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A França de Van Gogh

Por Cristina Azevedo


Autorretrato feito após ter cortado a própria orelha depois de uma discussão com Gaughin

Vincent van Gogh viveu em Arles o período mais criativo de sua carreira. O pintor holandês descobriu nas cores dessa cidade francesa a inspiração para o estilo que o consagrou. E a cidade devota um grande carinho ao artista, que vendeu apenas um quadro em toda a sua vida.

Em 20 de fevereiro de 1888, o pintor holandês Vincent van Gogh chegava a Arles, no sul da França, vindo de Paris. Aí começaria um dos períodos mais criativos da carreira do artista, mas também seria a fase em que a loucura acabaria por minar a sua mente. Em Arles, Van Gogh foi dominado pela cor, pela luminosidade do Midi (o sul do país), assim como pelo desespero. Nos 444 dias em que morou na cidade, produziu cerca de duzentos quadros, fez mais de cem desenhos e escreveu aproximadamente 150 cartas, numa voracidade impressionante. E a Arles que não soube compreender os problemas do pintor curiosamente acabou famosa por sua presença e, embora não possua nenhuma de suas telas, é hoje conhecida como a Cidade de Van Gogh.

 Na casa que alugou, seu quarto se tornou tema de tela conhecida

O Van Gogh que desembarcou na estação de Arles já era um homem angustiado. Ele saiu de Paris rumo ao sul em busca de cor e luz, mas chegou à cidadezinha no meio do inverno, num dia coberto pela neve. Mesmo assim percebeu a beleza da região. "Para começar, há em toda a parte pelo menos sessenta centímetros de neve, e continua a nevar... Percebi magníficas terras vermelhas plantadas com vinhas, tendo ao fundo montanhas do mais delicado lilás. E as paisagens nevadas com os cumes brancos contra um céu tão luminoso quanto a neve   eram exatamente como as paisagens de inverno que os japoneses faziam", escreveu numa carta ao irmão Theo. 

Foi preciso um mês de espera para conhecer melhor o lugar. Pouco mais de um ano depois de sua chegada à cidade, os habitantes levariam ao comissário de polícia um abaixo-assinado com trinta nomes pedindo a internação do pintor, que havia cortado parte da própria orelha, e acusando-o de ser perigoso para mulheres e crianças.

 O Vinhedo Vermelho, único quadro vendido durante a sua vida

Hoje a situação é bem diferente. A cidade que um dia empurrou o pintor atormentado rumo ao sanatório de Saint-Rémy atualmente se orgulha de tê-lo recebido. Graças a Van Gogh, suas plantações e campos se tornaram conhecidos em todo o mundo, pois mesmo as suas ruínas romanas não são tão famosas como a fugaz passagem do pintor pelo lugar.

Apesar disto, ele deixou poucas marcas em Arles. Uma solitária estátua no Jardim d'Été lembra a sua presença, enquanto que a pintura no muro à beira do canal mostra o nome Vincent com um cifrão por cima do C - uma alusão aos astronômicos preços que suas telas alcançaram nos últimos anos, embora o pintor só tenha conseguido vender um quadro durante a sua curta vida.

 O pintor saiu de Paris rumo ao sul em busca da cor, e a encontrou em Arles onde dias e noites têm uma luminosidade especial

Embora seja mais conhecida como a Cidade de Van Gogh, é uma injustiça visitar Arles apenas por isso. Toda a beleza da região da Provença está presente nesse local com mais de dois mil anos de existência. Previlegiada pela geografia e pela natureza, Arles tem também importância histórica. Nascida sobre um pico rochoso fincado em pântanos e se estendendo até a margem esquerda do Ródano, foi fundada como um entreposto comercial grego, no século VI a.C. Como colônia romana, foi batizada por Júlio César, em 46.

Mais tarde, foi escolhida pelo Imperador Constantino para a sua residência, no século IV.
Atualmente, a cidade comporta algumas das ruínas mais belas e conservadas do Império Romano. Desse período são o anfiteatro, os banhos, os templos e o canal que vai até o Mediterrâneo, responsável pelo desenvolvimento local. Até mesmo a mitologia romana deu a sua contribuição. Dizem que foi embaixo do atual Banco de Crédito Agrícola de Arles que Hércules lutou contra a Hidra.

 O centro da vida noturna de Arles é a Praça do Fórum

O anfiteatro, de 136 por 107 metros, tinha 34 fileiras de assentos de onde o público assistia às lutas de gladiadores, no século I. Hoje, o sangue é derramado de uma forma diferente. A arena é usada para touradas, seja no estilo espanhol ou na versão local, chamada de Raseteurs, a exemplo do que ocorre em Camargue.

