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Salas de Ontem e de Hoje


Ainda em fins do século XIX e princípios do XX, as casas térreas esparramadas no centro de grandes jardins, os sobradões coloniais, as cópias das vilas renascentistas italianas ou francesas, e mesmo as casas menores, despretensiosas e alegres com suas varandas e pequenos jardins, possuíam grande número de salas. Nas maiores, a sala de visitas, a de música, o escritório, a sala de jantar e a sala de almoço, além da copa, cozinha, etc. Havia ainda em casas de luxo um grande hall, em geral de mármore preto e branco.
A sala de visitas, enorme, com pequenos sofás de estilo encostados às paredes, consolos com espelhos, grandes quadros e retratos em molduras complicadas, cortinas enfeitadas e pequenos tapetes franceses ou orientais, era usada somente em dias de festas. A sala de jantar, também muito grande, tinha mesa no centro rodeada de cadeiras e nas paredes diversos móveis, a cristaleira, o aparador e o bufete. Também esta, muitas vezes, só era usada em ocasiões especiais, comendo a família em geral na sala do almoço. A formalidade e frieza das salas de visita e de jantar empurravam as famílias para viver nas salas de almoço e varandas, peças mais íntimas e acolhedoras. Em princípio, não era essa a razão, mas sim a idéia de poupar as salas mais ricas.
As casas pequenas tinham em geral um hall de tamanho médio que servia de sala de visitas e uma grande sala de jantar. A família vivia principalmente na copa grande (ou sala de almoço), na sala de jantar e varandas. Aí costuravam, ouviam rádio e recebiam visitas. Aliás, as varandas eram muito importantes, na vida diária. Rodeadas de vasos com samambaias, mobiliadas com cadeiras de vime leves e frescas, eram indispensáveis nas noites quentes de verão, quando não existia ainda o ar condicionado e não era tão comum fugir do calor procurando as serras ou praias. Nessa época de vida mais lenta e sossegada, as mulheres, que não trabalhavam fora, tinham muito tempo para gozar das varandas ou das janelas.
Embora dentro de um mesmo século e bem próximos ainda da vida mais familiar e habitações de 1900, tendo sofrido aquela geração o impacto de duas grandes guerras, de descobertas importantes na eletricidade, maquinaria e meios de transporte, a mentalidade, maneira de viver e necessidades do momento transformaram totalmente a habitação brasileira atual. A valorização do espaço, principalmente nas capitais, a participação mais ativa da mulher na vida do país e consequentemente o seu afastamento do lar, fizeram com que um apartamento na maior parte das vezes fosse bem mais interessante como moradia do que uma casa, e que um grande jardim se tornasse um luxo.
Aos poucos, a grande maioria das casas foi-se transformando em edifícios de apartamentos luxuosos ou simples. Apareceu então em plantas a palavra inglesa "living", sala que substituiu a sala de visitas, escritório, sala de música e até em certos casos a sala de jantar. Como bem diz o nome, o "living" é o lugar onde se vive, portanto a sala mais importante, o centro de toda a habitação.
No pouco tempo em que se está em casa, é no living que se recebe, que se ouve música, que se lê ou escreve, preenchendo ele o lugar das diversas salas e varandas que possuímos no passado. O living deve refletir a real situação financeira, social e intelectual da família e cada membro deve aí ter seu recanto. Deve ser agradável, ter conforto e aconchego. Alegre, sem ser cansativo ou vistoso e sóbrio sem ser triste ou monótono.







