Pelo andar da carruagem...
A bruma que encobre a realidade no mercado de arte brasileira está ficando cada vez mais densa. As notícias que são divulgadas pela imprensa ou pelo próprio meio, não tem nenhum compromisso com a veracidade dos fatos. Cito aqui alguns episódios, que a meu ver, não sobrevivem a qualquer tipo de análise mais responsável e digna de ser levada a sério.
Um deles aconteceu no início do ano, por ocasião da posse da presidenta Dilma Roussef, quando a tela Abaporu, de Tarsila do Amaral, foi cedida por empréstimo ao Palácio do Planalto pelo então proprietário, o argentino Eduardo Constantine. Registre-se o fato da referida obra de arte ser negociada por U$ 1.300 milhão em passado recente, um recorde alcançado por uma obra no mercado brasileiro.
Seria uma atitude gentil e generosa do “Hermano Constantine” se ele não exigisse um seguro da ordem de U$ 45 milhões; cá para nós, um seguro para se torcer pelo extravio da obra.
Mas o que me causou perplexidade, é que circulava um boato que havia um grupo de empresários assanhado em recomprar a tela pela quantia assegurada, segundo nota confirmada pela imprensa. Se levarmos em conta a verossimilidade da proposta, e o proprietário curvar-se a ela, se somado um acréscimo de mais uns U$ 10 milhões para o fisco, há de se considerar que o valor final da obra ficaria avaliado em torno de U$ 55 milhões.
Pelo andar da carruagem, quem é hoje proprietário de um Van Gogh, Picasso, Cezane, Renoir ou Degas, entre outros gênios, deve estar preocupado, e certamente vai correr para negociá-los e fazer caixa, para então comprar telas de Tarsila do Amaral. Não vai aqui nenhum demérito a importância da artista no mercado de arte nacional, mas convenhamos, nem oito nem oito mil.
Outro osso duro de roer são as valorizações repentinas e meteóricas nas obras das artistas plásticas Adriana Varejão e Beatriz Milhazes, entre outros fenômenos. É de fazer inveja ao nosso bem sucedido ex-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, por ter conseguido multiplicar em 20 vezes o seu patrimônio num período inferior a quatro anos. Palocci deve se sentir um aprendiz diante dos articuladores de mercado dessas artistas, onde suas obras quase que frequentemente desfilam nos pregões da Sotheby's e Christie's nos EUA, e agora em Londres. Fica uma pergunta no ar: para que ir tão longe para comprar suas obras, se as artistas são daqui? Tem que se gastar tempo, pagar passagens, hotéis, seguros, e o imposto de importação, que é bem salgado, quando feito por vias legais.
Esses acontecimentos surreais, ao invés de serem divulgados sumariamente, deveriam ser mais apurados pela imprensa quanto a credibilidade de suas fontes, evitando assim a promoção desvairada de distorções, uma vez que, hoje, a imprensa se notabiliza mais pelo aspecto investigativo do que simplesmente ecoar fatos de procedências duvidosas.
Consequência disso cito um fato pitoresco, ocorrido na última edição da SP Arte, de causar espanto: um cidadão aproximou-se de um conceituado marchand, e em alto e bom tom, perguntou se ele poderia ajudá-lo a “furar a fila” para comprar um trabalho de Beatriz Milhazes...!!! Obras de gênios são assim mesmo, difíceis de se conseguir; quem quiser, tem que entrar na fila, competindo inclusive com os principais museus do mundo, que estão ávidos em adquirir seus trabalhos.
Até bem pouco tempo, levava-se quase um século para se consagrar um gênio, por estar o mesmo muito à frente dos seus contemporâneos. Nas artes plásticas, Van Gogh é um bom exemplo; sua obra foi verdadeiramente reconhecida na segunda metade do século após sua morte, assim como Modigliane, entre outros extraordinários artistas.
Hoje, descobrem-se gênios até no útero das mães. O eterno para essa gente não passa de 2 anos, tempo necessário para ser consumido e excretado, e fila que se anda; vão tratar de produzir outros “fenômenos” para colocar no lugar dos falecidos.
Para se subir ao topo, não mais é necessário percorrer os caminhos seletivos, que distinguem e separam o joio do trigo. A inversão de valores que engessaram o raciocínio das novas gerações faz com que elas acreditem que o mundo que os precederam não tem a menor representatividade para sua formação: Cultura, pra quê?
Há bem pouco tempo, li, e não me lembro onde, um artigo bem interessante, que retrata bem a realidade oculta aos olhos dessa rapaziada bem sucedida: Um grupo de jovens exaltava o júbilo da contemporaneidade, onde a informática e a tecnologia, entre outros avanços, propiciavam uma qualidade de vida jamais imagináveis pelo ser humano, e reivindicando para sua geração tais benefícios. Observados por um senhor que os ouvia atentamente, com um sorriso discreto, mas meio contestador, interpelaram-no indagando: com o que sua geração se ocupava, porquanto não existir, naquela época, tais avanços hoje disponíveis? Com a sabedoria dos modestos, o senhor respondeu-lhes: nós estudávamos e trabalhávamos para criar e proporcionar tudo isso que hoje vocês estão usufruindo!
Há de se dar valor a árvore, todos que comerem os seus frutos, e mais ainda, a quem a plantou. Essa é a cultura da vida, e deve ser estendida para todos os segmentos que alimentam o intelecto do ser humano. A natureza nos ensina a todo o momento. Se plantada a árvore, em solo rico e adequado, bem regada, bem tratada, teremos tronco fortes, galhos fartos e frutas viçosas, sólida o suficiente para suportar as intempéries do tempo. Exemplo para se tratar a cultura, que é a base fundamental para o desenvolvimento das gerações futuras, pois, é compreendendo o passado, que estaremos preparados para viver o presente e construir o futuro, sedimentado em pilares culturais indestrutíveis.
Ricardo Kimaid
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