Mary Blume
de Paris
O visitante vira à direita na altura da escultura
"Vitória da Samotrácia", segue os cartazes que trazem uma seta sobre
a face familiar e logo chega à sala superlotada, na qual, de frente para o
grande e ignorado "As Bodas de Caná", de Veronese, ela se encontra,
embutida em uma parede de concreto e protegida por duas camadas de vidro
laminado a prova de balas: a Mona Lisa.
Os grupos sempre têm no mínimo 12 pessoas sem expressão e
silenciosas. O silêncio sugere mais vazio do que veneração. Todos já a viram em
propagandas, em cartões postais engraçados e em produtos que vão de chocolates
a "mouse pads", de forma que não há de fato uma necessidade de olhar
o quadro.
Na verdade, o objetivo do visitante - e isso fica evidente -
não é apreciar a Mona Lisa, mas poder dizer que a viu. Ela não passa de uma
parada em uma rota turística. "Não dá para ver o Louvre inteiro, já que
existem mais de 6.000 objetos em exibição. Assim sendo, o turista vê uma única
coisa. É como se fosse uma peregrinação", diz o historiador Donald
Sassoon, que passou dois meses observando as pessoas que olhavam a Mona Lisa, e
um ano e meio escrevendo o livro sobre como ela se tornou a pintura mais famosa
do mundo.
Professor de História Comparativa da Europa na Universidade
de Londres, Sassoon nasceu no Cairo e estudou na Europa e nos Estados Unidos.
Ele esteve em Paris para fazer uma pesquisa sobre a história do capitalismo,
lançou um livro sobre Mussolini em dezembro e anos atrás dedicou 1.660 páginas
à obra The Culture of the Europeans
("A Cultura dos Europeus"), um projeto de dez anos que descreve o
desenvolvimento dos mercados culturais na Europa desde 1800.
Sassoon conta que pretendia dedicar um parágrafo ao
marketing da Mona Lisa, que seria um exemplo de como um artefato da alta
cultura pode tornar-se popular. O parágrafo virou uma página, duas páginas e,
em 2001, acabou tornando-se um pequeno livro, "Becoming Mona Lisa: The
Making of a Cultural Icon" ("Tornando-se a Mona Lisa: A Fabricação de
um Ícone Cultural").
Ela demorou muito tempo para atingir este status. Mesmo no
início do século 19 o valor do quadro era estimado pelo Louvre em 90 mil
francos, um preço bem inferior ao de "A Bela Jardineira", de Rafael
(400 mil francos). A técnica e a composição revolucionárias de Leonardo, assim
como os mistérios que cercam o quadro (Por que não se encontrou nenhum esboço
preparatório? Por que Leonardo sempre mantinha a pintura consigo?) foram todos
resumidos em um enigma: o sorriso da Mona Lisa.
Giorgio Vasari, um quase contemporâneo de Leonardo, nunca
viu a pintura, mas em 1547 mencionou o sorriso ("mais divino do que
humano"), dedicando menos espaço a este do que às sobrancelhas da Mona
Lisa (cuja pouca espessura surpreenderia mais tarde Stendhal e George Sand).
Segundo ele, a modelo seria Lisa, mulher de Francesco del Giocondo. Na França a
pintura é chamada "La
Gioconda".
Foi a França que tornou "La Gioconda" famosa,
embora isso tenha demorado muitos anos. Leonardo levou com ele a pequena
pintura (ela mede apenas 77 por 53 centímetros) até a corte de Francisco I,
onde morreu, supostamente nos braços do rei (embora François estivesse ausente
no momento). Parte da coleção real, a Mona Lisa ficou dependurada em uma
galeria lateral modesta em
Versalhes. Em 1750, quando os 110 melhores trabalhos da
coleção de Versalhes foram exibidos para uma platéia altamente selecionada, a
Mona Lisa não estava entre eles.
Com a Revolução Francesa, a coleção real foi transferida
para um novo museu no Palácio Louvre, no qual a Mona Lisa tornou-se apenas
parte de uma grande quantidade de quadros pendurados nas paredes do Salon
Carré.
