Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 realizaram-se as sessões da "Semana de Arte Moderna" brasileira. Quatro meses antes - em outubro de 1921 - uma delegação paulista visitara o Rio. Nela estavam Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Armando Pamplona. Em artigo no "Correio Paulistano" de 22 de outubro, de 1921, escreveu Menotti Del Picchia: "Anteontem partiu para o Rio a primeira 'bandeira futurista'. Mário Morais de Andrade, o Papa do novo credo, Oswald de Andrade, o bispo, e Armando Pamplona, o apóstolo, foram arrostar o perigo de todas as lanças, arriões, guantes, lorigas, inclusive murzelos e roncunantes, do parnasianismo, ainda vitorioso na terra do defunto Sr. Estácio de Sá". Um pouco adiante Menotti acrescenta que, para a luta, levava Mário de Andrade um "chuço de ouro", que era "Paulicéia Desvairada".
No Rio, em casa de Ronald de Carvalho, na presença de Ribeiro Couto, Renato Almeida, Manuel Bandeira, leu o seu "Paulicéia Desvairada".
Mas, em São Paulo, diante de uma "platéia tremendamente reacionária", com vaias, vaias e mais vaias, Mário teve receio de ler seu poema. Entusiasmou-se, porém, com o entusiasmo dos companheiros e soltou seu grito inconfidente: "São Paulo, comoção de minha vida..." Berros e gritos tentavam interromper Mário, que foi até o fim.
Os três dias tiveram conferências doutrinárias de Graça Aranha, Ronald de Carvalho e Menotti Del Picchia, foram lidos poemas de Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira e Ribeiro Couto. Tocaram-se peças musicais de Villa-Lobos e Ernani Braga, com Guiomar Novais ao piano. Houve uma exposição com obras de Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Antonio Moya, Brecheret, Georg Prsirembel, Martins Ribeiro, Zina Aita. J. Graz, Vicente do Rego Monteiro, Almeida Prado, Ferrignac e Haerberg no "hall" do Teatro Municipal de São Paulo onde tudo acontecia e o então jovem Di Cavalcanti brilhava nas discussões sobre a nova pintura.
Completara-se a mudança ou, pelo menos, a revolução que tornaria possível a modificação da situação pensamental do país. Guiados por Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Paulo Prado, Graça Aranha, Cândido Motta Filho, Manuel Bandeira, Ronald de Carvalho, Ribeiro Couto, Renato Almeida, jovens de todo o Brasil iniciavam um período de transformação que teria, em breve, a colaboração de Cassiano Ricardo, Jorge de Lima, Raul Bopp, Carlos Drummond de Andrade, Augusto Meyer, Cecília Meireles, Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes e Vinicius de Moraes. A influência das ideias renovadoras atingiria os demais setores do pensamento brasileiro e, no mesmo ano de 1922, em 5 de julho, eclodia a revolta do Forte de Copacabana, que vinha mostrar sinais violentos da mudança dos tempos. De então até 1930, uma série de atos de rebeldia, a revolução de 1924, a marcha da Coluna Prestes pelo Brasil afora, revelavam intranquilidades que exigiam atenção. No mesmo ano de 22, Getúlio Vargas chega ao plano federal, eleito para a Câmara dos Deputados. A mocidade militar apelava para a insubmissão perante "uma ordem de que faz, coisas que não tinha autoridade". Depois do primeiro cinco de julho, veio o segundo. Diz, a propósito, Hélio Silva:
"O segundo cinco de julho foi a reafirmação do inconformismo da mocidade militar ante os desmandos que continuavam, a fraude que conspurcava a democracia e a recusa da anistia por todos reclamada."
Em seu livro "Três Ensaios", Peregrino Jr. divide os grupos de modernistas em cinco, neles incluindo apenas os participantes das subcorrentes mais atuantes da década de 20, com exclusão do grupo mineiro (Verde, de Cataguases, e Revista, de Belo Horizonte) e de pioneiros como Manuel Bandeira, que não se engajaram nas miudezas do movimento: os dinamistas do Rio (Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Guilherme de Almeida, Álvaro Moreyra, Villa-Lobos, etc.); os desvairistas (por causa de Paulicéia Desvairada: Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Sérgio Buarque de Holanda, etc.); os primitivos (Raul Bopp, Oswald de Andrade, Jaime Adour da Câmara, etc.); os nacionalistas (Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Plínio Salgado, Cândido Mota Filho, etc.); e os espiritualistas (Tasso da Silveira, Cecília Meireles, Murilo Araújo, etc.).
A Revista, de Belo Horizonte, congregaria Carlos Drummond de Andrade, Emilio Moura, Abgar Renault, Pedro Nava, Aníbal Machado. A Verde juntaria Rosário Fusco, Ascânio Lopes, Henrique de Rezende. E haveria, ainda, a Madrugada, do Rio Grande do Sul (Augusto Meyer, Moysés Vellinho, Vargas Neto, etc.), Arco e Flecha, da Bahia (Carlos Chiacchio, Rafael Barbosa, Godofredo Filho, Carvalho Filho) e a que Bastos fundara em Belém do Pará, Flaminaçu.
Nas comemorações anteriores da Semana de Arte Moderna, pouco se falou na importância da pintura e das artes em geral naquele acontecimento. Contudo, a própria realização da Semana é atribuída a Di Cavalcanti que, em 1916/17, insistiu com Oswald de Andrade em que se realizasse um encontro de escritores e pintores para que se discutissem os novos rumos que vinham da Europa e começavam a influir em nossas atividades na poesia, na pintura e nas artes em geral.
Além disso, a presença de Anita Malfati, com sua pintura, em São Paulo, já começava a agitar a comunidade cultural da cidade e do país. Brecheret fazia sucesso com suas esculturas. Também a música não tem merecido atenção nas notícias e reportagens publicadas sobre a semana. Afinal, o nosso maior compositor, Villa-Lobos, teve importante presença, com peças suas, no acontecimento.
Seria desejável que especialistas se reunissem, para levantar toda e cada uma das participações e dos textos então produzidos sobre o assunto. Na verdade, ao longo desses 90 anos, muitos foram os artigos e as rememorações lembrando artes e músicas da Semana, mas, toda vez em que a celebração é geral, artes e músicas ficam em segundo plano. Poder-se-à dizer que elas estiveram mesmo em segundo plano durante a própria semana, já que o tema principal, que interessava à maioria, era o que estava escrito, a poesia, a ficção, a tese, mas vale a pena que se aumente a presença de outras manifestações de então, reveladoras de que a revolta foi total.
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