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Inhotim mira a classe C


Maior centro de arte do país completa dez anos com novos
pavilhões e ações sociais para atrair público além da elite

Por Audrey Furlaneto

Passa de meio-dia, e Bernardo Paz está sentado sozinho à mesa do restaurante Tamboril, em Inhotim. Fuma calmamente um cigarro e até parece alheio a uma família que, numa mesa próxima, tenta entender o mapa do parque enquanto ajeita os tênis de caminhada, bonés e celulares coloridos rumo à exploração do maior centro de arte contemporânea do Brasil.

Paz se levanta, cumprimenta a repórter e pula introduções, já inflamado:
- Olhe em volta: Inhotim não é elitizado! É um lugar para as classes B, C e D! - diz o dono do empreendimento milionário em Brumadinho, a cerca de 60 Km de Belo Horizonte, em Minas Gerais.
O parque criado por Paz em 2002 (e então "visitável" apenas por convidados) chega aos dez anos com um foco quase oposto ao de sua inauguração: a mira, agora, é a tão falada nova classe C.
- No Brasil, esse é um caminho quase obrigatório, porque 80%, 90% da população são classe C - calcula Paz (segundo os últimos dados da Pnad, são 55%). - Você tem que partir para esse lado.
Aberto ao público em outubro de 2006, Inhotim recebeu 247 mil visitantes no ano passado (mais do que o dobro de 2007). Desses, cerca de 70% já são da classe C, afirma o empresário. A estimativa é que, neste ano, o parque receba 400 mil pessoas. Para atrair o público, Inhotim amplia ações sociais e programa uma série de aberturas em 2012, incluindo os pavilhões de Lygia Pape e Tunga, que serão inaugurados no dia 6 de setembro. O de Lygia, feito só para a abra "T-téia", de 2002, tem projeto arquitetônico do escritório Rizoma, gerido por Virgínia Paz (irmã do empresário). A instalação de fios dourados que saem do teto rumo ao chão fica numa galeria em que o visitante tem de caminhar alguns metros praticamente às cegas até chegar ao delicado jogo de luz do trabalho.
Longe dali, na mata, está quase finalizado o imenso pavilhão de Tunga, um dos primeiros artistas da coleção de Inhotim. Com área de 2.600 metros quadrados e paredes de vidro, o prédio é elevado do chão e parece flutuar próximo a copa das árvores. O projeto - assinado por Maria Paz, de 26 anos, sobrinha do empresário, e Thomaz Regatos, de 31 anos, ambos do Rizoma - teve supervisão de Tunga.

Pavilhão dedicado a Tunga terá 2.600 metros quadrados e paredes de vidro
Com três andares (incluindo o subsolo para videoinstalações, em que, revelam os arquitetos, o artista deve instalar até um serpentário), o prédio fica pronto em 40 dias e, então, será recheado com quase 30 abras, como a instalação "Palíndromo incesto" (1990-1992).
Haverá ainda um novo espaço, para "Now let's play to disappear" (2002), do cubano Carlos Gariacoa. Sua videoinstalação com velas será montada em caráter permanente no prédio onde era o estábulo da antiga fazendo de Inhotim. A espanhola Cristina Iglesias também terá espaço para criar o site-specific "Vegetation Room Inhotim". Entre as árvores da mata, ela vai construir um prédio espelhado por fora e coberto por uma textura que lembra vegetação por dentro. O público poderá caminhar pelo trabalho.
Das 18 galerias existentes atualmente, uma, a Mata, terá obras trocadas. Entram trabalhos de Renata Lucas, Leon Ferrari e Eduard Krasinski, entre outros. A única que permanece no pavilhão é "Seção diagonal" (2008), de Marcius Galan.

O paisagismo sugerido por Burle Marx se manteve pelas mãos de Pedro Nehring,
Luiz Orsini e Eduardo Gonçalves, acompanhados por Bernardo Paz
Estrada, aeroporto e tranquilizantes
Para 2013, haverá ainda dois pavilhões imensos do dinamarquês Olafur Eliasson. Um deles será redondo, como um relógio do sol, com parte sob a terra e 15 metros de diâmetro. A fotógrafa Cláudia Andujar também terá uma galeria própria, dedicada a sua trajetória com os índios yanomani, que registra desde os anos 1970.

A instalação True Rouge, do pernambucano Tunga, vai para o novo pavilhão dedicado ao artista
As ações para levar a classe C ao crescente percurso de obras de arte foram ampliadas neste ano. No início do mês, por exemplo, o instituto criou o programa Inhotim para Todos, que disponibiliza ingressos gratuitos, transporte e até almoço para visitantes. Proliferam também convênios com escolas públicas de Brumadinho e de Belo Horizonte, que permitem o acesso gratuito de mais de 500 crianças por dia no instituto.
Inhotim tem ainda programas sociais em comunidades quilombolas de sua vizinhança. Lá, assistentes sociais e educadores criam projetos de geração de renda e organização comunitária. Boa parte da mão de obra do parque, que tem, entre outros funcionários, 90 jardineiros, vem dessas comunidades.
Os planos do dono do empreendimento incluem construir um loteamento em terras vizinhas a Inhotim. Ele diz que tenta vender outro negócio ( de cerca de US$ 200 milhões) para comprar os 300 hectares de terra onde pretende construir 3.000 casas populares. Lá, exemplifica, poderá morar "o caseiro de um condomínio rico" nas redondezas de Inhotim.
"T-TEIA" de Lygia Pape, novidade de Inhotim
- Sempre me preocupei com o social. Meus pais eram de comunidade de base, tinha retrato de Che Guevara na minha casa. Não sou milionário, todos os meus recursos estão aqui dentro - diz o empresário, que costuma repetir a última frase nas entrevistas que dá.
Logo na entrada de Inhotim, surge o esqueleto de uma pousada que ele planeja inaugurar em 2013, com 40 bangalôs. Inicialmente no projeto, um restaurante de luxo concebido por Alex Atala não será mais erguido. Mostrou-se inadequado à ideia da pousada.
Para "quem puder comprar", como diz o empresário, serão feitos 300 lofts na região. O governo de Minas faz licitação para que uma empresa desenvolva o projeto de estrada que vai ligar mais facilmente Belo Horizonte a Inhotim. Paz diz que já obteve autorização para construir um aeroporto na região - hoje, o visitante pode levar duas horas para ir do aeroporto de Confins ao parque.
“Desvio para o vermelho”, de Cildo Meireles, desde 2006 no Inhotim
- Estou cansado de ser chamado de excêntrico - reclama ele, pouco antes de se vangloriar por ter comprado "T'téia" por algo como US$ 200 mil e ver hoje a obra estimada em 4 milhões de Euros. -Não me considero dono de nada. Trabalho feito um cão, fumo feito um diabo, durmo com tranqüilizantes, acordo com antidepressivos, tomo remédio para o coração, mas as coisas aconteceram para mim.
Bernardo Paz: “Trabalho feito um cão, fumo feito um diabo,
durmo com tranqüilizantes, acordo com antidepressivos, tomo
remédio parao coração, mas as coisas aconteceram para mim

Da Agência O Globo para A Relíquia

Um comentário:

  1. Cuide mais de você para que vivas mais junto ao seu marvilhoso projeto!!!

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