O espetáculo foi observado por Van Gogh nos quinze meses em que viveu em Arles. "Ontem eu vi novamente um combate de touros, em que cinco homens trabalhavam o boi com bandarilhas e laços... As arenas são muito bonitas quando há sol e multidão", escreveu ao irmão. Ao redor da arena romana se localizam muitos restaurantes e boates, onde a noite de Arles se torna mais longa e alegre. A vocação boêmia da cidade não é nova e já havia sido pintada por Van Gogh em telas como Café de Nuit.

 Le Verger Rose (1888)

Passado e presente se misturam pela cidade. Essa coexistência pacífica chegou a tal ponto que fragmentos de uma estátua romana servem de mesa de café num hotel local. O fato se repete em outros pontos de Arles: o portal de uma antiga capela adorna a entrada de uma casa, um convento é usado como oficina de carpintaria, um mecânico conserta carros numa antiga sacristia... coisas que nenhum arlesiano entranha.

Jardim des Fleurs (1888)

A religião é um ingrediente a mais a compor o cenário de Arles. Na pequena cidade estão dezenove igrejas e o primeiro mosteiro ocidental para freiras. O convento de Saint-Trophine, por exemplo, em seus dois caminhos em estilo românico e dois em gótico, é um dos mais belos da Europa. Em compensação, outros templos foram desativados, transformando-se em casas e escolas, como uma antiga capela usada como sala de aula pelo Colégio Saint-Charles.

 Natureza Morta com Absinto (1887), ost, 46,5 x 33 cm. Museu Van Gogh - Amsterdã
 
Arles chegou a ser considerado solo sagrado. Tanto que muitos cristãos eram transportados para lá depois de mortos, a fim de serem enterrados. Chegavam até mesmo em barris selados que desciam pela correnteza do Ródano, e só eram enterrados sob a condição de os coveiros encontrarem uma boa quantia de moedas de ouro junto ao corpo. Parte das esculturas que adornavam o antigo cemitério estão atualmente no Museu de Arte Cristã, que já foi a capela do Colégio Jesuíta (erguido em 1652). Ele possui uma coleção de tumbas cristãs dos séculos III ao V, só perdendo em número de peças para a do Museu do Vaticano.

Le café de nuit - Arles, setembro de 1888

Outro prédio religioso que acabou se transformando em museu foi o Convento de Saint-Gilles (da Ordem de Malta), hoje Museu Reattu. Seu acervo contém principalmente pinturas da escola provençal dos séculos XIX e XX, assim como trabalhos variados do século passado, como quadros de Picasso, coleções de fotografias e esculturas, entre elas a famosa Odalisque, de Ossip Zadkine, de 1936.

A cultura local sobrevive também nas ruas e festas típicas. Arles tem até mesmo uma rainha que representa a cidade usando trajes típicos. A roupa é composta por um vestido longo, rendas e uma touca, não muito diferentes dos mostrados por Van Gogh no quadro L'Arlésienne. As vestimentas típicas pode ser encontradas no Museu Arlatan, que guarda também móveis e artesanato característicos da região. Ele tem ainda uma curiosidade: foi fundado em 1899 por Frédérie Mistral - escritor que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, em 1904 - para abrigar o folclore provençal.

 O traje típico feminino da região e mostrado no quadro L'Arléssiene

Esta é a cidade que, em 1989, organizou uma exposição para homenagear Van Gogh. Ele viveu em Arles por dois anos, nos quais desenvolveu o estilo que o tornaria famoso muito tempo depois. Ao invés das cores escuras de Os Comedores de Batata, de sua fase na Holanda, as pinturas feitas em Arles são claras, luminosas - e executadas com incrível rapidez.

O caminho do pintor até Arles foi tortuoso. Ele chegou à cidade depois de passar por vários pontos, como Londres, Bruxelas e Paris, onde morava o seu irmão, Theo. Depois de dois anos na capital francesa, foi para o sul, a conselho de Toulouse-Lautrec, em busca de um sol mais forte. Ao chegar em Arles, Van Gogh se hospedou no Hotel Carel, em frente à estação ferroviária. Após o inverno, pôde finalmente conhecer o bom tempo da região, que lhe permitia trabalhar ao ar livre. Os campos, a cidade e seus cafés, os habitantes, tudo se transformou em modelo para o pintor.

