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História:

Zona Portuária do Rio de Janeiro

Prainha: esse foi o nome primitivo da atual Praça Mauá. Em 1871, recebeu o nome de Praça Vinte e Oito de Setembro, em recordação da chamada lei Rio Branco, do Ventre Livre. Quando foi aberta a Avenida Rio Branco, passou a denominar-se Praça Mauá.
No Largo da Prainha esteve, durante certo período, erguida a forca, onde foram executados João Guilherme Ratcliff, Joaquim da Silva Loureiro e João Metrovich, pela parte que haviam tomado na Confederação do Equador. A forca foi desmontada em 1834, porém não abolida, sendo remontada sempre que necessário.
Quando da Abertura dos Portos, no ano de 1808, com a chegada da família real portuguesa e a sua corte, a cidade do Rio de Janeiro foi transformada em sede do governo português, ativando o seu comércio. A iniciativa oficial promoveu vários benefícios que refletiram tanto na economia do país, proporcionando maior riqueza, como na expansão da cidade.
No início do século XIX, a malha urbana limitava-se ao morro do Castelo e às ruas que se dirigiam do litoral para o chamado "Campo da Cidade" (atual Campo de Santana), conforme relata Luiz Gonçalves dos Santos, o Padre Perereca, que faz uma descrição minuciosa de toda a cidade em documento da época. Com o rápido crescimento da população, era imprescindível erguer novas edificações, o Rio de Janeiro crescia na direção da Lapa, da Cidade Nova, do Catumbi e da Saúde, de forma que se construiu em pouco tempo, nesses locais, centenas de prédios.
A zona comercial estendia-se desde a praia de Dom Manoel, seguindo pelas praias dos mineiros e de São Bento, contornando o morro de São Bento, até atingir a Prainha, na altura dos armazéns do Sal. A Prainha terminava no morro da Conceição, onde se localizava um fortim (hoje Fortaleza da Conceição, onde funciona o Serviço Geográfico do Exército).
As vastas terras que formariam os futuros bairros da Saúde, da Gamboa, do Santo Cristo e Caju (Zona Portuária), encontravam na Prainha não só um importante vetor de expansão, tanto pela orla como pelos contornos do morro da Conceição. A pedra da Prainha (localizada próxima à atual praça dos Estivadores, rua do Camerino) era um obstáculo físico à comunicação com as praias do Valonguinho e Valongo. Esse empecilho não impedia, no entanto, que o desenvolvimento observado na Prainha prosseguisse pela orla até alcançar outro monte: morro da Saúde. Nesse extremo, situava-se o trapiche de Antônio Leite, próximo ao costão de Nossa Senhora da Saúde.
Por detrás da Prainha, contornando o morro da Conceição, abria-se a rua da Prainha (preservada num pequeno trecho denominado rua do Aljube, atual rua do Acre), em confluência com a ladeira que dava acesso ao monte. A rua do Aljube prolongava-se até a rua do Valongo (atual Camerino). A rua do Valongo possuía algumas casas bem construídas, apesar da presença dos armazéns em que vendiam os escravos.



