Arte sacra Brasileira

Zé Santeiro      Uma saga fascinante
Uma coleção deslumbrante

Por Virgínia e Pedro Arruda

Zé Santeiro, descontraído no meio da sua preciosa coleção


Ter a honra de escrever sobre José dos Santos, antiquário, restaurador, um dos maiores colecionadores que este Brasil já possuiu até hoje e espírito dos mais ricos e agudos que tivemos a oportunidade de conhecer, toca-nos profundamente o coração.
Ir ao Recife significa ter a oportunidade de conhecer um dos pólos culturais mais representativos do nosso País, sem deixar de mencionar que a capital pernambucana guarda em seus bairros tradicionais alguns redutos que preservam bens culturais, importante acervo e verdadeiras relíquias que retratam a história regional e brasileira, sobretudo no campo da imaginária religiosa, com grande ênfase para o barroco pernambucano.
Um desses redutos encontra-se no bairro das Graças e abriga uma das maiores coleções particulares desse nosso Brasil - Continente, contemplando, com maior ênfase, o mobiliário e a imaginária barroca pernambucanos, sem descurar da produção de outros relevantes centros históricos de arte, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, de que expõe obras também da maior qualidade  e beleza.
O acervo de José dos Santos, também conhecido como ZÉ SANTEIRO é de uma riqueza e de uma extensão que impacta qualquer pessoa, conhecedora profunda ou mera admiradora da Arte, tanto que extrapolou as fronteiras do Brasil e após participar com importantes relíquias sacras da "Exposição Brasil 500 Anos" em São Paulo, suas magníficas peças seculares deslumbraram os olhares mais críticos daqueles que visitaram a grande exposição promovida no Petit Palais, em Paris (França) sobre o barroco brasileiro, por ocasião do ano do Brasil na capital francesa e na não-menos importante exposição feita no World Trade Center de Nova Iorque, Estados Unidos, também enfocando o barroco brasileiro.
Nascido em uma família de trabalhadores na monocultura da cana-de-açúcar na região do Cabo de Santo Agostinho, distante 50 Km do Recife, aos 15 anos respondeu a um anúncio de emprego, iniciando aí  uma saga que mais tarde se transformaria em sua verdadeira razão de viver. Naquele primeiro emprego na Casa Paz, em que permaneceu por dois anos como restaurador de peças antigas, despontava definitivamente o Zé Santeiro, como ficou carinhosamente conhecido, que depois veio a trabalhar no Rio de Janeiro com os respeitados Irmãos Marcolino, aperfeiçoando-se com estes em seu mister, depois, passando a trabalhar na Casa Japonesa,  renomado restaurador da capital paulista.


Nossa Senhora da Assunção

Santana Mestra



Nessa altura, já definitivamente conquistado pelo ofício e pela lida com objetos de arte antigos, sobretudo, pela imaginária brasileira, Zé Santeiro passou a viajar incessantemente por todos os rincões deste Brasil, colhendo peças maravilhosas que estavam destinadas ao esquecimento e, muitas vezes, pela ignorância dos proprietários, ao abandono e até ao lixo. Viajante-Antiquário, a sua sensibilidade artística, o seu olho clínico e o seu espírito de colecionador conseguiu por a salvo muitos tesouros que, com a decadência das igrejas e das ricas famílias de Pernambuco, da Bahia, de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, estavam a correr sério perigo de deterioração ou mesmo de descaminho.
Já então, com um imenso cabedal de conhecimento e um grande acervo, resolveu abrir um Antiquário em São Paulo, na famosa Rua Oscar Freire, nos Jardins, onde também prestava serviços de restauração.
Mesmo antes de se tornar um renomado antiquário, o espírito arguto e polivalente do colecionador incansável, viajante perseverante, dotado de uma capacidade negocial a toda prova e dono de uma aprofundada percepção do trabalho dos santeiros, toreutas, escultores, artífices e artesãos desta terra abençoada que é o Brasil, tão rica em manifestações artísticas e tão pobre na valorização desses bens culturais, Zé Santeiro soube reconhecer e guardar ciumentamente, uma vasta e impressionante coleção de arte sacra, pondo-a a salvo dos assaltos e maus-tratos sabidamente sofridos naquela época por nossos abundantes bens culturais.
Assim são, entre tantas outras de igual beleza e importância: o grande e suntuoso "Oratório Pernambucano do século XVIII", em madeira policromada e dourada, no estilo D. João V, que participou da Exposição no World Trade Center em Nova Iorque, Estados Unidos, bem antes do desastroso 11 de setembro; a imagem de "Nossa Senhora da Piedade", Pernambuco, século XVIII, majestosamente entalhada, que participou da mostra Brasil 500 Anos e da exposição do Brasil Barroco no Petit Palais, em Paris; o precioso "Presépio do século XVIII", que participou da mesma Mostra na capital francesa;  magnífica imagem de "Nossa Senhora da Conceição", Pernambuco, século XVIII, sobre peanha com sete anjos, dois deles aparentando índios; a magistral "Santana Mestra" com 3 figuras "In totum", século XVIII, uma das últimas aquisições do Zé Santeiro, com uma raríssima iconografia incluindo o Menino Jesus, provavelmente oriunda de Minas Gerais, merecendo um mais aprofundado estudo para a identificação do Mestre Toreuta que  a criou, com profundas características da talha, do movimento e carnação do Mestre Aleijadinho; a "Cartela com querubim de Mestre Valentim”, Rio de Janeiro, século XVIII; "Nossa Senhora da Assunção", impressionante imagem com 1.25 m de altura, produzida em Portugal, século XVIII; imponentes "Arcazes em jacarandá", século XVIII, estilo D. João V; elegantes  e nobres "Credências em vinhático", século XVIII; Pinturas sobre madeira - "A Sagrada Família" e "Nossa Senhora do Carmo", ambas de Pernambuco, século XVIII;  Conjunto de mais de 300 oratórios, populares e eruditos, de viagem e de alcova, que foram objeto de uma exposição no Instituto Cultural Bandepe, Recife, Pernambuco; centenas de Imagens miniatura pernambucanas e paulistas, em madeira e terracota; Placas sacras em madeira entalhada, destacando-se por sua raridade, a de “Nossa Senhora do Leite”, século XVIII, Pernambuco; completo "Engenho de Açúcar", exposto ao ar livre, no jardim interno da residência do Colecionador.

