Estátua fragmentada de Amon (detalhe) época libanesa, cerca de 800 a.C. |
Recente exposição sobre as últimas dinastias egípcias, realizada no museu Jacquemart-André, em Paris, trouxe a público, pela primeira vez, peças do ultimo milênio da história faraônica. Curador da exposição e Presidente da civilização faraônica do Collège de France, o egiptólogo Olivier Perdu transmitiu, nessa mostra, a sua paixão pela civilização egípcia tardia. Este período de invasões e comércio possui também um renascimento artístico brilhante. A exposição gira em torno de três pilares: o homem, o faraó e os deuses (e as diversas formas de representá-los).
1069-30 a.C. – Um milênio atormentado
Dinastias de origem núbia, persa ou macedônica reinaram no Egito durante o último milênio de sua história. O país permaneceu egípcio, contra todas as expectativas, e a arte faraônica permaneceu quase imune a essas rupturas.
O fato de que o Egito sofreu uma sucessão de dominações estrangeiras durante o último milênio de sua história, muito contribuiu para a sua decadência. Independentemente das eclosões representados por dinastias nativas, incluindo as dinastias XXVI e XXX, que reviveu a atividade artística, esta dominação tomou várias formas. Não se pode considerar as dinastias líbias (XXII-XXIV) como representantes estrangeiras de famílias sendo integrados na sociedade egípcia do período Ramesside. São soberanos diferentes da dinastia XXV, invasores provenientes do atual Sudão, que se impuseram militarmente, baseando-se no modelo cultural egípcio, que foi mesmo adotado em seu próprio país. Além disso, após duas dominações persas (a segunda foi mais fortemente sentida pela população), a chegada dos Macedônios é recebida com mais relevância ainda do que a dos Soberanos ptolomaicos que estão menos preocupados em impor costumes gregos, mas mantêm autoridade sobre todo o Egito para explorar melhor os recursos.
Ao contrário do que se poderia imaginar, as potências estrangeiras que dominaram o Egito não procuraram moldar a sociedade egípcia à sua imagem. Em razão de sua complexidade, a civilização egípcia tardia foi bastante negligenciada pelos egiptólogos, e mesmo hoje muito poucos parecem estar interessados no assunto. A partir dos anos 1960, no entanto, vários estudiosos brilhantes têm se dedicado ao estudo deste período, entre eles o francês Jean Yoyotte, o britânico Kenneth A. Kitchen, o belga Herman Meulenaere e o americano Bernard Bothmer, responsáveis pelos avanços dos últimos anos. Esses avanços aumentaram muito a nossa compreensão de fontes escritas, quer do Egito ou dos seus vizinhos, o que tornou possível definir o calendário, especificando a sucessão de reis - pré-requisito para qualquer análise estilística da produção artística. O que saiu de toda essa pesquisa, é especialmente a lacuna entre a situação real no Egito e a imagem que temos dos templos, verdadeiro conservatório de tradições que evoluem fora de seu ambiente. Nos templos, as influências externas tinham de fato pouco efeito sobre sua ornamentação. Mostram, ao contrário, uma renovação da produção artística. A produção de arte faraônica é marcada por tendências contraditórias. Obras se referem ao passado e inspiram outras de sua época; cabeças naturalistas ou realistas e numerosos exemplos idealizados coexistem. As tendências idealistas e realistas culmina com a célebre “cabeça verde” de Berlin, obra-prima do antigo Egito que enfim pode convencer o público de que o último milênio da história faraônica não é o de declínio artístico, muito pelo contrário.
Instabilidade política e militar, dominações estrangeiras, reconquista da independência e renascensa cultural: os destaques do Terceiro Período Intermediário e Período Tardio.
Máscara funerária de Ânkhemmaât, século IV a.C.- Necrópole tardia de Héracléopolis Magma. Coleção Particular |
Tanis Contra Tebas (1069-943)
Longe de ser uma ruptura brutal, o Terceiro Período intermediário é resultado de um declínio de centralismo monárquico que se agravou com Ramsés XI, último governante da XX dinastia e do Império Novo. O Faraó só tem autoridade nominal quando o general Payânkh, à frente das forças militares, e seu sucessor Hérihor endossar o cargo de sumo sacerdote de Amon; todas as decisões são ditadas pelo oráculo do deus de Tebas, que expressa sua vontade através dos movimentos de seu barco processional. O Alto Egito torna-se politicamente soberano. Herihor circunda o seu nome num cartucho enquanto Smendes inaugura a dinastia XXI em Tanis, no Delta. O glorioso Psousennès I o sucede. Imposto por seu pai Pinedjen I, pontífice de Amon que havia adotado o título real, Psousennès I transforma Tanis numa “Tebas do Baixo Egito”, dedicando-se ao mesmo culto (Amon, Mut e Khonsou), e instalando a sepultura dos reis e seus familiares, transferindo o monólito das distantes necrópoles de Tebas ou do mais próximo colosso de Pi-Ramsés, a antiga capital de Ramsés II. Mais tarde, entre os reis desconhecidos da dinastia XXI, nem todos pertenciam à mesma linhagem. Osorkon, o Velho era de origem libanesa. O rei construtor Siamon também iniciou o resgate das múmias reais do Novo Império caído que estavam escondidas no oeste de Tebas.