Mercado de Escravos do Valongo

 Depois da transferência do Comércio de Escravos da rua Direita (atual 1º de Março) para o Valongo, em torno de 1770, a área passou a contar com muitos mercadores de mão-de-obra  fundamental no Brasil daquele tempo. O Valongo (rua do Camerino) tornou-se o grande empório de um comercio malvisto e lucrativo, sediando escritórios de corretores de escravos, armazéns-depósitos para negros recém-chegados da África e um comércio paralelo, que incluía tabernas frequentadas por marinheiros e ciganos que exploravam o tráfico negreiro.
O desenvolvimento do Rio de Janeiro, baseado principalmente no comércio de importação e exportação, privilegiou significativamente as áreas de porto. A Prainha e a praia do Valongo (que durante o século XIX foi perdendo gradativamente essa denominação, sendo seu nome confundido com praia contígua, a da Saúde) experimentaram uma enorme expansão nas suas atividades, as quais foram progressivamente atingindo as praias vizinhas, a da Gamboa e a do Saco do Alferes (bairro de Santo Cristo). A construção de trapiches, depósitos e pontos de atracação intensificou-se em todo o trecho do litoral carioca. Grande parte dos terrenos das praias foi alforada. Em 1809, por decreto de Sua Alteza D. João, "o conselho da Fazenda manda demarcar nas praias da Gamboa e Saco do Alferes terrenos próprios para trapiches e armazéns e que os alfore ou arrende para quem mais oferecer". Aquelas terras, que até então não tinham outro uso senão as atividades agrícolas ou pesqueiras, valorizaram-se com a possibilidade de virem a abrigar embarcadouros.
Alguns dos grandes proprietários de chácaras do Centro tornaram-se homens de negócios, ligados às atividades portuárias. Na estreita faixa entre o mar e os morros, ruas e travessas foram surgindo, facilitando a crescente circulação de mercadorias. Na planície entre os morros do Livramento e da Saúde, em terras das chácaras do Livramento e da Gamboa, foram abertas em 1818 a rua Nova Livramento (atual rua do Monte) e a travessa das Mangueiras (atual rua Leôncio de Albuquerque), ligando as praias do Valongo e da Gamboa. Em 1820, prolongou-se a rua Nova do Propósito (atual rua do Propósito), desde a chácara da Saúde até o mar.
Visando tornar o litoral continuamente transitável em toda a sua extensão, abriu-se em 1819 a rua Nova de São Francisco da Prainha (trecho da atual Sacadura Cabral); essa rua, no entanto, só possibilitaria a continuidade desejada alguns anos mais tarde, quando cortou-se porção da ponta da pedra - a pedra da Prainha - que se projetava do morro da Conceição ao mar, e sobre a qual era necessário transitar para alcançar o Valongo. As ruas recém-abertas eram mais largas, obedecendo ao aviso régio de 1810.



