Transcorria o ano de 1679, residindo na Alemanha, longe do Brasil, 35 anos depois daquela quarta-feira, 11 de maio de 1644, quando, se despedindo do Recife, montou no seu cavalo e seguiu com sua comitiva, pela beira da praia, em direção à Paraíba, dando início a sua viagem de retorno aos Países Baixos, o Príncipe João Maurício de Nassau-Siegen continuava a viver de suas doces lembranças e recordações da terra pernambucana.
Pernambuco viera a exercer um fascínio todo especial sobre o João Maurício de Nassau-Siegen, que passou para a história com o apelido de O Brasileiro.
Lembra José Antônio Gonsalves de Mello, em apresentação à edição recifense do livro de Gaspar Barlaeus (1980), que ao regressar à Holanda o conde levou consigo, além de um mobiliário talhado em marfim em Pernambuco, um apreciável acervo de móveis e obras-de-arte assinadas pelos artistas de sua comitiva - pintores Frans Post, Albert van den Eckhout e Zacarias Wagener, cartógrafo e naturalista George Marcgrave, cartógrafos Cornelis Bastianszoon Golijath e Johannes Vingboons -, além de outros objetos ditos menores. Da relação de seus pertences se depreende o gosto do conde por "curiosidades" da terra pernambucana. Assim estão relacionados entre seus objetos, toros de jacarandá torneados, pranchas de pau-santo, pau-violeta e diversos tipos de madeiras de lei; bem como curiosidades outras, não muito comuns para um observador europeu: sete botijas de farinha de mandioca, 103 barriletes de frutas confeitadas; quatro barris contendo conchas e seixos do Cabo de Santo Agostinho.
No seu livro de memórias de Sir William Temple (1628-1699), Embaixador da Inglaterra junto ao Reino dos Países Baixos, relembra alguns dos seus traços marcantes: "Recordo o velho Príncipe João Maurício de Nassau que se tinha acostumado com as redes do Brasil e continuou a usá-las freqüentemente ao longo de sua vida, quando sofria de cálculos ou gota e era de opinião que melhorava e conseguia dormir pelo movimento e balanço dessas camas aéreas".
Em Cleve, na sua "cabana" localizada em Berg-en-Dal (Monte e Vale), o então Príncipe João Maurício de Nassau conservava um baú com recordações do Brasil, criava um papagaio e costumava dormir em "uma rede de pano de linho brasileiro bordado e guarnecido de amarelo". Informa ainda J. A. Gonsalves de Mello, que "uma dessas redes constou do conjunto por ele oferecido ao Rei Luís XIV da França e da qual se tem notícia de que o Delfim nela se embalou".
No seu último ano de vida, segundo a mesma fonte, João Maurício, já recolhido em sua propriedade nos arredores de Cleve, demonstrando saudades do Brasil, solicitou, em carta datada de 26 de junho de 1679, a intervenção do representante dos Países Baixos junto à Corte do Rei da Dinamarca, Jacob le Maire, junto ao novo Rei, Cristiano V, no sentido de obter para si cópias dos 26 quadros, 23 dos quais pintados por Albert Eckhout, que ele houvera em 1654 presenteado ao Rei Frederico III, genitor do novo monarca:
Vivo aqui retirado, neste lugar solitário, para, tanto quanto possível, afastar-me dos negócios civis e da guerra, em razão da minha idade. E como este sítio é pouco menos que selvagem, estou pretendendo fazer pintar nesta casa todas as nações selvagens que governei no Brasil. E recordo que há tempos enviei a Sua Real Majestade, de elogiável memória, algumas pinturas daquelas nações, e me consta que por elas a Majestade agora reinante não parece ter nenhuma estima. Peço por isso a Vossa Senhoria queira tomar o encargo de sondar a aludida Majestade se concordaria em abrir mão delas e m'as devolver; caso contrário, se permitiria que elas fossem mandadas copiar por mim, pois delas não conservo cópias. Se Vossa Majestade conceder esse último pedido, como espero, pedirei a Vossa Senhoria queira entender-se com um bom pintor para realizar as aludidas cópias, devendo representar as figuras com um pé de altura e o mais em proporção.
Consta que o embaixador fez ciente ao Príncipe Nassau da concordância do Rei da Dinamarca, em permitir as cópias do conjunto hoje conservado no Museu Nacional de Copenhague, em carta datada de 2 de setembro de 1679, não se sabendo de qualquer resposta do interessado.
O Príncipe João Maurício de Nassau-Siegen veio a falecer nos arredores de Cleve, na sua propriedade rural, denominada Berg-en-Dal (Monte e Vale), a 20 de dezembro de 1679, com 75 anos e 6 meses de idade, cercado de lembranças e recordações de Pernambuco.
Sobre João Maurício foi feliz o escritor José Van den Besselaar , em sua apreciação:
Maurício pertence à categoria daquelas figuras históricas que nos cativam não por causa da sua genialidade ou espírito inovador, mas por suas qualidades altamente humanas. Ele causa mais simpatia do que admiração. Não abriu novos horizontes às ciências ou às artes, não foi pioneiro de uma cidade completamente diferente, não reuniu em si todas as virtudes cristãs e humanas, nem sequer foi um dos grandes generais de sua época. Conquistou coisa muito melhor do que cidades e fortalezas: a simpatia de inúmeras pessoas. O poeta Vondel, referindo-se ao caráter amável de Maurício, diz com muita razão: Quem ganha corações vence o herói que ganha praças.
"Trecho do livro Holandeses em Pernambuco 1630-1654 p. 215-217, de Leonardo Dantas Silva (Recife 2005).
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