O Poder Líbio (943-722)
Mencionado e ilustrado no Antigo Império entre os povos estrangeiros trazendo seus tributos, os "bárbaros" das estepes da Líbia ocidental tornaram- se uma séria ameaça no Novo Reino. Esses criadores de gado, vítimas da desertificação, se transformaram em guerreiros formidáveis. Sob as ordens de Ramesside, os líbios derrotaram o clã Méchouech, sendo recrutados para o exército do Faraó. Eles se imporam no século X a.C,. e o seu líder, Sheshonq, tomou o trono, fundando a XXII Dinastia. Bubastis, no Delta Oriental, e Heracleópolis são os principais bastiões do poder descentralizado e distribuído entre os príncipes de sangue. Um sistema de governo que poderia explicar a manutenção das estruturas tribais. Os filhos de Sheshonq I, Osorkon I e Osorkon II exerceram as mais altas funções militares e religiosas. Ao confronto entre os Clãs pretendentes ao trono são adicionados a rivalidade entre candidatos ao sacerdócio de Tebas. No início do século VIII, o imbróglio político leva à divisão do país em dois reinos cujos respectivos centros são Bubastis ao norte e Tebas, no sul. Enfraquecido pela penetração de outra tribo e o crescente poder dos líderes locais, o reino do norte foi o primeiro a irromper em principados.
No Alto Egito, uma nova linhagem de reis (XXII dinastia tebana) só irá atrasar uma fragmentação fatal.
Estátua-cubo de Hor, época libanesa, reinado de de Osorkon III (791-763) - Templo de Amonem Karnak. Berlin |
Os faraós negros (722-655)
Definido pelo historiador egípcio Menéthon como etíope, a XXV dinastia vem do país de Kush. A atual Núbia sudanêsa, há muito colonizada e aculturada pelos egípcios que tinham feito a sua cidade Napata mais ao sul, sob a secessão de Ramsés XI. Cerca de 750 antes de nossa era, uma campanha militar triunfante foi realizada no vale do Nilo por Piânkhi, chefe do novo estado. Aposentou-se em Napata após a submissão aos líderes da Delta. Com Tebas segura, passou o cargo a sua irmã "Adoradora Divina de Amon", autoridade suprema do clero de Amon que possue prerrogativas reais. Seu irmão Shabaka, fundador da dinastia etíope, retomou as hostilidades e encerrou o reinado de Bacchoris, tornando-se o único soberano da dinastia XXIV. A autoridade real dos faraos negros parece ter enfraquecida: Chabataka, filho de Shabaka e seu sucessor Taharga, filho de Piankhi, teve que enfrentar o poderoso exército assírio e guerreiros do Baixo Egito, lutando pela hegemonia. A instabilidade política não impediu que os soberanos progetassem estátuas e relevos em modelos inspirados no Antigo e no Novo Império, como provam as inúmeras construções realizadas em Mênfis e em Tebas (O grande pátio e o templo de Amon de Taharga), bem como na sua região de origem, onde eles foram enterrado sob as pirâmides. Os egiptólogos notaram uma particularidade nas efígies reais: um uraeus duplo (cobra fêmea) simbolizando o poder do Egito e a terra de Kush adorna a frente das efígies.
O renascimenro Saïte (664-525)
Reunificar o Alto e o Baixo Egito: um grande sonho que Psammétique I provavelmente teria alcançado se tivesse a bênção do Clero e não houvesse a a intervenção estrangeira. Quarto rei da XXVI dinastia, de Saïs, no Delta, ele consegue o apoio dos assírios e a colaboração de mercenários gregos, depois de admitir sua filha Nitocris como alta sacerdotisa de Amon. Seus quatro sucessores (Néchao II, Psammétique II, Apriés e Amasis) conseguem manter esta unidade. Mas eles terão de enfrentar um terrível inimigo vindo do leste: o poderoso exército da babilônia, os persas liderador por Ciro, o Grande, com a intenção de destruir. Eles também irão enfrentar uma nova ameaça etíope. Enviado por Psamético II, um corpo expedicionário subirá o Nilo até Napata, capital dos faraós negros. O poder saïte vai se impor até o oásis do deserto líbio, especialmente em Dakar. A estabilidade do reino permite uma reorganização administrativa e militar. O crescimento econômico do período, tal como foi evidenciado pela quantidade de obras arquitetônicas realizadas em todo o país, beneficiando particularmente os comerciantes gregos que se instalaram em Naucratis. Levado ao poder por militares, Amasis provou ser um legislador inteligeste e inspirado o suficiente para atrair os louvores de Hérodoto: “Diz-se que, sob Amasis, o Egito era mais florescente do que nunca, tanto através de doações de terrenos na margem do Nilo, como de doações de outras terras para a população”.
