O Impressionismo e a Moda no Museu d’Orsay

ALBERT BARTHOLOMÉ – Madame Bartholomé (1881), ost 233 x 142,5 cm

Vestido de verão de 1880 usado pela sra. Bartholomé

No momento em que a mostra Impressionismo: Paris e a modernidade, Obras-Primas do Acervo do Museu d'Orsay de Paris, França provoca filas imensas, primeiro em São Paulo e agora no Rio de Janeiro, uma maravilhosa exposição acontece no templo da pintura impressionista: O Impressionismo e a Moda.

Obras de artistas como Manet, Degas, Monet, Renoir, Bazille e Caillebotte e roupas e acessórios antigos, em fotos ou fisicamente, são apresentados lado a lado na mostra do Museu d’Orsay. Muitos trajes são os mesmos usados pelas pessoas que aparecem nas pinturas de mais de um século atrás. A mobilidade das silhuetas, ampliadas por jogos de luz sobre os têxteis, reconstitui a atmosfera da época. A cenografia é assinada pelo diretor de óperas Robert Carsen.

A exposição O Impressionismo e a Moda coloca uma lente de aumento na moda em Paris na segunda metade do século XIX. Compara os impressionistas com a moda do seu tempo, revela como sua pintura absorveu a influência do vestuário contemporâneo e como registrara o comportamento da época. Desde o despertar até os momentos de gala na noite parisiense, a burguesia clássica usava até seis roupas por dia. Mas os artistas da “nova pintura”, como o impressionismo era chamado na época, não se limitavam apenas às burguesas, pintando também as mulheres comuns, como as vendedoras e garçonetes.
A mostra foi organizada pelo Museu d’Orsay em parceria com dois dos maiores museus de arte dos Estados Unidos, o Metropolitan de Nova York o Instituto de Arte de Chicago. Os curadores são Philippe Thiébaut (curador geral), Guy Cogeval (presidente dos museus d’Orsay e de l’Orangerie), Susan Alyson Stein (Metropolitan) e Gloria Groom (Chicago). Foram reunidas mais de 70 pinturas e cerca de 40 peças de vestuário de um período que vai de 1860 a 1885. A exposição foi dividida em cinco módulos: Sortir en ville (Ir à cidade), Tenues D’intérieur (Trajes de casa – interior), Les hommes et la mode (Os homens e a moda), Sortie le soir (Sair à noite) e En plein air (Ao ar livre).

Ir à cidade



GUSTAVE CAILLEBOTTE – Rue de Paris; temps de pluie
(1877), ost 212 x 276

Philippe Thiébaut explica que Paris deve sua cara de capital moderna a Napoleão III e ao prefeito do departamento do Sena, Georges Eugène Haussmann. Entre 1855 e 1858 foram construídas duas grandes avenidas, uma atravessando Paris de norte a sul - o bulevar de Sebastopol prolongado pelo bulevar de Saint-Michel , outro de leste a oeste, a rue de Rivoli ligando a Place de l’Étoile a Place de la Bastille. Os bulevares interiores existentes foram completados por novas avenidas, a exemplo do bulevar Saint-Germain. Todas são arborizadas, dotadas de largas calçadas e ladeadas por edifícios monumentais. Jardins e praças se multiplicam e foram criados bosques e parques.

Essses trabalhos de urbanismo – conta Philippe - trouxeram um novo estilo de vida e novos padrões de comportamento em toda a cidade. A literatura fornece maiores detalhes de como as pessoas se comportavam na grande cidade. Como “La Curée” (1871) de Émile Zola que abre com o brilhante desfile de carruagens e de seus ocupantes vindos de uma bela tarde de outubro no lago do Bois de Boulogne: “Ela usava, sobre uma roupa de seda roxa, com avental e túnica, guarnecida de largos panos plissados, um pequeno casaco de pano branco, forrado de veludo roxo (...). Esta renovação da imagem da cidade convida os artistas a sairem de seus ateliês. Sedentos de modernidade, os impressionistas se tornaram pedestres e flâneurs para melhor se impregnarem desta atmosfera e observarem os costumes de uma população numerosa e diversa.

