A Pintura de Valmir Silva

Pra quem sobe a rua Santa Rita Durão, no sentido da praça da Liberdade, com o olhar estendido ao que se passa na calçada, pode se surpreender com um conjunto de quatro ou cinco quadros pintados, pequenos, enfileirados no chão e encostados na parede de um prédio. Ao lado, terá sempre um banquinho, uma bolsa de plástico e papéis que os escritórios refugam. O dono disso tudo está por ali, com seu colete verde, ajudando nas balizas e lavando carros. Foi uma dessas olhadas que me fez estacionar e descer para ver as pinturas de perto. Eram representações de flores, barcos, figuras humanas copiadas precariamente - como vim comprovar mais tarde - dessas revistas que convidam o leitor a "aprender, passo a passo, a fazer lindas telas". Mas, em uma delas, havia algo mais. Como se o autor tivesse aproveitando o resto de tinta que os exercícios anteriores de mimetismo lhe tinham imposto e, querendo limpar o pincel e os olhos (até então obedientes) com o que lhe desse na cabeça, criou uma pequena paisagem rural, cheia de árvores e planos de todas as cores. Ali nascia o pintor Valmir Silva.
Velho conhecido nas redondezas de Savassi, Valmir começou a pintar em pedaços de madeira, telas improvisadas, panos colados. Chegava até incrementar seu trabalho com molduras dadas por seus vizinhos do meio artístico, como Paulo, da Arte Molduras, e o Agnaldo, da Art Gallery. Passou a expor também na feira organizada pelo animador cultural Luis Otávio Brandão, aos sábados de manhã, na grande praça do bairro. Já no primeiro encontro, Valmir me deu seu cartão: Valmir Silva/ Artista Plástico/ Arte Cotidiana. Ao me fazer anotar seu endereço, advertiu que a numeração da rua ia até certo ponto e que, dali em diante, deveria entrar sem medo por pequenos becos. E arrematou: "Qualquer dúvida, é só perguntar onde mora o homem que anda com a mão na cabeça".
Ainda garoto, Valmir e o irmão Fabiano estavam num jogo do Galo, no Mineirão, quando resolveram mudar de categoria, da geral para a arquibancada.



Com a ajuda de outros torcedores, passou primeiro o irmão pela grade divisória. Quando chegou a sua vez - e para que não caísse no fosso - alguém o agarrou no braço com tal força que o ombro se deslocou e nunca mais voltou ao lugar. Hoje, aos 46 anos, Valmir tem os movimentos limitados pelo encurtamento muscular e confessa que, para evitar dores, mantém o braço esquerdo abraçando a cabeça.
Numa casa em obras, Valmir mora com a mãe, a irmã e uma sobrinha ainda criança. No cômodo de cima, ao lado da laje, ele instalou seu quarto-ateliê. Nos últimos meses, com a venda regular de suas pinturas, a obra deu uma arrancada e a casa melhora a cada dia, recebendo reboco e acabamento. 




Reagrupado num canto, o refugo de madeiras, chassis, molduras. O que antes eram suportes improvisados, agora são telas profissionais em tamanhas diferentes, chegando a 100x140 cm, sobre as quais Valmir transpõe as paisagens que ele desenha a lápis durante a jornada como lavador de carros. Muitas das pinturas abordam lugares típicos de Belo Horizonte, como as praças da Estação e da Liberdade, os prédios altos com montanhas ao fundo, o asfalto, os canteiros, os veículos. São conjuntos urbanos, vistos numa escala de quem esta ali, vivenciando o lugar e sua trepidante inquietação. Entre largas pinceladas de cores fortes, o artista intercala pequenas variações cromáticas, como se quisesse demorar um pouco no emaranhado impressionista que a vegetação sugere. Outras vezes, Valmir Silva se envereda por temas imaginários, cujas referências ele busca em fotos de lugares distantes.
 Como costuma acontecer com pintores autodidatas bem plantados em sua atividade criadora, a figuração nasce de uma necessidade maior de expressão que dispensa as regras compartilhadas, como as da perspectiva, por exemplo. No caso de Valmir Silva, os elementos das paisagens se lançam sobre a tela de forma aparentemente rude, mas nunca desengonçada ou embaraçada pela timidez. Há uma pulsão acrítica, um frescor quase infantil, uma liberdade intrínseca. Essa postura desarmada, tão desejada quanto rara, permite ao artista vôos elaborados no uso das cores arregaladas e fauves.


Por José Alberto Nemer

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