Lápide de Payesheres, fim da XXVI dinastia (664-525), necrópole de Mênfis, calcário policromado,43 x 23 cm. Museu de Viena |
Invasões e resistências (525-332)
O sucessor de Ciro, o Grande, pode se orgulhar de ter integrado o império persa. No final do Período Saïte, o Egito não poderia ter sido mais próspero, de acordo com Heródoto, que viveu durante o reinado de Artaxerxes I, no meio do século V antes de nossa era. Se as tradições e religiões foram respeitados, os Grandes Reis adotaram o modelo econômico de exploração faraônica, causado vários levantes no reinado de Dario I, Xerxes I e Artaxerxes I I. Mas o país finalmente recuperou a sua independência. Entre os últimos soberanos de origem nativa, deve-se destacar Nectanebo I, fundador da XXX dinastia, e seu sobrinho Nectanebo II. Ambos os comandantes que sucederam ao trono tentaram ressuscitar a grandeza Saïte, impulsionando as atividades arquitetônicas nos templos, antes que Egito sofresse uma segunda invasão persa, mais devastadora do que a anterior, que durou apenas dez anos. O Ocidente agora imporia a sua lei.
De Alexandre, o Grande, a Cleópatra (332-30)
Em 332 a.C., o macedônio Alexandre, o Grande, conquistou a satrapia persa do Egito, após derrotar Dario III em Isso, na atual Turquia. Ele se proclamou faraó em Mênfis, em 331 e lançou a base do que seria o governo de Alexandre. A política de parceria com as elites persas e egípcias é implementada. A morte prematura de Alexandre, em 323 provoca o deslocamento de seu império. Com sua breve linhagem, Ptolomeu, filho de Lagos, um general de Alexandre, torna-se rei e cria a dinastia ptolomaica. Dois mundos se misturam durante três séculos: colonos gregos estão se estabelecendo em massa em algumas cidades, em Alexandria, Naucratis e Ptolomeu, à margem de uma população camponesa super explorada. Militares gregos fazem concessão de terra. Os primeiros Ptolomeus (Soter, Filadelfo e Euergetes) parecem bons administradores, eles sabem como conciliar as elites indígenas e reforçar a influência cultural de sua capital. Mas, este frágil equilíbrio não tarda a se romper. Ameaças externas, as intrigas da corte e a crise econômica acabam por fomentar um clima de rebelião. Revoltas ocorreu em Thébaida. Governantes gregos e suas “esposas-irmãs” adotam ritos e titulaturas hieroglífica dos faraós, constroem ou dedicam templos aos deuses do Olimpo associados aos do Nilo. Os governantes não conseguem restaurar a calma. A saga dos Ptolomeus terminou com a fatal Cleópatra VII que tenta, em vão, manter o poder. No ano 30 a.C., o império Romano anexa o Egito.
Estátua de bronze da senhora Tachéretptah, XXV dinastia (722-655). Coleção particular |
Templos e tumbas
Nas dinastias do último milênio, membros da elite configuram suas efígies nos santuários, visando desfrutar melhores ofertas diárias feitas ao deus. Faces são individualizadas, materiais, atitudes, roupas e acessórios são diversificadas. Na civilização Egipcia tardia, os espaços dos sepulcros são limitados, não podem mais fazer o túmulo equivalente aos bens terrestre do falecido. Mas o dispositivo para garantir a sua proteção e sobrevivência na vida após a morte continua através de alguns objetos selecionados. Os principais sítios arqueológicos que forneceram dados para a exposição foram os de Alexandre, Bubastis, Hermópolis, Mênfis, Napata, Saïs, Tanis e Tebas, entre outros. Peças impressionantes foram reunidas e muitas delas apresentadas pela primeira vez, algumas de coleções particulares. Muita coisa veio da Alemanha, da Inglaterra e dos EUA. Obras importantes do mundo da arte, que foram organizadas e apresentadas para respeitar uma lógica cronológica e temática.
Fonte: Museu Jacquemart-André, textos de Jean-Michel Charbonnier e
Dominnique Banc
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