Édouard Manet fica literalmente fascinado pela cidade em transformação na qual se cruzam burgueses e operários, elegantes e meretrizes. Claude Monet, fica maravilhado por esta nova Paris, fazendo seus os espaços liberados por Haussmann, em volta do Louvre, antes da construção dos grandes bulevares e da gare de Saint-Lazare. Gustave Caillebotte poderia ser encontrado nas primeiras lojas. Com efeito, seu pai construiu uma mansão perto do bulevar Malesherbes e da Place de l’Europe, onde o artista pintou uma série de quadros no final dos anos 1870.

Nos seus quadros, os impressionistas representavam instantâneos da vida moderna, pedaços da vida, tipos da sociedade contemporânea que se mostravam ao olhar. De acordo com os manuais do saber-viver e dos tratados de elegância, a sobriedade do vestuário e dos complementos se impõem tão logo a mulher vai para a rua Esta indumentária que ela passa a usar nas suas caminhadas e visitas, imperiosamente complementada por um chapéu e por luvas, de acordo com um guia de 1859, caracteriza-se “pela simplicidade e uma espécie de castidade”. Saber caminhar, cuidados com o vestido e os sapatos, saber se prevenir dos gestos dos passantes descuidados, tudo isto constitui uma arte que distingue a parisiense de outras mulheres. A Parisiense, pintada sob os traços da atriz Ellen André por Manet em meio aos anos 1870, segurando cuidadosamente a cauda do vestido com a mão esquerda, deixando aparecer a ponta de uma botina, testemunha este belo comportamento. A obra que dá uma excelente ideia da rua parisiense dos novos quarteirões burgueses é seguramente Rue de Paris; temps de pluie de Caillebotte (foto). As vestimentas escuras dos passantes contrastam com a pedra cinza claro dos novos edifícios. As silhuetas masculinas se sobrepõem às femininas que em sua maioria deixam para trás o mundo doméstico. E os guarda-chuvas também lembram a utilidade deste acessório sob o céu parisiense.

Françoise Tétart-Vittu, um dos autores da exposição (o outro é o curador Philippe Thiébaut), explica que no tempo dos impressionistas, os preços praticados por todo o vestuário da moda eram praticamente iguais em todos os bairros. Havia numerosos jornais especializados que ilustravam as criações das oficinas, modistas, alfaiates, lojas e os ateliês de novidades. A partir do modelo da casa Worth, criada em 1858, de renome internacional, nos anos 1875-1885, dá-se a proliferação das casas de alta costura e de alfaiates célebres.


Trajes de casa

PIERRE AUGUSTE RENOIR – Portraire de Madame
Charpentier et de sés enfants (1878), ost 153,7 x 190 cm

É o mesmo Françoise Tétart-Vittu que nos fala sobre os trajes usados em casa. Diz ele que os impressionistas procuraram apresentar a mulher no interior de sua casa com uma roupa matinal, no jardim, ou com roupa de tarde mais elegante para receber em seu salão. No inverno, os vestidos são de lã e os fabricantes inventam conjuntos estampados com motivos de cachemira, como os xales. Existem dois retratos feitos por Pierre Auguste Renoir de Camille Monet, vestida com um roupão desse tipo, azul com grandes motivos de cachemira na frente. No verão, os roupões de musseline com grandes mangas flutuantes fazem maravilha sob o pincel de Renoir, Monet ou Berthe Marisot, e a tranparência da musseline um jogo sutil de sombras sobre as dobras de tafetás amarelos ou azuis. Para essas roupas de interior, têm preferência os algodões leves, enfeitados por finas riscas, flores, bolinhas ou fitas. As roupas brancas não podem ser usadas para passeio nas ruas onde é preciso se vestir casaco, xale, chapéu e sombrinha. Confortáveis de usar, as vestes sem corpete são roupas “de négligé” que as amigas dos pintores gostavam de vestir em festas campestres familiares, para ficar no jardim ou ler sob as árvores. Manet representou Berthe Marisot no balcão com uma dessas roupas leves com largas mangas em musseline, enquanto a seu lado, Fanny Claus usa um desses pequenos costumes curtos tão práticos para andar nas ruas da cidade. A mulher de Manet, sentada, sobre um canapé, veste praticamente a mesma roupa, a blusa cintada por uma fita. Naturalmente, essas roupas leves, eram usadas por ocasião do calor do verão.

