A
rivalidade entre os Estados Unidos da América (EUA) e a hoje extinta
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS (1922-1991), o
afastamento cultural e os conflitos da Guerra Fria (1945-1991), nada
disso impediu que os norte-americanos se apaixonassem pela arte de
Peter Carl Fabergé (1846-1920). Durante mais de cem anos,
colecionadores norte-americanos gastaram fortunas e empenharam-se em
adquirir, em qualquer lugar do mundo, peças da joalheria Fabergé.
Ovo de Páscoa imperial
Catarina a Grande. Ouro, diamantes, pérolas, esmalte.
Alt. 11 cm. Presente de Nicolau II à sua mãe. 1914. Hillwood Museum, Washington, D.C |
O
gênio extraordinário de Peter Carl Fabergé e a inexcedível arte
dos objetos feitos em suas oficinas exerceram sempre especial apelo,
também, para norte-americanos visitantes de museus. O caso de amor
entre o público norte-americano e a arte de Fabergé foi
primeiramente documentado por Christopher Forbes em 1987, e depois
por Saul Schaffer em 1994, ambos conectados, atentos a exposições
no exterior da arte de Fabergé.
Milhares
de pessoas fizeram fila para apreciar “Fabergé in America”,
a última grande exposição itinerante realizada nos EUA, exibida
nos seguintes museus, nesta ordem: Metropolitan Museum of Art (New
York, NY), Fine Arts Museums of San Francisco (San Francisco, CA),
Virginia Museum of Fine Arts (Richmond, VA), New Orleans Museum of
Art (New Orleans, LA), The Cleveland Museum of Art (Cleveland, OH).
A mostra foi organizada pelas instituições de São Francisco e de
Virginia (esta última guarda a grande coleção de Lílian Thomaz
Pratt formada durante os anos de 1930 a 1940). A exposição “Fabergé
in America” representou um marco incomparável de cooperação
entre os museus participantes.
Ovo de Páscoa Imperial Napoleônico - Ouro, esmalte, diamantes, platina, marfim, veludo e seda. Alt. 11,5 cm. Presente do czar Nicolau II para sua mãe. New Orleans Museum of art |
“Fabergé
in America” foi a primeira exposição representativa dedicada
aos extraordinários objetos de arte, prata e joias trabalhados pelo
ourives e joalheiro russo Peter Carl Fabergé, e acumulados por
colecionadores norte-americanos em mais de um século. Além de focar
a arte dos objetos de Fabergé, essa exibição fomentou a história
social do colecionismo dos EUA em relação à crescente fascinação
pela arte do período da Rússia imperial. Observadores e o público
em geral puderam acompanhar a interação entre colecionadores
norte-americanos e a arte de um dos maiores joalheiros de todos os
tempos.
“Fabergé
in America” exibiu algumas das coleções mais importantes do
mundo, reunidas por norte-americanos atraídos pela beleza do
material e, também, pela permanente aura da família imperial russa
que primeiramente patrocinou esse mestre joalheiro. Todos aqueles que
puderam ver os objetos dessa exposição, formada por um grande grupo
de coleções norte-americanas públicas e privadas, tiveram a
possibilidade de relatar o prazer e o orgulho de buscar objetos tão
primorosos. A mostra “Fabergé in America” procurou
examinar sistematicamente a história do colecionismo norte-americano
e apresentar a arte de Fabergé vista pelo olhar de cada geração e
de cada colecionador.
Ovo de Páscoa Imperial de Pedro o Grande. Ovo: Ouro, platina, diamantes,
rubis,
esmalte, bronze, safira, aquarela, marfim, cristal de rocha. Suporte: Ouro e safira. Alt. 15,2 cm.
Presente de Nicolau II à czarina Alexandra, 1903. Virginia Museum of Fine Arts
esmalte, bronze, safira, aquarela, marfim, cristal de rocha. Suporte: Ouro e safira. Alt. 15,2 cm.
Presente de Nicolau II à czarina Alexandra, 1903. Virginia Museum of Fine Arts
Outras
exposições
A
Arte da Rússia imperial na época dos dois últimos czares cativou a
imaginação do público por muitas décadas. Esse interesse pela
opulência, pompa e esplendor da Rússia czarista foi amplamente
demonstrado pelo sucesso de exposições pioneiras, como “Treasures
from the Kremlin”, realizada no Metropolitan Museum of Art,
New York (NY), em 1979; uma exposição similar, que atraiu cerca
de 500.000 visitantes, foi realizada em St. Petersburg (FL),
em 1995, e “Catherine the Great: Treasures of Imperial Rússia
from the State Hermitage Museum, Leningrad”, foi uma exposição
realizada em Memphis, Dallas (TX) e em Los Angeles,
California (CA) em 1991.
