Por
Ricardo Kimaid
Ultimamente tenho ido pouco ao
cinema, face à escassez de bons filmes, e também por comodidade, pois em pouco
tempo após os lançamentos, esses filmes estarão disponíveis nas locadoras, nos
sites ou nos canais de televisão; é mais prático, não? Bem, no último fim de
semana, alfinetado pela minha querida esposa, encaramos esse programa para
assistir o filme "Caçadores de obras de Arte", cujo tema aborda os
saques de Hitler e seus seguidores aos museus e aos grandes colecionadores de
arte, especialmente os de origem judaica.
O filme é baseado em fatos reais,
e discorre num cenário bem convincente dos últimos anos da II Grande Guerra,
onde um grupo de guardiões especialistas, restauradores e historiadores das artes
plásticas, liderada por um americano, Frank Stokes, se empenham em recuperar
milhares de obras de artes roubadas, que estavam sendo guardadas em minas
desativadas, para que num futuro próximo fossem exibidas num projeto ambicioso:
um mega museu que levaria o nome de Hitler. Bem, e daí? Se não sou cinéfilo,
por que estou abordando esse assunto? Explico: num determinado trecho do filme,
em pleno clima de guerra, a alta corte americana questionava ao Tenente Stokes
(George Clooney) se valia a pena colocar
em risco vidas humanas para recuperar as obras de arte que estavam sendo
saqueadas pelos nazistas.
Sua resposta à indagação continha
um fator, um fatorzinho, que reitera tudo que venho tentando transmitir em
minhas críticas à maneira como se trata a cultura nesse mundo contemporâneo.
Firme, Stokes exalta o fato que não são somente as obras primas que estão em
jogo, mas a cultura e a História, construídas durante séculos pelos artistas
que hoje são reconhecidos como gênios. Muitas daquelas obras são uma síntese
ilustrada e narrativa da época renascentista; como falar da "Madona"
de Michelangelo de 1501, O "Jovem", de Rafael, o Autorretrato de
Rubens, e depois Cezane, Édouard Manet,
Degas e outros, se as mesmas não fossem recuperadas? Poderiam ter o mesmo destino
de centenas de trabalhos que foram queimados, principalmente os modernistas
como os de Picasso e Paul Klee, entre outros que não eram do agrado do Führer.
Como falar dessas obras, se nem suas cinzas estão aí para ilustrar esse período
tão rico culturalmente falando, e que hoje são provas vivas dessa época?
Uma coisa não se pode negar: Hitler era um
homem de sensibilidade artística apurada, basta verificar o apreço com que
tratava os artistas, até mesmo os judeus que se destacavam pelo talento artístico.
Aqueles que viajam e visitam os
principais museus europeus, quando estão diante dessas obras primas, não
imaginam que muitas delas poderiam ter sido queimadas, pois Hitler ordenou,
perante o fracasso de suas tropas que já se desenhava, que explodissem as minas
onde estocavam esses tesouros, e
tocassem fogo em milhares dessas obras, o que felizmente não aconteceu.
Ficamos livre de Hitler. Essas
obras, esses gênios, essa história,
resistiram a esse poderoso lunático, mas nem por isso devemos esmorecer na luta
da preservação desse patrimônio, pois os movimentos novidadeiros patrocinados
pela mídia de conveniências, lutam desesperadamente para criar entulhos
culturais para as gerações futura.
Fico imaginando, como se portarão
as próximas gerações diante uma "peruca de arame", ou uma caixa
contendo "trenas de madeira perfiladas", ou ainda "emplastres de
cores de burro quando foge" debutando nas salas de museus ou paredes de
colecionadores. Será que ficarão tão emocionados como no filme ficaram os
historiadores diante obras primas recuperadas?
Não! Emoção é algo que hoje
inexiste diante da porcariada que inundou o cenário da arte de um modo geral:
no cinema, na música e nas artes plásticas. Se perguntarmos a um jovem quem foi
Shakespeare, Da Vinci, Michelangelo, Chopin, é de se ter medo das respostas,
pois nada se fala, escreve ou sai nas telinhas da TV que incentive a
curiosidade cultural das novas gerações.
Aqui mesmo no Rio de Janeiro,
criou-se uma epidemia de construir novos museus, enquanto os já existentes e
tradicionais minguam pela falta de verbas para sua conservação, fruto da
cultura de fazer o novo em detrimento do antigo e histórico. Recentemente fui
ao MAM (diga-se de passagem, uma das mais lindas arquiteturas no gênero) para
assistir uma peça em um dos seus anexos, que leva o nome de uma operadora de
telefonia. O Museu em si flutuava na penumbra do espaço e de sua importância
junto aos passantes que circulavam em seu entorno. Verbas para construir Museu
da Imagem e do Som, Cidade da Música, Museu do Futuro e Museu de Arte do Rio,
ah, para isso aparece e sobra!
É fácil chegar à conclusão da
origem dos desmanches cultural disseminados pelas escolas, locais em que hoje
nem o hino nacional é ensinado ou executado pelos alunos; é só procurar as "toupeiras" que exercem
suas funções nos ministérios da cultura e educação.
Brasil; país rico é país culto!
Ricardo Kimaid
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