Cartela do Mestre VALENTIM

Nossa Senhora da Piedade (Exposta no Petit Palais em Paris) 

Nossa senhora da Conceição

Grande e majestoso Oratório (Exposto no World Trade Center, NYC)






Todavia, não nos escapa à observação que o importante acervo de José dos Santos (mais de três mil peças em imagens, mobiliário, pintura sacra e, subsidiariamente, prataria, cristais e porcelana) está a clamar por uma acomodação museológica adequada, que seja aberta ao público, que funcione como um foco difusor da cultura e da arte, inclusive entre as pessoas mais simples, que até hoje não tiveram a oportunidade de apreciar e desfrutar dessa magnífica coleção, por estar ela ciosamente guardada na residência do proprietário, fora do alcance do público em geral.
Aproveitar e promover o resultado dessa labuta diuturna do Zé Santeiro é, para nós, quase que uma obrigação das autoridades competentes, ligadas à Educação e à Cultura, seja em nível estadual, seja em âmbito nacional. Ensejar a difusão da arte aos menos favorecidos, através da visão de milhares de peças que constituem esse acervo, o conhecimento da história de nossos antepassados, realçando a capacidade produtiva e criativa do nosso povo, contando "ao vivo" a gloriosa história de Pernambuco e do Brasil, através da exuberante imaginária sacra, através do ebanismo rico em concepção e feitura, seja através da beleza plástica das pinturas religiosas que ornavam antigos mosteiros e igrejas, salvos pelo José dos Santos em suas andanças, da deterioração total e do abandono é, quase, um dever de Estado. 
Mais do que isto, é preciso que este monumental conjunto seja mantido em terras pernambucanas, torrão natal do Colecionador e berço da maior parte das peças por ele captadas, evitando-se que, como aconteceu com a também importantíssima coleção sacra de Abelardo Rodrigues, hoje exposta ao público no Museu Abelardo Rodrigues, inaugurado em 1981 no Solar Ferrão, Pelourinho, Salvador (BA), que foi adquirida pelo estado da Bahia pela forte intervenção e irrestrito empenho de seu ex-governador Antônio Carlos Magalhães, após o então Governo de Pernambuco haver declinado de sua preferência na compra daquele tesouro artístico e cultural.
Com esta significativa perda, e diante da sofrida lição aprendida, urge um grande esforço do governo e do povo de Pernambuco, no sentido de manter esta deslumbrante e riquíssima coleção em solo pernambucano, em um espaço museologicamente adequado a esse fim, com acesso a todos, sem distinção de qualquer espécie.  

Arcaz de jacarandá do século XVIII


Proprietário de um importante Antiquário na Rua Joaquim Nabuco, nos Quatro Cantos, em Recife e de uma conhecida oficina de restauração, José dos Santos, Zé Santeiro ou, ainda, DUDÉ, como lhe chama sua esposa Nadja Pena, mulher inteligente, companheira sempre presente e incentivadora incansável, que, junto ao marido tem contribuído sobremaneira para a valorização e a manutenção desse estupendo acervo, é, sem qualquer dúvida, um profundo conhecedor da alma da arte sacra brasileira, merecendo todo o nosso respeito e admiração.
Enfim, sempre que possível se impõe uma visita a essa esplendorosa coleção, sem a qual o colecionador, o amante das artes e o homem dotado de sensibilidade artística padecerão de uma visão fracionária e incompleta do rico e precioso patrimônio cultural pernambucano e brasileiro, magistralmente representado pelo acervo de José dos Santos, ou Zé Santeiro, para aqueles que, como nós, são aficionados da arte e da cultura.

3 comentários:

  1. Parabéns ao Jornal A Relíquia pela matéria e reconhecimento ao grande colecionador apresentado. Um abraço e meus votos de um feliz 2012 para todos. Ruy Neto.

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    1. Somos carentes de bons restauradores, pois hoje em dia as pessoas tem interesse em outras profissões e entem este oficio com poucas possibilidades de uma maior projeção. Eu gostaria de conghecer aqui em São Paulo um restaurador experiente, e que não altere a originalidade das obras
      Carlos Alberto Forte

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