em
prol da natureza
Por
Tatiana Dourado
Grandes
monumentos que não só atraem, renovam. Das incessantes esculturas,
uma profusão de sensações. Remetem ao deslumbre, logo de cara.
Depois, aspiram a dor, revolta, impotência. Está bem, ao profundo
encantamento. Emoções e sabores se emancipam na observação das
fotografias aide-mémoire expostas em livros de arte e sob paredes
alvas de museus. Retratos das destroçadas florestas brasileiras,
registrados pelo perene homem de legado nervoso que, pela incansável
ideologia, continuamente solidificada, aos 91 anos, não mais precisa
gritar. Os ecos incomodam sozinhos, reflexo de sua obra, da
trajetória, da angústia, da história, tão-somente da realidade.
Frans Kracjberg, o judeu polonês naturalizado brasileiro, não
chegou aqui à toa.
Do
que vale o invólucro sem o alimento que o sustente? Um conteúdo que
não se materializa somente na produção artística, tange Kracjberg
como sustância, mas que não faz da fome inacabada. "Por meio
de uma poética-testemunho, a natureza torna-se um projeto estético.
Desta atitude artística, um ato revolucionário e pioneiro. A
criação plástica de Kracjberg refaz, com a natureza destruída,
uma arte e um grito, sem panfletarismo, planetário sobre a
sobrevivência de todos nós, e isto quer dizer: o futuro do mundo
através da realidade de hoje", afirma Paulo Darzé, 57,
marchand há 29 anos e representante do artista em Salvador.
Ávidos
ou não às causas ambientais, os olhos minimamente sensíveis
dividem com Frans Kracjberg a indignação pela devastação das
verdes matas marrons. Justino Marinho, artista plástico e crítico
de arte, confirma a necessidade do artista no querer que suas obras
sejam vistas com o olhar de possibilidades de renascimentos. "Cada
obra de um artista como Frans Kracjberg funciona como uma frase, e
essas frases, depois de reunidas, formam uma longa história sobre a
batalha travada entre o homem racional o e irracional para a
sobrevivência da terra".
No
manifesto do Rio Negro, formulado em parceria com Pierre Restany e
Sepp Baendereck, datado em 03 de agosto de 1978, o espelho do ideal
do artista, a concepção naturalista que, nele, se concretiza por
troncos colhidos nas queimadas: "Essa opção não é somente
crítica, não se limita a exprimir o medo do homem diante do perigo
que a natureza enfrenta pelo excesso de civilização industrial e
urbana. Ela traduz o advento de um estado global da percepção, a
passagem individual para a consciência planetária". Dentre
tantas e tamanhas frases de livros a ele dedicados, uma chama
atenção, de maneira um tanto cansada pela árdua tentativa de
despertar a disciplina da consciência clamada: "Por que o homem
destrói as riquezas naturais quando ele sabe que o planeta se
consome e que sem elas sua própria vida será impossível?"
(In: Espaço Cultural Frans Kracjberg, 2003, p. 45).
Metalinguagem
Própria
Usa
a natureza para traduzi-la de forma articular. Um não à arte pela
arte. Defensor da arte engajada, aquela em que a percepção única
do realizador é maior do que ele próprio. Maior do que Kracjberg?
Um equilíbrio, talvez. A dor pela perda da família entre milhões
de vítimas do Holocausto, em 1945, parece se confrontar na vida que
brota da terra. Um aconchego.
A
descoberta da natureza na fazenda Monte Alegre (PR) o reavivou, o
contato tornou-se próximo em Cata Branca (MG) e íntimo em Nova
Viçosa (BA), algumas de suas moradas. No percurso, entre tantos
entraves, atentou os indícios da missão, não se absteve e caminha
sem parar. "kracjberg é obsessivo com o seu trabalho. Sua força
é imensa, incrível. A coragem de se manter no isolamento, na
angústia, de não deixar que a madeira se acabe, de transformá-la
em obra, esse poder é só dele", descreve Justino Marinho.
Mensagens de fúria e lamentação emancipadas e redesenhadas por
Kracjberg, acolhidas por quem sabe o que o move e o sustenta.
Frans
Kracjberg
Escultor,
pintor, gravador e fotógrafo, Frans Krajcberg nasceu em 1921, em
Kozienice, na Polônia. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
perde toda a família em um campo de concentração. Estudou
engenharia e artes na Universidade de Intgrad, prosseguindo seus
estudos na Academia de Belas Artes de Stuttgart, na Alemanha.
Chegou
ao Brasil em 1948, vindo a participar da oitava Bienal de São Paulo,
em 1951, com duas pinturas. Residiu por um breve período no Paraná,
isolando-se na floresta para pintar. Nesta mesma década, morou na
região de Itabirito, no interior de Minas Gerais. Em 1956, muda-se
para o Rio de Janeiro, onde divide o ateliê com o escultor Franz
Weissmann (1911 - 2005), naturalizando-se brasileiro no ano seguinte.
Nesta época produziu os seus primeiros trabalhos fruto do contato
direto com a natureza. A partir de 1958, alterna residência entre o
Rio de Janeiro, Paris e Ibiza. Desde 1972, reside em Nova Viçosa, no
litoral sul da Bahia, onde chegou a convite do amigo e arquiteto
Zanine Caldas, que o ajudou a construir a habitação: uma casa, a
sete metros do chão. Ampliou o trabalho com escultura, iniciado em
Minas Gerais, utilizando troncos e raízes, sobre os quais realiza
intervenções. Viaja constantemente para a Amazônia e Mato Grosso e
fotografa os desmatamentos e queimadas, revelando imagens dramáticas.
Dessas viagens, retorna com raízes e troncos calcinados, que utiliza
em suas esculturas. Na década de 1980, iniciou a série Africana,
utilizando raízes, cipós e caules de palmeiras associados a
pigmentos minerais. A pesquisa e utilização de elementos da
natureza, em especial da floresta amazônica, e a defesa do meio
ambiente, marcam toda sua obra. O Instituto Frans Krajcberg, em
Curitiba, é inaugurado em 2003, recebendo a doação de mais de uma
centena de obras do artista.
Fonte:
Instituto Frans Kracjberg, Itaú Cultural, Wikimédia.
Fotos:
Frans Kracjberg
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