no panorama do centro, surgiu com a abertura do Boulevard Avenida Central, ou Rio Branco, que começa na Praça Mauá e acaba na ligação com a Avenida Beira-Mar. Foi inaugurado em 1905, mas a maioria dos prédios, quando da inauguração, possuía somente as fachadas, que tinham de estarem prontas com a Avenida. Nesta, ergueram-se a Biblioteca Nacional e a Escola Nacional de Belas Artes, atual MNBA. Para a construção da Escola, o prefeito fez um corte no Morro do Castelo, a fim de assegurar uma largura de 33 metros para a Avenida. Muitos acharam que seria larga em excesso, mas face aos estressantes engarrafamentos, consideramos hoje a largura da rua insuficiente. No final da avenida existia o largo da Mãe do Bispo, que deu lugar ao Teatro Municipal, e este só ficou pronto em 1909.
Pavilhão Mourisco, construido por Pereira Passos para marcar o fim da Avenida Beira Mar, que liga o Centro a Zona Sul do Rio de Janeiro |
Colaboraram: Litiere C. Oliveira; Antonio Carlos Austregésilo de Athayde; Monique Cardoso.
Referências consultadas:
MALTA , A.; REBELO, Marques; BULHÕES, Antônio.
O Rio de Janeiro do Bota-Abaixo: Fotografias de Augusto Malta. PASSOS, Pereira; LENZI, Maria Isabel Ribeiro.
Pereira Passos: notas de viagens. Rio de Janeiro: Sextante
ARQUIVO Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ).
Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro.
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