A Casa Amarela (1888), ost 76 x 94 cm. Acervo do Museu de Van Gogh - Amsterdã (Ao lado)

Em Arles, Van Gogh pôde finalmente realizar o sonho de alugar uma casa e montar seu estúdio, depois de morar por muito tempo em quartos. A residência na Praça Lamartine ficaria conhecida através do quadro A Casa Amarela. Ali ele pretendia fundar uma república de pintores, mas só Gauguin atendeu ao seu chamado. Os dois artistas tinham temperamentos diferentes e não conseguiram se entender. 

Foi depois de uma discussão com Gauguin que Van Gogh decepou a própria orelha com uma navalha, na noite de 24 de dezembro de 1888. O pintor, que já era olhado com estranheza pela população local, foi internado no Hotel-Dieu, o mesmo prédio que em 1989 abrigaria a exposição pelo centenário de sua morte. Embora internado, continuou em atividade, pintando o jardim do hospital. Um mês após ser liberado, voltou, em mais um colapso depressivo. Depois da nova alta, ele seria internado novamente, desta vez em Saint-Rémy, devido à pressão dos habitantes de Arles. Ao melhorar, Van Gogh se transferiu para Auvers-sur-Oise, onde se suicidaria em 1899, aos 37 anos. 

 A casa amarela onde viveu o pintor, em foto antiga, resistiu até a Segunda Guerra Mundial, quando foi destruída

Na última carta ao irmão, que não chegou a ser enviada, Vincent escreveu: "Pois bem, em meu trabalho, arrisco a vida e nele a minha razão se arruinou em parte."
Mas as cores de Arles ficarão para sempre em suas telas.

 A Noite Estrelada, de 1889. Pintada durante sua estada em um asilo para doentes mentais, pouco antes de morrer, aos 37 anos



Dois anos em Paris


Vincent Willem van Gogh (1853-1890) nasceu em Groot-Zundert, na Holanda, teve dois irmãos (Theodorus, apelidado de Theo, e Cornelius) e três irmãs: Elisabeth, Anna e Willemina (Will). Vincent era uma criança séria, quieta e introspectiva. Desenvolveu através dos anos uma grande amizade e forte ligação com seu irmão mais novo, Theo. A vasta correspondência entre Theo e Vincent foi preservada e publicada em 1914, trazendo a público inúmeros detalhes da vida privada do pintor, bem como de sua personalidade. É através dessas cartas que se sabe que foi Theo quem suportou financeiramente o irmão durante a maior parte da sua vida.

Em março de 1886, Van Gogh mudou-se para Paris, onde dividiu um apartamento em Montmartre com Theo. Depois, os dois se mudaram para um apartamento maior, na Rue Lepic, 54. Por alguns meses, Vincent trabalhou no Estúdio Cormon, onde conheceu os artistas John Peter, Russell, Émile Bernard e Henri de Toulouse-Lautrec, entre outros. Este último apresentou van Gogh ao absinto, bebida popular da ocasião, que viria a ser muito consumida pelo pintor, o qual a retratou em Natureza Morta com Absinto. Através de seu irmão Theo, conheceu Monet, Renoir, Sisley, Pisarro, Degas e Seurat. Naquela época, o impressionismo tomava conta das galerias de arte de Paris, mas Van Gogh tinha problemas em assimilar esse novo conceito de pintura. Vincent e Émile Bernard começaram o uso da técnica do pontilhismo, inspirados em Georges Seurat. Van Gogh, contudo, é considerado um dos pioneiros na ligação das tendências impressionistas com as aspirações modernistas, sendo a sua influência reconhecida em variados estilos de arte do século XIX.


A partir de sua estada em Paris, Van Gogh abandonou sua temática sombria e obscura de camponeses e suas obras receberam tons mais claros. São desta época os quadros Mulher sentada no Café du Tambourin, A ponte Grande Jatte sobre o Sena, Quatro Girassóis, entre outros. Em 1887, conheceu Paul Gauguin, e mais para o final do ano expôs em Montmartre. No ano seguinte, decidiu mudar-se de Paris e foi para Arles. Lá, pintou O Vinhedo Vermelho, único quadro vendido durante sua vida. Vincent recebeu por ele 400 francos.


Foi em Paris, após a exibição das suas telas, em 17 de março de 1901, que a sua fama póstuma começou a crescer.




Fotos: reproduções / Arquivo A Relíquia

Um comentário:

  1. adorei o site, mas é muito grande pois quem precisa ser rapido, não da pois tem muito pra ler, poriso dou a sugestão de resumir e explicar em menos palavras e com expressoes e girias e não botar muitas fotos apenas as principais obras

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