Se, conforme afirmou Andrés Malraux, os museus não se
limitam simplesmente a exibir obras de arte, mas a criá-las, Sassoon acrescenta
que é preciso escrever sobre elas, fazer propaganda, a fim de que atinjam uma
condição icônica. E, em meados do século 19, na França, mais do que em qualquer
outro lugar, homens e mulheres de letras escreviam bastante sobre as artes.
Segundo Sassoon, a Mona Lisa foi reposicionada, poder-se-ia
até dizer que renomeada pelo poeta e respeitado crítico de arte Théophile
Gautier, que se referiu a ela como sendo uma esfinge perturbadoramente
sorridente ("a boca sinuosa, serpentina, voltada para cima nos cantos, em
uma penumbra violeta") e a transformou em figura da moda das décadas
seguintes: a femme fatale. "Essa
pintura me atrai, me comove, me consome, e sigo em direção a ela, apesar de mim
mesmo, como o pássaro segue em direção à serpente", afirmou o historiador
Jules Michelet.
Do outro lado do canal, Ruskin desprezou Leonardo,
chamando-o de autor de "alguns borrões apagados", mas em 1869 Walter
Pater escreveu aquela que é sem dúvida a passagem mais famosa da crítica da
arte ("Ela é mais antiga do que as pedras sobre as quais se encontra;
assim como o vampiro, ela já esteve morta diversas vezes..."), um trecho
tão influente que, em 1973, o historiador Kenneth Clark relembrou: "Há 50
anos nós todos já a conhecíamos de cor".
A Mona Lisa não podia mais ser ignorada, mas se ela virou um
ídolo, foi somente em 1911 que o quadro tornou-se verdadeiramente popular. O
incidente ocorrido naquele ano foi o roubo da obra por um italiano confuso
chamado Vincenzo Peruggia, um fato ao qual a imprensa popular em ascensão deu
ampla cobertura. O jornal "Le Petit Parisien" (com a sua tiragem de
1,4 milhão de exemplares) alegou que ela era parte da herança nacional
francesa. O seu sorriso foi mencionado em quase todas as edições. Houve
charges, cartões postais, e até mesmo um curta-metragem que foi visto por
Kafka.
Os italianos, que até então não tinham interesse pela
pintura, adquiriram subitamente uma consciência a respeito "da sua Mona
Lisa" quando Peruggia a deixou na Galeria Uffizi, e ela foi devolvida, com
grande cerimônia, ao Louvre, em 1914. No ano seguinte, chegou ao mercado a
Gioconda Acqua Purgativa Italiana, um laxante que, segundo se dizia, curaria
também a malária.
De acordo com Sassoon, o roubo significou uma grande
ascensão na carreira do quadro. O próximo grande passo só ocorreu em 1962,
quando ela visitou os Estados Unidos. "À época havia o uso sistemático da
propaganda, de forma que o objeto era visto praticamente toda semana e todo
mês", diz Sassoon.
A Mona Lisa seguiu para os Estados Unidos de primeira classe
no SS France, dentro de uma caixa flutuante e à prova d'água, já que o
presidente Charles de Gaulle, devido ao apelo de Malraux, achou que ela
suavizaria as perigosas relações franco-americanas. Ao final da turnê
norte-americana, a Mona Lisa havia sido vista por 1,6 milhão de pessoas. A
seguir houve viagens do quadro à União Soviética e ao Japão, e àquela altura a
arte do merchandising já estava a todo vapor no mundo inteiro.
A grandeza da pintura tornou-se secundária em relação à sua
fama. "A universalidade não é inata; ela exige um suporte de
marketing", argumenta Sassoon. "Isso não quer dizer que a qualidade
também não prevaleça. Significa simplesmente que se algo como a Mona Lisa for
pintado por um búlgaro e a pintura permanecer na Bulgária, ela não encontrará
mercado. O quadro precisa ficar em um lugar como Paris".
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