A
única mostra substancial de Fabergé nos EUA desde os anos de 1960
ocorreu em New York (NY), em 1983, com exposições paralelas
realizadas no Smithsonian Cooper-Hewitt, National Design Museum
e A La Vieille Russie, ambos em New York (NY). No
oeste, em San Francisco (CA), uma única apresentação data
de 1964. Peças selecionadas da coleção Matilda Geddings Gray
Foundation de New Orleans, Louisiana (LA), e a própria
coleção da Forbes Magazine percorreram o país desde 1972.
Algumas poucas exposições realçaram específicos aspectos da arte
de Fabergé, tais como “Fabergé: The Imperial Easter Eggs”
(San Diego, CA, 1989) e “The World is Fabergé: Russian Gems and
Jewels” (Houston, TX, 1994).
Essas
exposições chamaram a atenção do público, mesmo porque
realizaram muitas chamadas na mídia. O filme 007 Contra Octopussy
(Octopussy, 1983), com o agente James Bond, mostra um ovo
imperial de Páscoa feito por Fabergé, e um Fabergé de Páscoa
exibido em Oshkosh (WI), atingiram o pico de notoriedade em
1983. O grande número de simpósios, livros, artigos, conferências,
leilões e exposições dedicadas a Fabergé revela a clara
preferência pela sua arte acima de todos os outros joalheiros, com
exceção, atualmente, talvez da Tiffany & Co.
A
realização da exposição “Fabergé in America” foi
bastante influenciada pelo sucesso da mostra “Fabergé:
Joalheiro Imperial” (1993-94), por sua vez apoiada pela
Unilever/Fabergé Co. (proprietária da marca Fabergé) e
coorganizada pela Fabergé Arts Foundation de Washington
(DC) e de São Petersburgo (Russia), e pelo State
Hermitage Museum, em São Petersburgo (Rússia).
As
coleções
Embora
muitas transações permaneçam obscuras, está documentado quando
e como começaram as aquisições das peças da joalheria
Fabergé por parte dos colecionadores norte-americanos. O interesse
norte-americano pelos maravilhosos objetos de Carl Fabergé data de
antes de 1900, quando o milionário Henry C. Walters, de Baltimore
(MD), visitou São Petersburgo (Russia). Seu interesse foi
seguido pelos de Consuelo Vanderbilt, em 1902, e de John Pierpont
Morgan (J. P. Morgan), em 1905. Pessoas da alta sociedade e suas
famílias continuaram a adquirir peças de Fabergé, em grande
quantidade, de uma firma de Londres, até o final de 1917.
Os
ovos de Páscoa não ficaram restritos só à família imperial.
Pequenos e charmosos ovos-surpresa podiam ser encontrados nas cinco
lojas Fabergé, junto a outros objetos suntuosos, e qualquer viajante
que fosse à Rússia poderia comprá-los. Fabergé também participou
da Exposição Universal de Paris (1900), onde exibiu para que o
mundo visse, pela primeira vez, todos os Ovos Imperiais que ele havia
feito, juntamente com uma seleção representativa de seus outros
artigos. O efeito que Fabergé causou na ourivesaria europeia foi
“elétrico”. Ele foi unanimemente nobilitado Maître e
condecorado com a Légion d’Honneur (Legião de Honra).
O
nome da ourivesaria russa tornou-se internacionalmente conhecido e
respeitado. Dali em diante, Fabergé teria uma história de sucesso
contínuo e expansão dos negócios. Além de entregar anualmente
Ovos de Páscoa com os quais o czar presentearia a czarina e também
a mãe do czar. Fabergé era requisitado a produzir peças para que o
rei Edward VII (1841-1910), da Inglaterra, pudesse presentear a
rainha Alexandra Feodorovna (1798-1860), irmã de Marie (1847–1928),
todos os anos, no aniversário da Rainha. Entre os vários e
influentes protetores da Casa Fabergé, independentemente dos nobres,
deve ser feita uma menção às famílias Youssoupoff, Kelch e Nobel,
para as quais, juntamente com muitas de suas belas peças, Fabergé
trabalhou muitos Ovos de Páscoa tão originais e adoráveis quanto
os imperiais.
No
período de 1920 a 1950, depois da Revolução Russa (1917), membros
da família imperial e da nobreza trouxeram para os EUA seus tesouros
salvaguardados, incluindo muitos objetos de Fabergé. Estes eram
usados como moeda e presentes, e muitos foram passados adiante como
herança. O interesse pela refinada arte russa foi estimulado no
início dos anos de 1930, quando Aimand e Victor Hammer (1901-1985)
astuciosamente comercializaram seus tesouros russos, a princípio por
meio de lojas de departamentos e, posteriormente, nas Galerias
Hammer.