            Salas de estar, de música e de jantar do século XIX



O centro de conversação, isto é, agrupamento de sofás e poltronas, deve ser amplo, elástico, com muitas mesinhas baixas, para servir a essas peças, e móveis em frente uns aos outros, de maneira a facilitar a conversação. Os antigos sofás duros, encostados às paredes, em que senhoras de coletes ouviam recitais de declamação ou canto, foram substituídos por sofás bem macios em que as pessoas descansam confortavelmente da atual agitação diária. Uma pequena secretária, livros, retratos, coleções, tudo isso ajuda a dar ao "living" um caráter pessoal e íntimo.
Ao falarmos dos sofás duros das antigas salas de visitas, não quer dizer com isso que os móveis de estilo tenham sido abolidos, muito pelo contrário, devem ser colocados junto a peças modernas e confortáveis, pois trazem o charme e o aconchego das casas de nossos antepassados, de nossa infância e a segurança daquilo que conhecemos e amamos.
Os consolos Império ou Luís Filipe, as cômodas D. Maria I, os sofás de palhinha, as cadeiras e cômodas francesas, as sopeiras de porcelanas das Índias, os castiçais de prata, os tinteiros e tantas outras peças lindíssimas, dão um toque inigualável ao interior brasileiro atual. A beleza de móveis e de objetos autênticos dá um toque final de acabamento, de solidez e elegância que não se consegue em interiores feitos somente com cópias ou peças atuais.
O interior não deve ser planejado comprando-se tudo num só lugar, deve-se procurar e adquirir aos poucos em antiquários, leilões, ou lojas diferentes, peça por peça, tudo o que se necessita, buscando autenticidade, harmonia e qualidade do material. Tanto em salas de ontem como em salas atuais, a beleza depende sempre da boa proporção, simetria, combinação de cores e estilos, da escolha certa de ciclos, detalhes e ainda de bom gosto, imaginação e sensibilidade artística do decorador.