Para as estações menos clementes e para receber amigos para o chá, hábito inglês que se desenvolvia, era conveniente usar roupas de cidade, às vezes, muito elegantes, em seda, guarnecida de panejamentos e rendas, o que era a última moda e demandava um conhecimento de uma modista. Essas roupas podiam eventualmente ser usadas na saída para o teatro ou jantares onde se ia de carro, mas envoltas em uma capa ou xale.

A silhueta da mulher é formado por dois acessórios característicos: o

espartilho que afina a cintura e o sutiã que destaca o peito.

Para combater as marcas na pele, a mulher coloca uma camisa por baixo. Ela iria esconder o espartilho sob uma peça de lingerie. Sobre suas pernas, ela usava meias presas por ligas no joelho, e uma saia com babados equipada com cordas para segurar . Às vezes, a cauda saía e a parte inferior seria destacável.

Sair à noite
PIERRE AUGUSTE RENOIR – Danse à la ville
(1882-1883), ost 179 x 90 cm

Na época dos impressionistas, ao se vestir para um baile, uma noite na ópera ou teatro, toda ousadia era permitida à mulher. Para a noite, sob as luzes da rua ou dos candeeiros a gás - e ampliado pela moda - a beleza das mulheres torna-se completamente deslumbrante. A silhueta sinuosa com saias longas, os ombros descobertos e o rosto maquiado, emoldurado por um estilo de cabelo complicado, complementado por um decote amplo e muitas vezes quadrado. Havia uma série de roupas para cada grupo de idade e situação. Um vestido para participar de um banquete era bastante diferente de um vestido de baile e um vestido para uma estréia na ópera seria usado com um chapéu, que precisava ser pequeno, para não bloquear a visão dos vizinhos. Anáguas eram usadas para armar os vestidos, que eram rebaixadas na frente, enquanto a parte traseira era inflada com almofadas. Vestidos de jantar e teatro não eram geralmente muito decotados, nem se usava despir os ombros, usando-se mangas três-quartos ricamente decorados à mão - ou rendas feitas na máquina, e qualquer costureiro poderia obter nas lojas uma vasta gama de adornos: pregas, listras, e franjas de duas cores enroladas.

Para a noite de gala na ópera, o vestido poderia ter um decote redondo, o cabelo seria decorado com flores ou joias, ou outros acessórios. As cores escolhidas para estas peças de vestuário eram variadas, não sendo determinadas as preferências ao longo do tempo. As cores também variavam dependendo do gosto e da idade do cliente. Cor de rosa, azul e branco eram cores escolhidas pelas mulheres. O gosto pelo preto, comum em trajes na cidade, também foi encontrado em vestidos de noite, sendo considerado elegante, como no retrato Madame Charpentier et de sés enfants, de Renoir. No verão, após a grande voga para o manto de seda durante 1865-70, passou a ser usado um lenço amarrado à moda de Maria Antonieta

Os homens e a moda
FRÉDÉRIC BAZZILLE – Pierre Auguste Renoir (1867), ost 61 x 50 cm.
Os dois pintores dividiram um studio e pintaram retratos um do outro

"Os impressionistas, apaixonados pela modernidade, se interesam pela moda, fenômeno que estava nessa época em pleno auge, com o desenvolvimento das revistas especializadas e das grandes lojas", disse Gloria Groom, curadora da exposição.