Foi
assim, através dos Hammers, e de Alexandre e Ray Schaffer, de “A
La Vieille Russie”, que as grandes coleções de Fabergé foram
formadas, inclusive as de Matilda Geddings Gray, Margorie Post e
Lílian Thomas Pratt. Dois dos netos de Fabergé, ambos filhos de seu
filho Alexander, estavam entre os russos que se estabeleceram nos
EUA. Alexander (1912-1988) nasceu em Moscou, e Irina (1925-1987),
nascida em Paris, casou-se com Morgan Arthur Gunst em 1947, e
fixou-se na Califórnia em 1950.
Os
colecionadores norte-americanos também adquiriram peças de Fabergé
em leilões, tanto na Europa como nos EUA. Preços recordes
espetaculares foram atingidos: um norte-americano pagou U$ 3,19
milhões em Nova Iorque, EUA, em 1992, por um ovo de Páscoa
imperial, e outro norte-americano pagou U$ 5,5 milhões em Genebra,
Suíça, em 1994, por um ovo de 1913. Várias peças da Casa Fabergé
passaram por mãos de vários proprietários, incluindo
personalidades como J. P. Morgan, Rei Farouk, Dr. Armand Hammer e o
presidente norte-americano F. D. Roosevelt. No início de 1960, J. P.
Morgan começou a adquirir as obras-primas de Fabergé e sua coleção
foi inaugurada em 1967, para comemorar o aniversário da Fundação
Forbes Magazine. Outras instituições, como o Museu Metropolitano de
Nova Iorque, adquiriram algumas dessas peças, como o Ovo do 15º
aniversário, o Ovo da Cruz de São Jorge, o Primeiro Ovo e o Ovo da
Ressurreição, peças que se encontram incluídas no catálogo da
coleção. Logo após a Revolução Russa (1917), Malcolm (Stevenson)
Forbes (1919-1990) comprou duas das mais importantes criações dos
Ovos de Páscoa Fabergé: os Ovos da Coroação e dos Lírios do
Vale. Outras peças criadas pela Casa Fabergé encontram-se em museus
e nas mãos de colecionadores particulares, todas elas guardadas como
preciosidades, com alto valor de mercado.
Relógio em forma de globo - Quartzo, prata, ouro, esmalte e vidro. Alt. 10 cm. New Orleans Museum of art |
O
fim
Com
o ano de 1914, veio a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Ao
primeiro golpe de realidade do mundo exterior, o encantamento de
Fabergé se perdeu. A Revolução, quando explodiu, finalmente
levantou as cortinas, mas o coup de grâce já havia sido
distribuído. As oficinas eram cada vez mais usadas para a manufatura
de pequenas armas e suprimentos médicos, e centenas de trabalhadores
eram necessários para esse fim em Moscou e São Petersburgo. Até
mesmo os artesãos imbuídos de fazer os Ovos Imperiais de Páscoa
foram convocados a basear suas composições em temas de guerra. Os
designers da Rua Morskaya, sem equipamentos para realizar tais
peças, navegando em águas pouco familiares, rapidamente sucumbiram;
antiestética e desastrosa, essa queda pode ser verificada nos Ovos
da Cruz Vermelha de 1916.
Era
a batida da meia-noite para a Casa Fabergé, e tendo o sino soado uma
vez, a aurora do dia seguinte não encontraria tempo ou lugar para a
magia que irradiara com tanto sucesso ao longo dos anos. Quando os
comunistas tomaram o controle dos negócios privados, o próprio
Fabergé teria pedido, com sua característica falta de cerimônia, o
favor de “dez minutos para vestir o chapéu e o casaco”. Peter
Carl Fabergé morreu em Lausanne (Suíça) em 1920, exilado tanto de
seu país quanto de seu trabalho. Segundo a família, ele morreu de
tristeza.
A
Relíquia já publicou a história de Fabergé e do Ovo de Páscoa na
edição extra de agosto de 1994.
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Colaboraram:
Litiere C. Oliveira e Lia Malcher (New York).
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Fonte:
New Orleans Museum of art, Cleveland Museum of Art, Virginia Museum
of Fine Arts, Hillwood Museum, Washington, D.C., Forbes Magazine
Collection, New York, La Vicille Russie e catálogo da exposição
"Fabergé in America" - Géza von Habsburg (Fine Arts
Museums of San Francisco).
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