O nosso Grito

“Certa noite eu caminhava por uma via, a cidade de um lado e o fiorde embaixo. Sentia-me cansado, doente... O sol se punha e as nuvens tornavam-se vermelho-sangue. Senti um grito passar pela natureza, pareceu-me ter ouvido o grito. Pintei esse quadro, pintei as nuvens como sangue real. A cor uivava.”

(Edvard Munch)

O Grito de Edvard Munch - 83,5 x 66 cm.
Acervo do Museu Munch - Oslo

A importância do artista norueguês Edvard Munch é tão imensa, que somente uma obra de sua autoria, O Grito, pintada em 1893, foi o tema escolhido por artistas brasileiros para uma exposição realizada no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, em 1996. Na época, eram todos artistas contemporâneos (alguns já morreram), e muitos continuam sua produção plástica fazendo sucesso.

Trinta e dois artistas participaram da exposição Grito, entre eles Ivan Serpa, Oswaldo Goeldi, Antônio Dias, Flávio de Carvalho, Rubens Gerchman, Adriana Varejão, Jorge Guinle, Rubem Grilo, Anna Maria Maiolino, Iberê Camargo, Ligia Teixeira, Cristina Salgado, Artur Barrio, Flávio Shiró e Siron Franco.

Ivan Serpa – Cabeça da fase negra, ost 200 x 180 cm

Na última edição de A Relíquia, a matéria de capa foi a exposição Edvard Munch – Um olhar moderno, que estava na Tate Modern, em Londres. O Grito não participou dessa mostra porque ela estava concentrada na sua obra depois de 1900, situando Munch mais como um artista modernista do século XX. O Grito, sua obra mais famosa, é uma pintura expressionista do século XIX. Janda Praia, na época Chefe da Divisão de Exposições do MNBA, escreveu sobre Munch no catálogo da mostra:

Jorge Duarte – Máscara para grito,
acrílica s/papelmoldado, 32 x 22 x 85 cm

“O vigor cromático e a violência plástica de sua produção buscam uma expressividade intensa. Mesmo a paisagem não se limita a ser um mero cenário de fundo, ela assimila o desespero dos protagonistas, transformando-se na extensão da angústia humana. Essa natureza viva, tensa e dramática se constituiria posteriormente numa marca de todo o Expressionismo alemão. Imagens distorcidas refutam o ideal de beleza e harmonia clássica. A simplicidade de traços e uma estrutura clara conduzem o espectador para o tema principal – a tragédia da condição humana.

Rubem Grilo – Grito, xilogravura 16 x 65 cm

Em Munch, a “persona” (máscara) é destruída com radicalidade, revelando a farsa do teatro social. A arte não se coloca como enfeite da vida, alegoria da ordem e da beleza. A arte desnuda a realidade trazendo à tona a angústia, a solidão, a feiúra moral, o absurdo, a injustiça, e a impossibilidade do encontro... No momento em que a impessoalidade, o consciente distanciamento do espectador e a negação da emoção se colocam como tônica na produção plástica de determinadas tendências, a exposição “Grito” – concebida por jovens artistas contemporâneos – ressoa como eco do grito desferido por Munch, reafirmando sua pertinência cem anos depois.”

Marcio Botner –Contrato, mista s/tela, 165 x 225 cm

Janda escreveu isso em 1996, enfocando a contemporaneidade da época. Mas poderia, tranquilamente, ser escrito hoje. No mesmo catálogo, José Thomaz Brum discorre sobre o Grito Plástico. Ele começa citando Lessing, quando este afirma que “a beleza, princípio da arte antiga, é incompatível com a expressão de um homem que grita”; e Schopenhauer, “que considerava o aspecto sonoro indissociável da representação adequada do grito, o grito plástico sendo uma impossibilidade”. Um grito mudo, representado na tela ou na pedra, seria ‘ridículo’, ‘deslocado’.

Siron Franco – Outros Gritos, mista s/tela, 155 x 13 cm

Escreveu Brum: “Ora, no fim do século XIX, em pleno apogeu das metafísicas do sofrimento (Kierkegaard, Nietzsche...) um norueguês melancólico pinta, com uma paisagem tumultuosa ao fundo, um movimento ansioso cheio de cores intensas e agitadas. “O Grito” de Edvard Munch de 1893, é como uma resposta nórdica do século XIX às reservas de Lessing no século XVIII. Se a arte antiga, inspiradora do classicismo alemão, louvou a beleza serena e ideal, a arte de Munch se quer proto-expressionista e cúmplice das distorções paisagísticas do místico El Greco de Toledo. Da visão sublime da serenidade antiga, que é uma idealização do “pathos” heróico, chegamos – com Munch – às misérias de uma vida sem calma nem repouso: a vida que “treme com ansiedade”. Precursor do “impulso expressionista”, Munch pinta, em seu “Grito”, a dor do isolamento, e o transtorno do afastamento. É o retrato de uma alma em convulsão”.

Grito foi uma exposição organizada por artistas contemporâneos da década de 1990, que se referiu ao O Grito, de Edvard Munch. Um painel da arte brasileira fazendo eco ao grito de Munch, exteriorizando a luta, a ansiedade, a perplexidade e a angústia do homem moderno diante da vida. Mudou alguma coisa?

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