A presença masculina é marcante na pintura impressionista. Inicialmente nas pinuras se sobressaem grandes áreas de preto e cinza com manchas brancas. Para apreciar apenas em que medida o impressionista conseguiu reproduzir a silhueta e o comportamento do morador da cidade, apesar das dificuldades decorrentes da visão, temos de nos lembrar como foi realmente a moda masculina.

O esboço geral e as cores de roupas masculinas mostram grande estabilidade. Ainda relevante durante as décadas que antecederam à Primeira Guerra Mundial, era este o comentário no Journal des modes d’hommes em janeiro de 1867: “Considere atentamente um cavalheiro muito inteligente de acordo com o gosto do nosso tempo, vestindo um casaco solto, e examine de perto as várias partes de sua roupa de baixo para cima: dois tubos retos contêm as pernas a se perder em um tubo coletor, dos quais dois anexos escapam, de novo com a forma de tubos em que os braços são colocados, e a coroa do edifício, uma calha que chamamos um chapéu”. Dez anos mais tarde, Louis Ulbach’s no Guide sentimental de l’étranger dans Paris foi cheio de conselhos para qualquer indivíduo do sexo masculino que desejasse passar como um verdadeiro parisiense e deslizar "para o meio-tom geral em que se move em Paris a alma espiritual ”.

Depois de muitas recomendações, que foram lentamente seguidas, os homens passaram a usar cores claras, uma roupa mais casual, como o demi-toilette de Monet que oferece um exemplo luminoso com o seu Homme à l’ombrelle, retrato de Victor Jacquemont (foto). Esta é a figura representativa que transmite um ideal masculino de urbanidade para os impressionistas na busca pela modernidade.

Ao ar livre
FRÉDÉRIC BAZZILLE – Reúnion de famille (1867), ost 152 x 230 cm
Dois grandes manifestos da pintura impressionista, ambos executados por Monet em 1865-67, glorifica a felicidade momentânea e fugaz beleza de um dia de verão. Primeiro pintou Le Déjeuner sur l’herbe na Floresta de Fontainebleau, em Chailly, e em seguida, Femmes au jardin, executado nos subúrbios de Paris, em Ville d’Avray (fotos ao lado). Com esta escolha de temas, Monet ficou à altura dos mestres da pintura ocidental: como integrar o tamanho real das figuras em uma paisagem. Ele escolheu para retratar, não os personagens mitológicos ou históricos, mas seus próprios contemporâneos, que passaram a ser elegantes moradores anônimos da cidade vestindo as últimas modas. Para retratar os diferentes protagonistas que entram na composição de Le Déjeuner sur l’herbe, o pintor usa duas pessoas: sua companheira Camille Doncieuxe e seu amigo, também um pintor, Frédéric Bazzille.

No entanto, enquanto Le Déjeuner sur l’herbe aparece como a descrição objetiva de uma cena ao ar livre (um piquenique), um momento de relaxamento de pessoas elegantemente vestidas, Femmes au jardin, ao contrário, produz uma sensação de sonho que, apesar das roupas,os afasta da realidade. É o desejo de pintar este jogo de luz, transmitindo transitoriedade e vitalidade, que acometeu os impressionistas, de abandonar qualquer pensamento de precisão e laboriosamente transcrever os detalhes do vestido, preferindo pinceladas amplas e pequenos toques, para mostrar a renderização da textura do tecido, e para o jogo de luz e sombra, utilizar o chiaroescuro, ou a luz solar ofuscante.

O quadro La Balançoire, de 1876, de Renoir, passa a impressão que eles estão felizes, estas são as últimas palavras que vêm à mente de qualquer um que vê esse quadro encantador.

A exposição O Impressionismo e a Moda no Museu d’Orsay, em Paris, fica em cartaz até o dia 20 de janeiro de 2013 e depois deve ir para o Metropolitan Museum de Nova York. Além de quadros, fotos, roupas e acessórios, a mostra também exibe cartazes, anúncios e publicações de jornais e revistas da época.

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