                               Gomil e bacia em prata portuguesa


                        Tinteiro de prata contraste Porto-Javali – 1901






                                 Sala de apartamento, época atual


Os Adornos da casa brasileira

Nos dois primeiros séculos após a descoberta do Brasil, as casas ainda não tinham o que acostumamos a chamar de adornos ou enfeites A rusticidade da vida na colônia e a dificuldade de comunicação, restringiram a importação de objetos domésticos ao estrito necessário.
No século XVII, os colonos tinham nas salas e nos quartos, pequenos oratórios com santos de sua devoção, eram bem singelos, simples caixas de madeira com portinhas que ficavam abertas para mostrar a imagem, que em geral era feita de barro ou de madeira e em posturas rígidas. Para a iluminação havia castiçais de cobre, ferro batido, estanho ou latão. Também de cobre eram as jarras para vinho ou água chamadas de "Canjirões". Para fazer "Mezinhas", isto é, remédios caseiros, usavam-se "Morteiros" e "Almofarizes" de bronze com os respectivos pilãozinhos. Estes objetos de uso diário hoje são apreciados como antiguidade e servem de adorno, assim como a tão útil roca de fiar.
A casa grande de engenho já tinha maior conforto, mas ainda não possuía enfeites. O luxo restringia-se aos serviços de mesa em louça da Companhia das Índias. Algumas peças de prata portuguesa ficavam guardadas nas arcas e só saíam por ocasião das festas familiares: batizados, noivados, ou casamentos, ou ainda nos festejos religiosos. Continuava o uso dos oratórios, já mais ricos do que os anteriores e com imagens com maior movimento nos corpos e nas roupagens. Além dos castiçais, as luminárias típicas desta época são os chamados "Lustres Holandeses", de cobre ou de estanho.
Na primeira metade do século XVIII é que se pode dizer que se inicia um certo luxo nas casas brasileiras. A prataria não ficava mais guardada nas arcas, mas era exibida sobre os móveis, assim como as louças chinesas, azul e branco ditas de "Macau", que combinavam lindamente com as ricas toalhas de mesa em linho com abertos de crivo, rendas de almofada e bordados. Nas luminárias aparecem as chamadas "Lanternas de Procissão", de prata cinzelada, que eram usadas tanto nas igrejas como nas casas. As imagens de santos da época atingem grande perfeição, eram ricamente "Encarnadas" e "Estofadas", isto é com pinturas imitando a pele e roupas com desenhos realçados a ouro. Os oratórios onde ficavam expostas estas imagens eram também muito ricos, já com as portas e as laterais com vidros e os fundos "Adamasquinados", isto é com pinturas imitando os desenhos das sedas de damasco.
Na Bahia a grande devoção era o "Menino Jesus do Monte", imagem de um menino em pé sobre uma colina por vezes enriquecida por carneirinhos. Em agradecimento à graças recebidas enfeitavam-se as imagens com jóias de ouro, as virgens usavam longos brincos de crizólidas. Estas madonas eram delicadas, com ares de adolescentes, seus vestidos e mantos eram salpicados com rosinhas indianas de Malabar.
Nas luminárias aparecem os grandes tocheiros de prata ou de madeira entalhada. As louças ditas de "Cantão", já não são azuis e brancas, mas verde e rosa, com pequeninas figuras de mandarins e ainda lindas sopeiras de porcelana branco e ouro. As colchas chamadas "da Índia", na realidade vinham da China. Eram de cetim em cores claras com lindos bordados com linhas multicoloridas em delicados desenhos de flores e passarinhos.
No último quartel do século XVIII, época da Rainha Dona Maria I, os adornos se multiplicam nos ambientes. Caixas e costureiros de laca chinesa, preto e ouro ou vermelho e ouro, mais conhecidas como "Caixas de Charão". Sobre as cômodas, relógios em forma de "Capelinha". Nas camas colchas, docéis e cortinados em "Cassa da Índia". As gravuras fazem seu aparecimento nesta época, em preto e branco, ou delicadamente aquareladas. As pratas passam a ser usadas diariamente, são bandejas com beirada de gradinha rendada e pezinhos de garra de leão, os graciosos paliteiros, os castiçais em forma de coluna, os tabuleiros com alças, os serviços de chá e café ditos "Bico de Pato", tinteiros e espevitadeiras de prata. Os cristais são talhados em "Pontas de Diamante", ou "Espinhados", também aqui conhecidos como "Bico de Jaca". Na iluminação temos os lampiões a óleo, os lustres de opalina ou de cristal "Overlay". As "palmas", isto é ramos de flores em vasos, executados em prata ou em madeira entalhada, enfeitam os oratórios e os móveis. Vasos de opalina branca e ouro, ou de uma só cor, com reservas com pinturas em esmalte de cor e ouro, em motivos florais. Tecidas à mão, em pequenos teares, temos as colchas de "Repasses", e as "Mantas de Mostarda", típicas de Minas Gerais. As Toalhas de Mesa são bordadas a cores em "Ponto de Cruz". Sobre os aparadores, as lindas compoteiras de cristal talhado e as fruteiras de porcelana rendada. As maçanetas dos móveis e das portas são de cristal com desenhos coloridos por dentro.

Adornos no Estilo Primeiro Império

No estilo primeiro Império brasileiro, embora os adornos sejam menos graciosos do que os da época de Dona Maria I, são mais preciosos e requintados. Aparecem nas mesas lindos aparelhos de porcelana francesa e cristais facetados. Nas pratas temos peças típicas nossas, isto é, bem brasileiras: salvas com beiradas "Guilloché", isto é, com delicados riscos fazendo desenhos. Serviços de chá com formas retangulares, estribos ou "Caçambas" de prata e arreios de cavalo enfeitados com peças de prata, ou ainda toda a cabeçada em prata lavrada. Guampas, copos, tamborileiras e farinheiras, bombilhas e cuias para chá mate, punhais, jóias de escravas negras e balangandãs. Lampiões de querosene ou a óleo, outros de ferro ou de bronze, com cúpulas de opalina ou de cristal colorido. Humildes, na época, mas hoje alçados à categoria de adornos, temos os tachos de cobre, os pilões, as gamelas, as panelas de ferro ou de pedra. Nos jardins as estátuas de louça branca do porto, as pinhas de cerâmica colorida e as ânforas de mármore para colocar dentro vasos de plantas. Sobre os pilares dos portões das chácaras vigiavam cachorros e leões de louça.        