Riqueza que vem do Café

Por volta de 1830 registrou-se um enorme desenvolvimento nos embarcadouros do litoral, que se estendiam da Prainha à Gamboa, graças à instalação dos armazéns para exportação de café. Na Prainha, os antigos ocupantes, "traficantes e atravessadores", como eram considerados, foram sendo despejados, ao mesmo tempo que a maioria das pontes de atracação construídas no século anterior era substituída por grandes armazéns de café. Essas edificações estendiam-se da Prainha pela rua de São Francisco da Prainha e imediações.
A presença de uma atividade de tamanha importância econômica acarretou, evidentemente, sensíveis mudanças na urbanização do local. Ruas e becos foram desimpedidos, facilitando a circulação de mercadorias. Iniciaram-se aterros na orla, permitindo a construção de novos cais. Em 1832, foi feito um aterro na rua da Prainha da Saúde (atual Sacadura Cabral) e em 1835 concluiu-se  o aterro da Prainha, no Valongo e na Saúde, pouco faltando para o término das obras na Gamboa. Muitos proprietários instalados no "Sítio da Prainha" auxiliaram a administração pública na execução das obras de um cais, desde a Prainha até a Gamboa e, em contrapartida, receberam em usufruto os terrenos que se formaram com os aterros sobre o mar. Assim, à iniciativa do governo somava-se a dos proprietários de prédios nos melhoramentos das ruas próximas às praias.
A feição do litoral também se modificava com o desaparecimento de atividades tradicionais e o surgimento das novas: em 1831, foi extinto o depósito de escravos na rua do Valongo; fundaram-se companhias de navegação, encarregadas de transporte de passageiros e cargas. Algumas dessas companhias instalaram-se na Prainha, na praia do Valongo e no Saco do Alferes.
Com as novas atividades, surgiu a preocupação de "formosear" os largos e praças situadas na orla marítima. Em 1828, as autoridades municipais ordenaram a vistoria, a medição, a demarcação e a distribuição de terras, com vistas à formação de um novo logradouro - o largo da Prainha (praça Mauá). Em 1842, a Câmara Municipal ofereceu material para o acabamento das obras de construção de praça e do chafariz na praia do Valongo. O cais do Valongo foi escolhido, em 1843, como local de desembarque da futura imperatriz Teresa Cristina no Rio de Janeiro. Com a chegada de Teresa Cristina, o cais do Valongo passou a denominar-se cais da Imperatriz e, a rua do Valongo (rua do Camerino), rua da Imperatriz.
Cais e Trapiches
Embora, ao longo de sua história, sua economia tenha se voltado essencialmente para o comércio de importação e exportação por via marítima, o Rio de Janeiro não dispunha, até o início do século XX, de uma estrutura portuária que correspondesse ao ritmo de suas atividades comerciais de longo curso e de cabotagem. A procura do litoral carioca pelas frotas mercantis no final do século XVIII, intensificadas após a abertura dos portos, pouco significou para a cidade quanto à melhoria de suas instalações portuárias.
A cidade era dotada somente de um pequeno número de cais, de reduzidas dimensões, que se estendiam do Arsenal de Guerra (Museu Histórico Nacional) ao Arsenal de Marinha (praça Mauá) e que se prolongavam até o litoral da Saúde. Além de saveiros, faluas, chatas e alvarengas, nenhuma outra embarcação de maior calado podia atracar nesses cais. O funcionamento dos serviços portuários da cidade era, portanto, extremamente precário. Tanto os navios mercantes quanto os de passageiros e correspondência eram obrigados a atracar ao largo da baía de Guanabara.
As operações de embarque e desembarque eram realizadas através de dezenas de pequenas embarcações, o que acarretava perdas elevadas e uma grande lentidão no transbordo de mercadorias. Tais problemas eram agravados pelas armazenagens deficientes nos mal aparelhados trapiches de beira mar, que traziam prejuízos para os importadores e exportadores e aumentavam em muito o custo das mercadorias.
O café era produzido em escala crescente a partir de 1830 no vale do Paraíba, e o aumento de sua produção foi o principal fator de dinamização do litoral da Prainha. Cais e trapiches multiplicaram-se pela área, onde também se estabeleceram grandes armazéns de exportação de café. Segundo Noronha Santos, "o grosso do comércio cafeeiro era efetuado no perímetro conhecido por Chacrinha, nas imediações da Prainha, da Rua Nova de São Bento e adjacências dos trapiches, espalhando-se em direção ao núcleo da cidade".
Em 1831 foi baixado um regulamento que delineava três ancoradouros para navios no litoral entre os morros de São Bento e do Castelo, e que determinava que às embarcações de carga fosse destinado o trecho entre o trapiche do Sal (na altura da atual praça Mauá) e o Valongo. Nesse período, vários trapiches já operavam no local, como o do Bastos, o do Cleto, o da Ordem, o da Pedra do Sal e o grande trapiche da Prainha. No litoral do morro da Saúde, na vertente voltada para a Gamboa, localizava-se o trapiche do Ferreirinha, com seus 200 escravos, e mais adiante o trapiche da Gamboa.
Eram  numerosos os pedidos de licença para a construção de cais durante todo o século XIX, como a documentação revela. Os cidadãos Damião da Costa e José Maia, proprietários, respectivamente, dos trapiches do Damião e do Valongo, solicitaram licença em 1846 para construírem "hum caes com escadaria para facilitar o embarque das pessoas e gêneros que tiverem que se encaminhar para o Valongo e seus contornos".
Em 1863, Constantino Pinheiro pediu à Câmara Municipal para que se procedesse a medição, a demarcação e a avaliação do terreno no fundo do seu prédio na rua de São Francisco da Prainha (hoje rua Sacadura Cabral), porque ali desejava "construir hum caes". Muitas das indústrias instaladas na área contavam com seus próprios cais, garantindo a importação da matéria-prima necessária e a exportação do produto beneficiado, destinada, na maior parte, ao mercado interno brasileiro.
Manoel Lombos, proprietário da fábrica Nacional de Vidros de São Roque, na Gamboa, pediu autorização à Câmara em 1860 para fazer "precisas reparações" no cais de desembarque, "construído há muito anos a expensa da referida Fábrica, a fim de facilitar o desembarque de materiais necessários ao consumo da mesma".
A sociedade em comandita Moinho Fluminense, em ofício datado de 1888, requeria permissão para "construir um caes no terreno acrescido que obteve por aforamento e se acha fronteiro ao prédio nº 172 a rua da Saúde". O cais deveria servir para desembarque de trigo para o moinho e embarque de farinha para outras praças.



Barcas para Petrópolis

 A Companhia de Navegação a Vapor Piedade, que explorava o serviço de transporte de passageiros e cargas para Petrópolis, com desembarque em Magé, pediu licença em 1845 para "abrir no caes na Prainha, ao lado do Arsenal da Marinha, uma cancela de ferro para ser feita a atracação da barca Piedade.
Foi nesse ano que o Barão de Mauá criou a Imperial Companhia de Navegação e Estrada de Ferro de Petrópolis, que se utilizando de barco a vapor, trem e carruagem ligava a Saúde à cidade serrana. Posteriormente, em 1853, em um pequeno cais na Prainha, Trapiche Mauá, partiam as barcas em direção ao Porto Estrela, ponto de partida da estrada de ferro que demandava a Petrópolis.

Por Merced Guimarães

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