Adornos no Estilo Segundo Império
O longo reinado de Dom Pedro II arrecadou para o Brasil tudo que ainda existe hoje em dia em matéria de adornos de luxo, que eram naquela época importados da França e da Inglaterra. Com o requinte da corte os adornos se multiplicaram. Temos mezinhas ricamente marchetadas ou com incrustações de marfim, para jogos de gamão ou de xadrez. Enormes espelhos de cristal de Veneza ou com pesadas molduras de gesso dourado em alto relevo. Lustres de bronze dourado com pingentes de cristal e as velas protegidas com mangas de cristal gravado ou talhado. Mangas grandes, chamadas de "Donzelas", protegiam os castiçais com velas que eram colocados dentro delas. As opalinas verde jade ou azul turquesa, ou ainda rosa lilás, estavam de moda para os demais objetos. Álbuns de fotos "Daguerreótipos", álbuns para "recordações", com as capas encadernadas em veludo pelúcia, com os cantos e os fechos de prata ou de bronze lavrados. Dentro de redomas de vidro, ramos de flores artificiais, alguns executados com conchinhas. Relógios de pendulo, em forma de "oito" ou ainda com caixa de pé, feitos na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Também chega ao Brasil pela primeira vez o relógio de Cuco, e as graciosas caixinhas de música ou as de rapé.
Nas louças temos os serviços de porcelana azul e branco, com motivos imitados dos chineses, que são chamadas de "azul pombinho" ou de "salgueiro". Os "borrões" são louças inglesa azul e branca com aspecto escorrido, pois nessa fabricação os desenhos não ficavam nítidos como nas verdadeiras louças chinesas. Também se usavam serviços de mesa de luxo em porcelana brasonada. Estatuetas de porcelana ou de "biscuit" colorido. Nas luminárias os populares "lampiões belgas". Quadros a óleo de retratos, os homens de uniforme ou casaca.  
                              
Os Adornos do Estilo Art-Nouveau

Como na Europa, no inicio do século vinte os interiores brasileiros aparecem carregados de adornos, em geral feitos de bronze escuro ou dourado. Muitas estatuetas de bronze com as mãos e o rosto de marfim. Os vasos coloridos de Emile Gallé, e os cristais brancos, com relevos, de René Lalique. As cúpulas das luminárias em cristal de duas cores "Overlay", e os vidros coloridos, tipo vitrais, de Louiz Tiffany. Tinteiros imponentes de bronze em base de mármore. Vasos com plantas vivas em "cache-pots" de metal ou de cerâmica. Muitos serviços de mesa em porcelana japonesa, especialmente os serviços de chá em porcelana finíssima, dita "Casca de ovo". Jarras para vinho de cristal com alças de prata. Fruteiras, formadas por vários pratos sobrepostos, chamadas de "épergnes". Pocheiras com as suas taças, apanha-migalhas de prata, molduras para fotos em bronze recortado, acessórios em cobre hindu ou marroquino, tapetes de peles de animais (peles de urso, tigre, etc.) às vezes com as cabeças empalhadas, Troféus de caça nas paredes, coleções de marfins chineses, perfumadores para incenso, lustres de cristal Murano ou de alabastro, Lanternas de ferro com vidros coloridos, caixas para cigarros e charutos, pratos decorativos pendurados nas paredes.

Por Roberta Macedo Soares
                    Moringa usada no Segundo Reinado do Império Brasileiro



Armário português em nogueira do séc. XVIII guarda lindo serviço de porcelana chinesa conhecida no Brasil como Macau. Esta louça vinha como lastro dos navios que traziam os serviços de porcelanas da Cia. Das Índias, encomendados pelos nobres, sendo destinada às casas brasileiras do século XVIII





Oratório português no estilo D. João V, séc. XVIII; Cristo crucificado, séc. XIX






Salas de ontem e de hoje: Alayde Parisot

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